Chazak Veematz:
um estudo sobre a memória dos primeiros anos da Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro (décadas de 1940 e 1950)
Rio de Janeiro
2005
Andre de Lemos Freixo
O movimento juvenil Hashomer Hatzair (“Jovem Guarda” ou “Jovens Guardiões”) encontra-se inserido em um quadro muito amplo que conhecemos como as “esquerdas judaicas”. Esse quadro se mostra amplo frente à grande pluralidade de ideologias e grupos políticos da comunidade judaica no Brasil e no mundo. Em particular, suas propostas de ação são balizadas pelo ideais do sionismo político aliados à utopia socialista de finais do século XIX, e encontram seu significado e sua realização na aliá[3] para a vida num kibutz.
A partir de jovens militantes, adeptos de tais ideais, pequenas organizações e reuniões, compostas pelos futuros líderes da Hashomer Hatzair carioca, vão tomando espaço entre 1944 e meados de 1945, principalmente após a saída de Getúlio Vargas[4] e o conseqüente fim das perseguições aos judeus (de esquerda) no Brasil. Porém, este movimento só irá iniciar seu estabelecimento no Rio de Janeiro entre fins de 1946 e meados de 1947, tomando sua forma final e amplos quadros após 1948, dentre outras, pelo grande clima de otimismo político no seio da comunidade sionista carioca após a independência do Estado de Israel. O movimento irá encontrar uma estabilização institucional no Rio de Janeiro por volta de 1952.
Após o contato dos chaverim (membros) Moysés Glat, Jorge Gandelsman, Abraham Levandovsky, e da chaverá (“membra”) Lina Fichman, dentre outros, com o movimento de São Paulo em fins de 1946 – que os levou a participar da moshavá (reunião de preparação para a vida no kibutz, em uma fazenda coletiva) paulista – uma assefá (assembléia) foi instaurada visando delimitar as prerrogativas do movimento a ser fundado no Rio de Janeiro. Esta se realizou na Biblioteca Israelita Chaim Nachman Bialik, usual ponto de encontro e discussão sionista-socialista carioca. Alguns dos membros que assumiram destaque nesta assefá, de início, foram o jovem chaver Paulo Geiger e o menahel (dirigente) Moysés Glat. Geiger inclusive propõe que o tnuá funcionasse, a exemplo da vertente chilena, de maneira progressiva (kidmá), onde, através de etapas propedêuticas, seriam expostas as ideologias shômricas (relacionadas ao movimento shomer) aos jovens membros[5].
Um dos principais objetivos do movimento era formar jovens conscientes da necessidade de se construir o Estado de Israel, através da militância sionista política. Seu mais nítido exemplo disso está na aliá (imigração para Israel) ao “final do curso”. Nesta, o shichvá de bogrim (grupo de jovens de 20 aos 21 anos – os mais velhos dentro do movimento) vai para o kibutz completar sua “realização pessoal” (Hagshamá Hagshmit) e participar da construção do Estado de Israel. Esta “realização” seria através da vida num kibutz, local onde o ideal socialista da vida comunal seria vivido na prática, em Israel, onde se daria a realização do ideal nacional judaico.
Suas propostas de ação oficiais eram: a não-intervenção na política brasileira, visando dar ênfase ao sionismo político e à importância de Israel dentro do movimento – uma das características que o tornam um movimento unificado em torno de suas propostas, mesmo em diferentes países do mundo; o judaísmo como cultura; a não participação de nenhuma atividade política externa ao tnuá; o humanismo e o socialismo como ideologias. Suas relações com Israel se davam, através de algumas relações com o partido operário israelense Mapam[6] (atualmente ele não existe mais como um partido, estando ligado a coalisão Meretz[7] – de maior representatividade política em Israel) e através da federação Kibutz Artzi[8].
Além disto, o trabalho do movimento está voltado à educação informal. Isso significa que o tnuá tem uma proposta pedagógica própria. Através de seu sistema de shichvot (grupos separados por idade) eles separam os mais jovens dos mais velhos e organizam-se de forma a contar sempre com os próprios jovens como educadores. Suas principais atividades são as machanot (acampamentos) onde são praticadas atividades como o escotismo, danças e cantos em hebraico.
No Rio de Janeiro este movimento foi ganhando uma representatividade muito grande no cenário sionista da antiga capital nacional, em especial após a independência de Israel, em 1948. Inicialmente atuando apenas no Colégio Hebreu-Brasileiro, como primeira “sede”, os jovens sionistas-socialistas foram ganhando muito terreno, e, ao longo dos anos, o movimento chegou a contar com três sedes só no Rio de Janeiro: uma na Tijuca, outra no Flamengo e uma em Madureira. Atualmente sua sede fica na Rua das Palmeiras, em Botafogo. No mundo, o movimento encontra sedes em dezenove países, a saber: Israel, Hungria, EUA, México, Venezuela, Brasil, Chile, Uruguai, Argentina, França, Bélgica, Suíça, Itália, Áustria, Inglaterra, Austrália, Rússia, Ucrânia e Bulgária.
Nesse prisma, visando entender um pouco mais sobre a história deste movimento, que nos é tão pouco conhecida, utilizamo-nos de depoimentos de membros que participaram ativamente no movimento neste período (décadas de 1940/50), quando de sua fundação no Rio de Janeiro, buscando compreender e aliar suas experiências compartilhadas à História do movimento, no que denominamos aqui como sua primeira geração.
FONTES
Para esta empreitada, disponibilizamo-nos de um acervo documental e de fontes restrito, porém precioso. Este é composto por relatórios de trabalhos da imprensa alternativa (pequenas publicações de distribuição interna no movimento de caráter jornalístico e pedagógico[9]), bem como de Atas de reuniões, “fundação” e desenvolvimento do tnuá, fotografias, e, principalmente, dos depoimentos de ex-membros (encontrados sob a forma de CDs, fitas e transcrições). Nestes depoimentos encontram-se duas fontes valiosas: as memórias de dois personagens fundamentais que viabilizaram nossos estudos: Moysés Glat e Paulo “Pinchas”[10] Geiger.
Com este segundo personagem, encontramos através de seus dois depoimentos (cordialmente cedidos a nós) elementos que nos levaram a crer que ele representa de maneira única e inequívoca a memória “eleita oficial” pelo movimento em questão. E mais ainda que ele representa o “porta-voz autorizado” pelo movimento. Aqui é onde se encontram nossas mais preciosas fontes para esta monografia, pois, dos testemunhos de Geiger aliados ao depoimento de Moysés Glat, constituiremos um quadro mnemônico onde trabalharemos a relação entre memória e história, bem como analisaremos esta “eleição” do “porta-voz” para o movimento. Mas isso será mais bem elucidado quando voltarmos a esse ponto mais a frente, no Capítulo 4 desta monografia.
O principal a se saber aqui é: não foi apenas a análise dos depoimentos de Geiger que nos levou a configurar sua persona como sendo um porta-voz autorizado, mas também, que de todos os envolvidos com o Hashomer Hatzair (membros ou ex-membros do movimento, amigos e até “inimigos” políticos à época em questão) com os quais entramos em contato ao longo da pesquisa foram unânimes: “Paulo Geiger é o mais indicado a lhe falar sobre o assunto!”, diz Moysés Glat; “Vocês já conversaram com o Geiger? Ele é muito bom para lhes contar a história do Shomer!”.
Dessa forma, surgem as seguintes questões: por que seu nome se fez tão presente na história desse movimento de maneira que, por vezes, um se confunde com o outro? Como a memória de um indivíduo torna-se tão efetiva na construção de uma identidade social, que esta passa a ser uma referência coletiva aos que, daquela época e em épocas subseqüentes, tomam-na como fundamental (e por vezes inseparável) à memória do grupo?
Através da metodologia da “história oral” (que conste nossa oposição à utilização deste termo, que aqui será empregado exclusivamente com fins didáticos[11]) – especialmente no que tange a histórias (e trajetórias) de vida – e principalmente, dos recursos teórico-metodológicos disponíveis no campo (histórico e sociológico) de estudos da “memória” pudemos atrelar estas questões ao cerne desta monografia. Conceitos como os de memória “individual”, “coletiva”, ou “balanceada”; “enquadramento de memória”, “projeto”, “identidade”, “silêncio e esquecimento”, “porta-voz autorizado”, etc., serão analisados e discutidos ao longo deste trabalho como forma de argumentar nossa questão, que gira em torno de nossa personagem – Paulo Geiger – como o “porta-voz” oficial da memória shomer carioca. Bem como iremos aventar um esboço do “balanceamento[12]” proposto entre a memória shomer “oficial” (ou seja, a eleita pelo coletivo como oficial e delegada ao seu “porta-voz”) à memória de outro personagem: Moysés Glat. Este foi fundador da primeira kvutzá (grupo) do movimento no Rio de Janeiro, e é um personagem que surge constantemente nas Atas de reuniões e de “fundação”. Do surgimento de gaps no que tange a criticidade com a qual o movimento constrói sua memória, que serão muito abordados no depoimento de Glat, emerge nossa necessidade (em termos historiográficos) de uma análise destas memórias em prol da história do movimento.
Porém, antes de qualquer outra análise, é necessária uma breve alusão ao nosso entendimento acerca da fecundidade metodológica da “história oral”, tão cara à nossa pesquisa.
MÉTODOS
Trabalhamos desde o início com a certeza de estarmos lidando com uma metodologia quando nos referimos à história oral. Esse entendimento vem da concepção de que se uma história estabelece e ordena procedimentos de trabalho, funcionando como élan entre teoria e prática – suscitando questões, as quais está inapta a solucionar independentemente, ou seja, sem o auxílio da teoria da história –, esta “história” está no campo da metodologia[13].
Janaína Amado e Marieta Ferreira, em sua compilação de artigos “Usos e Abusos da História Oral”[14], estabelecem de maneira clara essa colocação ao afirmarem:
“Soluções e explicações devem ser procuradas onde sempre estiveram: na boa e antiga teoria da história. Aí se agrupam conceitos capazes de pensar abstratamente os problemas metodológicos gerados pelo fazer histórico. (...) sendo uma metodologia, a história oral consegue enunciar perguntas (...); mas exatamente por ser uma metodologia, não dispõe de instrumentos capazes de compreender os tipos de comportamentos descritos (bastante comuns aliás). Apenas a teoria da história é capaz de fazê-lo, pois se dedica, entre outros assuntos, a pensar os conceitos de história e memória, assim como as complexas relações entre ambos. (...) A interdependência entre prática, metodologia e teoria produz o conhecimento histórico; mas é a teoria que oferece os meios para refletir sobre esse conhecimento, embasando e orientando o trabalho dos historiadores, aí incluídos os que trabalham com as fontes orais.”
Assim, fazendo de suas palavras as nossas, concluímos que temos não uma “nova”, “outra”, ou “diferente” história como muitos críticos tentaram invocar, por vezes de maneira bem complexa. Temos a História. Esta “história oral”, ou das fontes orais, tem para com a dita “tradicional” os mesmos compromissos em termos de etapas, fases e procedimentos do exame histórico. E essa tem, aí sim, “novas” fontes, “outros” objetivos, “diferentes” questões, e, principalmente, suscita um novo enlace entre o historiador e seu objeto.
De uma maneira geral a história oral visa estudar e entender a vida cotidiana de um elemento dentro de um grupo estabelecendo uma relação entre vida e História. Para obter sucesso em tal processo é necessário aliar história oral à histórias de vida, que, segundo Lígia M. L. Pereira[15],
“São o relato de um narrador sobre sua existência através do tempo, com a intermediação de um pesquisador. É um trabalho coletivo de um narrador-sujeito e de um intérprete. (...) apresentam melhores condições de enfrentar o aspecto lacunar das biografias, justamente pela possibilidade de abordar aspectos da vida privada valendo-se do fato de que os vestígios de que o pesquisador se utiliza não são fixos. Sendo a fonte um sujeito vivo, pode ser mais bem explorada e questionada.”
Em uma palavra, nas récit de vie há necessidade do historiador (investigador/ intérprete) em interagir como um elemento de seleção (ou “filtragem”) daquilo que lhe foi apresentado sob a forma de autobiografia (depoimento ou testemunho onde o narrador – sujeito/ depoente – seleciona e edita sua fala de acordo com a sua própria memória). É sabido (porém nunca é demais rememorar) que o historiador irá selecionar (ou filtrar) aquilo que, diante de suas prerrogativas, ou dentro do contexto histórico estudado, melhor se encaixarem. Isso figura um trabalho de fontes como qualquer outro.
Porém, ao trabalhar com “histórias de vida”, podemos nos defrontar com alguns problemas: os “acidentes”, que Pierre Bourdieu[16] nos denuncia como “ilusões retóricas”[17]. E que, para tentar evitar este equívoco, nos propõe a noção de “trajetória”. Com esta noção ele sai do âmbito exclusivo do indivíduo e o insere em seu meio, ou seja, a “trajetória” do indivíduo passa a ser avaliada e analisada de acordo com a sua atuação social frente a outros indivíduos dentro de um determinado momento histórico.
Os conceitos para histórias e trajetórias de vida nos foram de uma importância ímpar neste trabalho, uma vez tivemos por objetivo analisar histórias de vida (através de relatos biográficos) em termos significativos, ou seja, compreender sua representatividade sobre as possibilidades que tangenciam o campo social dentro do qual este personagem constrói sua memória.
Todavia, das análises de autores como Pierre Bourdieu[18] e Giovanni Levy[19], encontramos os dados e o debate que nos serviram de ponto de partida para um posicionamento propriamente nosso, ou melhor, “nosso” no que diz respeito a análise de nosso atual objeto. No primeiro caso, como mencionado anteriormente, Bourdieu ressalta que à “vida” não corresponde uma categoria ordenada, tampouco a um “(...) conjunto coerente e orientado, que pode e deve ser apreendido como expressão unitária de uma ‘intenção’ subjetiva e objetiva de um projeto (...). Essa vida organizada como uma história transcorre, segundo uma ordem cronológica que também é uma ordem lógica, desde um começo, uma origem, no duplo sentido de ponto de partida, de início, mas também de princípio, de razão de ser, de causa primeira, até seu término, que também é um objetivo.[20] Logo, para Bourdieu, a crença numa vida analisada como tal configura uma ilusão “retórica”. Essa ilusão nas biografias adviria do fato de que nenhuma vida é estática, portanto, qualquer pretensão histórica sobre um relato de vida só poderá ser efetiva se consideradas as condições em relação ao espaço social de onde esse ator nos fala. Ou seja, a história de vida conduziria a elaboração de uma “trajetória”, na medida em que, nesse discurso, poder-se-ia estipular uma série de diferentes posições sucessivamente ocupadas pelo ator em questão ao longo de sua vida.
“Tentar compreender uma vida como série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um ‘sujeito’ cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede (...). Os acontecimentos biográficos se definem como colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo considerado.” (BOURDIEU, op. cit. p.189-190)
Com isso, Bourdieu fecha sua análise caracterizando que para se compreender qualquer trajetória de vida é necessário, antes, uma compreensão do quadro social (campo sociológico ou “superfície social”) no qual essa trajetória está inserida, e segundo o qual esta se torna inteligível.
Acrescentando muito a este debate temos também a análise de Giovanni Levy. Nesta, o autor acrescenta alguns pontos interessantes à análise previamente pontuada por Bourdieu exatamente onde corrobora a noção para “ilusão” no que diz respeito às utilizações errôneas das biografias pelos historiadores. O ponto mais importante de Levy é o seu entendimento sobre “o caráter intersticial da liberdade de que dispõem os agentes”[21], bem como o funcionamento concreto dos sistemas normativos “que jamais estão isentos de contradições”[22]. Isso significa que, para Levy, todo indivíduo possui um determinado índice de liberdade que se origina das incongruências e incoerências dos seus ambientes sociais, que resultam numa busca por mudanças. Dessa forma, a importância das biografias, para este autor, residem justamente na função descritiva destas incongruências estruturais que figuram à vida de todos os indivíduos. Em suma, Levy buscou um caminho alternativo às interpretações das biografias, que parece dar margem aos indivíduos de poderem participar efetivamente das ações, o que amplia o universo de atuação destes para além das estruturas, situando-os, assim, como elementos com o poder de “agir” em suas vidas e não somente “reagir” frente às estruturas.
PANORAMA BIBLIOGRÁFICO
Ao analisar nosso objeto pudemos encontrar algumas obras que melhor nos guiaram nesse caminho, bem como abriram amplos horizontes no que tange à referências, facilitando em muito nossa tarefa. A primeira delas foi “As Origens do Nacionalismo Judaico”, onde Jaime Pinsky[23] reavalia a construção do ideal nacional para os judeus na Europa desde a remota Idade Média até as portas do século XXI. Críticas às argumentações de autores fundamentais ao estudo do sionismo, como Theodore Herzl[24], por exemplo, onde levanta questões cruciais, bem como seus pontos principais, analisando-a de forma a concluir ser cheia de falhas, equívocos, e, falsas propostas de ação – como a idéia de que Herzl foi um grande pensador para o povo judeu, quando o que ele buscava era apenas um canal de escoamento da mão de obra judaica para fora da Europa[25]. Bem como uma análise pormenorizada da obra de Dov Ber Borochov, o principal ideólogo a unir o sionismo político proposto por Herzl ao socialismo marxista de uma maneira funcional, materialista e dialética. Borochov compreendeu o marco fundador da ideologia que serviu de alicerce estrutural à fundação ideológica do Hashomer Hatzair.
Outra obra que nos foi de imenso auxílio foi a monografia de final de curso de Michel Gherman[26], “Ecos do Progressismo: história e memória da esquerda judaica dos anos 30 e 40”. Nesta, Gherman faz um levantamento minucioso acerca das influências teóricas e das diferentes vertentes da esquerda judaica no Rio de Janeiro do período em questão, buscando, assim como nós, aliar sua pesquisa a depoimentos orais. Constrói um quadro plural da situação dos judeus na Europa ao longo dos séculos XVIII e XIX, separando-os intelectualmente de acordo com suas origens, não meramente por algum determinismo geográfico, mas sim pelas estratégias de líderes que surgiram em diferentes regiões influenciados por diferentes marcos teóricos e/ou religiosos; estes poderiam ser de origem oriental, central e ocidental. Para tal empreitada, utilizou-se, dentre outros, do conceito de attractio eletiva, que já figurara nos escritos Max Weber e Goethe. Apropriado por Walter Benjamim e, sob a pena Michel Löwy[27], foi adaptado ao estudo da intelectualidade judaica na Europa.
Com isso buscou os reflexos dos fluxos de imigração destas regiões (em especial da Europa oriental) em suas estratégias de adaptação no Brasil (que foi um dos alvos principais destes imigrantes a partir da década de 20) bem como da opção pelo referencial socialista.
Um artigo publicado na revista israelense “Studies in Zionism” sob a assinatura de Dvora Hacohen[28], “Mass Immigration and the Israeli Political Sistem, 1948-1953”, nos brinda com um quadro muito preciso acerca da situação do moderno Estado Israel quando da sua fundação, em termos do boom imigracional que ocorreu sob a fundação de um comitê para imigração e absorção criado pelo Mapai[29], partido político de Israel que assumiu a responsabilidade pela mudança radical (e rápida) do quadro demográfico judaico no recém criado Estado[30]. Hacohen trabalha, também, com o fato de que o Mapai (partido de David Ben Gurion) acreditava e depositava suas esperanças na altíssima capacidade dos kibutzim de absorver imigrantes judeus, porém, com a fundação do Mapam, partido trabalhista de esquerda em janeiro de 1948[31], Hacohen afirma que os kibutzim, que já não seguiam mais a liderança do Mapai, passam a se definir cada vez mais com o Mapam, o que dá uma força muito grande ao recém fundado partido. Este é o mesmo partido irá auxiliar a fundação de “granjas” (ou pequenos acampamentos) preparatórias para a aliá dentro do movimento analisado como objeto proposto nesta monografia.
Arlene Clemesha, em sua obra “Marxismo e Judaísmo”[32], também é considerada nesta monografia como sendo de uma importância vital. A autora destaca a união de duas formas de se entender o mundo, a questão cultural judaica aliada à ideologia marxista. Ao trabalhar esta relação, a autora, consegue estabelecer um vínculo entre realidade e ideologia da “questão judaica” proposta por Karl Marx em sua obra homônima, afirmando que não se pode buscar uma “resposta” monolítica (leia-se ortodoxa) nos escritos de Marx, uma vez que a realidade, dos povos judeus (sempre plural) no caso, é histórica, e como tal muda de acordo com seu tempo histórico, assim como as “respostas” procuradas para tais questões. Elas devem acompanhar as “vicissitudes da história”.[33]
Sua obra tem uma importância muito grande no presente trabalho, pois lida com a situação dos judeus na Europa ocidental oferecendo-nos um retrato do anti-semitismo[34] (na França em especial, encabeçado pelo Caso Dreyfuss[35]) como não sendo um recurso exclusivo das direitas e suas extremas, e redundando no surgimento do movimento sionista político de Theodore Herzl, que será revisto pelo movimento Hashomer Hatzair anos mais tarde sob a já citada influência dos escritos borochovianos.
Além destas, algumas outras obras foram de fundamental importância neste projeto no que tange à compreensão do fenômeno da imigração judaica para o Brasil, e para o Rio de Janeiro em especial. A primeira obra visa um espectro mais amplo e é uma coletânea de artigos organizada por Bila Sorj (UFRJ) intitulada “Identidades Judaicas no Brasil Contemporâneo”[36]. Nesta obra os artigos assinados por Mônica Grin; Bernardo Sorj; Eva Alterman Blay; Roberto Grün; bem como da própria Bila, oferecem um livro que contribui para nosso entendimento da identidade cultural dos povos judeus dentro da sua pluralidade, visando com isso uma elucidação acerca da formação e transformação da comunidade judaica no Brasil.
De início iremos destacar o artigo de Mônica Grin, “Diáspora Minimalista: a crise do judaísmo moderno no contexto brasileiro”[37]. Neste artigo, a professora do departamento de História do IFCS/ UFRJ, delimita questões importantes no que se refere à construção da comunidade judaica ashkenatzim[38] no Rio de Janeiro, dado serem as lideranças políticas da época, em sua maioria, de tal origem. Para tal empreendimento, ela fez uso do conceito de “modernidade judaica” ou “judaísmo moderno”[39] de Bernardo Sorj, conceito que será importante na delimitação do terreno sócio-cultural ocupado pelos primogênitos de uma geração de imigrantes ashkenatzim, que nós aqui destacaremos como a geração que irá fundar a vertente carioca do Hashomer Hatzair.
Seu ponto fundamental nesta análise é o estudo da Federação Israelita Brasileira do Rio de Janeiro. Esta instituição é compreendida como sendo (em tese) uma mediadora entre dinâmicas étnico-políticas da comunidade judaica carioca. Grin defende a hipótese de que esta mediação se deu de maneira diversa, onde esta organização buscava a manutenção de um caráter plural do judaísmo (entendido sob a perspectiva moderna), na tentativa de “proteger” este judaísmo “contra os rompantes normativos tanto do sionismo, fortalecido com a fundação de Israel, quanto da ala conservadora da liderança que tentava impor, desde a década de 20, o modelo de Kehillá[40] à comunidade judaica do Rio de Janeiro.”[41]
A importância deste artigo em nossos estudos se dá no entendimento da dinâmica social, política e ideológica da comunidade judaica do Rio de Janeiro dentro do recorte cronológico das décadas de 1940-1950 (sendo que se encontraria ainda na “primeira fase”, de 1945-1960, como proposto por Grin[42]), momento do surgimento e da instalação em caráter oficial do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro.
Samuel Malamud possui duas obras também entendidas como vitais na elaboração deste trabalho: “Do Arquivo e da Memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial” [43] e “Recordando a Praça Onze”[44]. No primeiro, Malamud se preza a fazer uma contribuição à história do sionismo no Brasil. Compila um livro que traça todo o percurso da ideologia sionista desde suas origens na Europa até sua chegada no Brasil. Passa por todo tipo de instituição que, porventura, tenha se dito sionista no Rio de Janeiro, fazendo um histórico completo do período proposto à esta monografia (décadas de 1940 e 1950 no Rio de Janeiro), no que se refere a sionismo.
Busca, a reconstrução da memória da Praça Onze, local onde residiam inúmeras famílias de origem judaica, funcionavam dezenas de casas comerciais e pequenas oficinas com donos judeus, bem como algumas das principais instituições filantrópicas onde eram realizadas atividades culturais, sociais, recreativas, religiosas, etc.. Nesta mesma Praça Onze e, obviamente, seus arredores – como as ruas Senador Eusébio e Visconde de Itaúna que se estendiam, aproximadamente, da Praça da República até proximidades da Praça da Bandeira – Localizadas entre o Centro e a Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro – encontrava-se o Centro Operário Morris Vitschevisky, a Biblioteca Scholem Aleichem (Bib.S.A.) – uma das principais instituições culturais (e “redes de solidariedade”) da comunidade judaica carioca –, que, após 1928, passa a ter uma orientação “progressista”, ou em termo utilizado pelo próprio Malamud: “orientação pró-soviética”[45]; a Hatchya, dissidência da Bib.S.A. por razões político-ideológicas, que futuramente mudaria de nome para Biblioteca Israelita Chaim Nachman Bialik, e tinha associados ligados ao sionismo-socialista, inclusive os principais dirigentes da Hashomer Hatzair encontravam-se lá com freqüência, como nos informam os depoentes.
Ainda no que tange a Imigração judaica para o Brasil, a obra de Jeffrey Lesser[46] “O Brasil e a Questão Judaica” nos forneceu um estudo amplo, diverso e de uma erudição ímpares. Através desta sua ampla abrangência pudemos balisar alguns pontos sobre a imigração judaica para o Brasil, que será melhor trabalhada em nosso segundo Capítulo.
Do estudo calcado em tais obras, pudemos atrelar nosso objeto a um cenário político, cultural e social da comunidade judaica carioca muito interessante, principalmente no que diz respeito ao momento da instalação do movimento juvenil Hashomer Hatzair nesta cidade.
CAPÍTULO II:
O IDEAL QUE IMIGROU: ORIGENS E HISTÓRIA DA HASHOMER HATZAIR NO RIO DE JANEIRO
A saber, sionismo não é um desígnio moderno. Por “sionistas” entendiam-se todos aqueles que, em algum momento da história do judaísmo, voltaram suas forças para um retorno do povo judeu a terra de Zión[47]. Há notícias de movimentos de reconquista (ou “sionistas” – embora o termo aqui esteja mal colocado, pois os mesmos não se denominavam desta maneira, funcionando apenas em termos didáticos) da “Terra Prometida” desde os séculos XII ao XV[48], voltado a lutas armadas e tentativas violentas de retomada, porém, somente no século XIX esse tipo de mobilização ganhou formato político e não belicista. É preciso deixar claro que em todos os momentos da história da diáspora houve a imigração de indivíduos ou pequenos grupos para a palestina visando a sua instalação na “Terra Prometida”, mesmo que em números não muito significativos. Mas esse movimento somente ficou politicamente conhecido por “sionista” a partir do século XIX. Dessa forma, o movimento político sionista será uma “construção” da Era Moderna.
Na Europa dos séculos XVIII e XIX muitas são as formas de violência que atingem os povos judeus ali dispersos desde fins da Idade Média. Desde há muitos séculos até o momento as relações entre judeus e não-judeus na Europa tem sido, na maioria das vezes, de extrema agressividade. Isso se deu, em parte, devido ao preconceito e também às condições de vida dos povos judeus, sempre cerceados por leis restritivas ou obrigados a viver sob os muros dos “pré-guetos”, como veremos mais a frente.
Isso acarretou, inclusive, em um certo clima de “incerteza”[49] dentro do seio das comunidades judaicas na Europa (sempre divididas e muito plurais). Um receio quanto ao “ser judeu”, por parte daqueles que almejavam ser “assimilados” dentro das sociedades européias[50].
Após o triunfo da Revolução Francesa, e com o constante desaparecimento do feudalismo na Europa, muitos destes judeus que, primordialmente na Europa ocidental, ansiavam por ser “adotados” pelas nações dos países onde residiam, viram-se cada vez mais próximos deste objetivo. Essa “assimilação” não era muito comum[51], mas para algumas famílias mais abastadas, poderia significar o fim das perseguições e a tão almejada, “inserção” social num âmbito não unicamente social, como também nacional. Isso constituiria um sentimento de pertencimento pátrio que os judeus não puderam conhecer ao longo dos séculos em sua dispersão.
Na Europa oriental, os judeus eram obrigados a morar em “zonas residenciais” agrícolas – os já citados “pré-guetos” –, de onde só poderiam sair alguns comerciantes e artesãos (sob as penas da Lei), apenas durante determinados períodos do ano, onde fosse comprovado ser estritamente necessário deixar essas regiões para compra de matéria-prima ou venda de seus produtos[52]. Legados à chaga de serem eternos estrangeiros onde quer que fossem, não tinham o direito a nada. Este quadro, como vimos anteriormente, começou a mudar, e, com o avanço da industrialização e do capitalismo – em decorrência do já mencionado declínio feudal –, muitos judeus abandonaram essas “zonas residenciais”[53] e se dirigiram aos centros urbanos, localizados no ocidente europeu, produzindo um verdadeiro “êxodo rural judaico”.
À guisa de exemplificação podemos citar um caso russo, onde o Czar Alexandre II (1855-1881), destrói os shtetl[54]. Estes são substituídos pelos “guetos” (propriamente ditos). Todas as “vantagens” uma vez concedidas aos judeus, sob a forma de benefícios a estrangeiros vivendo em suas terras, são agora retiradas. Dessa forma, os judeus fogem dos campos e buscam nas cidades alguma forma de subsistir. O quadro que se instala é crítico, pois uma mão-de-obra artesanal e camponesa, sem especialização alguma, senão para com os trabalhos do campesinato, agora encontra-se na área industrial (e em vasta abundância), rumando para os novos ramos da industrialização e se dirigindo aos centros urbanos; seu custo é inferior à mão-de-obra dos operários russos. Gera-se violência: organizações paramilitares de repressão aos judeus (os pogroms) dizimaram milhares de judeus trabalhadores sob o “argumento” de estarem roubando seus empregos. Atualmente suspeita-se que muitos destes pogroms eram organizados pelos líderes do governo central na Rússia[55].
Este quadro de violência e repressão anti-judaica reflete a Europa e a sua relação com os judeus nos idos do século XIX. E, numa análise a posteriori, podemos destacar que, um dos elementos que legava aos judeus tamanha animosidade era o fato de, além do preconceito, eles serem sempre considerados estranhos em uma terra alheia, não importando qual fosse a terra, onde quer que eles estivessem, e por quanto tempo eles estivessem ali, eram sempre taxados de estrangeiros.
Esse tipo de sentimento, grosso modo, permeou a vida e as mentes daqueles que iriam constituir uma intelectualidade judaica, fruto de algumas décadas de contato entre os judeus que vinham do oriente e a cultura européia ocidental, o que possibilitou novos caminhos para o pensamento judaico, em especial pelo envolvimento com os ideais humanistas e iluministas[56]. Logo, a Haskalah (ou o “Iluminismo judaico”) passou a propagar a importância deste tipo de integração entre a cultura judaica e a européia, e temas como o resgate do hebraico (o idioma antigo), a literatura hebraica moderna, etc., levaram estes a trilhar novos rumos em termos ideológicos que, futuramente, irão, dentre outros, se materializar através do movimento sionista político moderno.
Neste momento surgem os primeiros focos religiosos, políticos e ideológicos de uma intelectualidade judaica menos beligerante, que vêm incentivar e motivar a criação do pensamento sionista moderno, como forma de solucionar o problema judeu de maneira mais coerente e efetiva.
Achad Haam (ou “um do povo” – pseudônimo de Asher Guinsburg[57]), Shimon Dubnow, Theodore Herzl, Ber Borohov e Leon Pinsker, apenas enumerando cinco dentre tantos outros, foram os principais pensadores a levantar a questão judaica e olharem-na sob o viés ideológico, político e, em alguns casos, até messiânico[58].
Iremos apresentar aqui, de forma sucinta, alguns traços dos ideários defendidos pelos pensadores citados anteriormente. Isso se deve, prioritariamente, à grande diferença dos discursos entre si – por vezes diferenças estruturais – e à sua forte influência nos debates que seriam os alicerces de fundação do que viria a ser o sionismo político militado pelos shomrim do Hashomer Hatzair na Europa, décadas mais tarde, ou, no mínimo assunto debatido em muitas de suas discussões e debates intelectuais sobre o “caminho” a se seguir, o que será imprescindível ao entendimento das bases ideológicas que permitiram a aliança entre o sionismo político moderno e socialismo.
Devemos alertar que, devido à grande intensidade de material para discussão advinda desses pensadores, iremos ater-nos somente às idéias principais e suas principais divergências, tomando como base para essa análise as obras de Jaime Pinsky – “Origens do Nacionalismo Judaico” –; Jaco Guinsburg e Carlos Ortiz[59] – “Antologia Judaica (Era Rabínica e Moderna)”; e Samuel Malamud – “Do arquivo e da memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial” –, visando com isso elucidar possíveis questões acerca deste tema. Manteremos em pauta que uma discussão muito pormenorizada do mesmo daria um tom prolixo ao presente trabalho, visto que esse não é seu objetivo primevo. Entretanto, analisar o berço do pensamento do qual proveio o movimento sionista moderno (que fundamentou a intelectualidade que criou o Hashomer Hatzair na Europa) é, no mínimo, imprescindível para o seu entendimento, visto que em suas fileiras sempre figuraram personagens altamente intelectualizados.
Achad Haam, vindo de uma origem de berço hassidista[60], tinha uma boa situação financeira e foi muito influenciado por pensadores ocidentais contemporâneos, como Spencer e Darwin, era contrário a uma união dos judeus dispersos na Palestina. Justificava seu ponto de vista a partir da sua própria origem hassidista, defendendo que a solução do problema judaico não poderia se dar de outra maneira senão no nível espiritual. Além disso, defendia ser impossível unir tantas diferenças econômicas, culturais e sociais das diversas nações em que os judeus encontravam-se dispersos num só país, num só Estado judeu[61].
É importante frisar que a situação da comunidade judaica na Europa deste final de século XIX é de divisão. Enquanto no ocidente os judeus ainda tentam a sua inserção na sociedade, no oriente as comunidades voltavam-se cada vez mais para Zión, ou seja, focos de movimentos políticos[62] de cunho “sionista” já surgiam com intento de resolver os problemas dos judeus através de uma colonização da Palestina.
Para Haam, – um homem nascido e criado no shtetl do século XIX, ou seja, conservador, tradicionalista e muito religioso –, os intelectuais judeus ocidentais, voltados para o sionismo político, estão muito distanciados das tradições religiosas que os caracterizam enquanto judeus, e isso seria uma grande ameaça ao próprio judaísmo[63]. Dessa forma propõe que uma cultura abstrata, através de um espírito judaico (manifestação da cultura da nação judaica) é a essência dos judeus desde os tempos das primeiras profecias. Estando desligada da continuidade do tempo e mantendo-se intacta através dos séculos, esta “cultura”, seria a única possibilidade de uma verdadeira redenção do povo judeu, e não a criação de um Estado judeu. Defende, também, a permanência dos valores do shtetl, e diz que um Estado judeu sem esses valores não seria nada mais do que mais uma sociedade capitalista explorada pelas grandes potências, e nunca chegaria ao “mágico” e fantástico mundo de Scholem Aleichem[64] uma vez lembrou, e que ele tanto idealizava. Perceberemos aqui uma clara crítica ao pensamento de Theodor Herzl e Leon Pinsker, que veremos mais adiante. Pois, Haam, defende um sionismo moral (ou espiritual) no lugar do sionismo político defendido por Herzl ou do sionismo prático de Pinsker. Esse tema espiritual não se fez presente para o movimento Hashomer Hatzair, mas é importante destacar as origens do pensamento moderno que permeiam o tnuá, pois o elo deste para com a cultura do judaísmo sempre foi muito forte.
Novamente se faz necessário ter em mente que este é um momento de esfacelamento dos shtetl na Europa, física e culturalmente. Os judeus jovens, nascidos ou criados fora destes, radicais e ansiosos por mudanças positivas na condição judaica, começam a questionar valores ainda muito presentes, que vinham do shtetl através dos pais ou avós. Um destes jovens era Shimon Dubnow.
Sua visão de mundo foi muito influenciada por pensadores do Haskalá[65], como Moisés Mendelsohn, Kalman Shulman, Peretz Smolenskin e alguns pensadores ocidentais como Charles Darwin, F.W. Hegel e Auguste Comte. Dubnow, enquanto maskil[66], era um questionador e defendia uma sucessão metodológica de três estágios, necessária para o pleno desenvolvimento de uma nação na História: da “tese” (ou tradição) passada de gerações anteriores em forma de dogma irrefutável e perfeito; passando a uma “antítese” (refutação total e irrestrita da tese anterior, mesmo dos temas históricos avaliados posteriormente como corretos) sua completa negação e é a libertação do dogma “tese”; e, finalmente, a “síntese” – uma teoria necessária, segundo Dubnow[67], à nova vida dos judeus que seria fruto de uma criação mais compreensiva da intelectualidade.
Argumenta, também, que a exclusividade judaica (em termos de sobrevivência) se deve, especificamente, à evolução histórico-cultural que perpassa o nível material, e vai de encontro ao espiritual. Que mesmo sendo um povo disperso, sem uma unidade territorial, e sempre perseguido, ainda assim conseguiu manter-se em condições de existência, em suas palavras: conseguiu “uma unidade na diversidade[68]”. Graças a isso os judeus permaneceram na História enquanto nação; sua força interna conseguiu sobrepujar as pressões externas e perpetuar o povo judeu na História mesmo estando tão disperso.
Dubnow pregava uma autonomia da espiritualidade judaica como resposta à realidade social dos judeus na Europa. Era um espiritualista e a pequena burguesia judaica tinha por ele um apego quase ao nível de um consolo, e segundo Pinsky:
“Dubnow não poderia imaginar que a autonomia que pregava pudesse servir como forma de manutenção de grandes minorias, para efeito de dominação de reduzidas maiorias. É quando o autonomismo se transforma em ideologia dos dominadores”. (PINSKY, op. cit., 1997, p.97).
Frente a esse “espiritualismo” como forma de solucionar o problema judeu, temos os intelectuais mais “ácidos” em suas determinações e, assumindo posições mais materialistas, que irão trazer um novo tom às discussões e congressos, como os do Bund[69], por exemplo. Vamos a eles.
Leon Pinsker, médico, russo, autor de “Auto-emancipação – um apelo ao seu povo por um judeu russo”, levanta sérias críticas e propõe uma análise da sociedade russa e de como os judeus estavam inseridos nesta, concluindo que há judeus, mas nunca houve uma nação judaica, tendo em vista a manutenção da individualidade na diáspora. Ele atribui a isso às constantes humilhações e violências (como os pogroms) sofridas pelos judeus na Rússia. Passa a defender as soluções dos problemas através da dialética “nacionalista” judaica, de que através de um “lar seguro e inviolável para o surplus dos judeus que vivem como proletários nos diversos países e são um fardo para os cidadãos nativos”[70]. Perceba que o seu clamor era por um nacionalismo judaico, um territorialismo judaico, e não o sionismo pura e simplesmente. Um “apelo”, na mais pura acepção da palavra contida no título de sua obra, ao nacionalismo, fruto de um pavor advindo do surto anti-semita que crescia na Rússia às vistas do governo central russo[71].
Numa releitura[72] da obra máxima de Pinsker, “Auto-Emancipação”, Jaime Pinsky reavalia as argumentações do autor e levanta questões cruciais, bem como seus pontos positivos, analisando-a de forma a concluir sê-la cheia de falhas, equívocos e falsas propostas de ação, e indo além: acredita que Pinsker defendia duas possibilidades: na primeira uma igualdade que só seria encontrada numa terra própria, algo mais palpável; na segunda um mundo igual para todos, irmanado e utópico. Ao contrário de Haam e Dubnow, Pinsker não visava, segundo Pinsky, a “santidade” da terra e sim a sua proteção. Seu nacionalismo é caracterizado como um “sionismo sem Zión” (por mais paradoxal que possa soar), o que o aproximava muito das propostas iniciais de Herzl, devido à sua visão de uma terra necessária aos “diferentes”, para que entre si, fossem todos iguais. Pinsker defendia uma igualdade de direitos perante os “normais”, uma vez que todas as nações têm direito a uma territorialidade sua. Isso não necessariamente queria dizer caminhar para Zión, ou para a terra prometida; para ele essa terra poderia ser em algum lugar na própria Europa. Sua esperança enquanto um “quase russo” (nas palavras de Pinsky[73]), era, na verdade, um “grito silencioso” de um judeu emancipado. Ou pior, segundo Pinsky, para Pinsker ser judeu era algo desprovido de conteúdo ou espírito, era simplesmente algo designado, classificado e (porque não?) impingido pela sociedade ao indivíduo que se quer marcar; um sinônimo de constrangimento, embaraço e pesar. Talvez Pinsker defina bem uma tradução literal para “antítese” (emprestando o termo em analogia a Dubnow), no sentido em que ele renega totalmente o sentido identitário de seu “ser judeu”, visando apenas uma resolução material para seus problemas de inserção social, dele e de outros judeus pequenos burgueses.
Porém, frente a essa releitura crítica, temos um primeiro embrião; uma experiência que, mesmo “deformada” e insuficiente em termos teóricos seria levada à frente pelo homem que foi considerado o pai do sionismo político e principal intelectual envolvido com a idealização do moderno Estado de Israel: Theodor Herzl.
Movido pelo caso Dreyfus, outrora mencionado, o jornalista vienense Theodor Herzl, passa defender a teoria de um Estado nacional judaico (Judenstaat), como solução para o que foi convencionado chamar de “problema judeu”. Ao escrever seu “Estado Judeu” em 1896, Herzl não “inventa”, ou “cria” a teoria de um Estado nacional judeu, porém a toma num debate de forma inédita e meticulosa. Inicia seu tratado com uma questão importante: atribuir a culpa do anti-semitismo e das perseguições a alguém. E quem seria esse alguém? Os próprios judeus orientais, pobres e “medievais”, advindos da decadência do shtetl diretamente do leste europeu para o ocidente, como nos explicita Pinsky[74] em sua obra supracitada, como forma de entender melhor a “questão judaica”.
Uma vez que os judeus ocidentais (aos quais ele representa e dos quais faz parte como indivíduo) da alta e média burguesia já se encontravam assimilados, porque ainda havia perseguições nesta parte da Europa? Essa questão o assombrava, e ele encontra sua resposta afirmando que a chegada maciça de judeus pobres oriundos da parte leste da Europa seria a causa. Dentro da própria comunidade judaica, ocidentais e orientais não se identificavam uns com os outros. Dessa forma, deveria haver uma forma de escoar esse “excedente” judaico para algum lugar longe (porém não muito) dos olhos europeus. Abraham Leon sugeria a Argentina, porém Herzl, após ter pensado no Canadá e até na África, preferiu o Oriente Médio: a Palestina. Isso solucionaria o “problema judeu” de forma conveniente para os europeus, uma vez que a proposta de Herzl é a de criar uma espécie de “colônia” européia na região do Oriente Médio, visando levar a “avançada civilização contra a barbárie local”[75]. Inicialmente, tal proposta não fez muito sucesso entre os judeus emancipados, nem entre judeus proletários, tampouco entre os pequeno-burgueses judeus, que visavam, antes de qualquer coisa, sua ascensão social. Daí surgiam muitas aproximações entre Herzl e Pinsker, porém não por muito tempo. Herzl foi além, e teve de rever muitos de seus próprios conceitos em prol de conseguir mais pessoal aderindo a sua campanha.
Dentro das místicas, materialismos, ideais e tantas outras formas de se expressar, como vimos anteriormente, é chegada à hora de nos perguntarmos: afinal, o que é sionismo? É a “antítese” da diáspora. Porém, ele é também forjado na Europa ocidental no formato de um movimento nacionalista por judeus emancipados para judeus do “medievo” (em palavras de Herzl[76]). É fundamental isso ter em mente, nesse primeiro momento do novo movimento. Mais tarde esse movimento foi entendido como o passo que faltava ser dado em direção a modernidade para os judeus. O final de sua era medieval de uma vez por todas. Segundo palavras de Pinsky: “o sionismo marca uma passagem”[77].
Nesse momento chegamos ao principal idealizador das teorias que sedimentariam as bases do Hashomer Hatzair no mundo inteiro: Ber Borochov.
Dov Ber Borochov (1881-1917), como também era conhecido, foi um russo criado em meio à política. Cresceu na cidade de Poltava, onde o movimento pré-sionista Chibat-Zion tinha residência, e foi influenciado pelos populistas russos; fato que o levou a militar nos quadros da incipiente social-democracia russa[78]. Porém, devido a seu discurso nacionalista é desligado do partido. Em busca de respostas para suas questões e fiel as suas raízes socialistas encontra nos escritos de Karl Marx o suficiente para conseguir estruturar e elaborar “Os Interesses de Classe e a Questão Nacional”, obra publicada em 1905 e “Nossa Plataforma”. No ano seguinte, e de acordo com esta sua “plataforma”, se dá à fundação do Partido Social-Democrata Judeu Poalei-Zion, de oposição ao partido social-democrata russo e ao Bund [79]. Esta oposição se daria, primordialmente, devido ao caráter nacionalista do Poalei Zion, que se propunha um partido sionista-socialista, o contrário das propostas internacionalistas do Bund. Outra razão para tal oposição adveio do não-rompimento entre o Bund e o partido Social-Democrata russo, que ainda se propunha a defender o operariado judeu russo.[80]
Borochov é um autor marxista e um crítico acima de tudo. Defende sua tese de que a questão nacional é algo que perpassa as relações entre homem e natureza, através da sua principal linha de pensamento: a “normalização judaica”. Nesta, segundo J. Guinsburg, em sua obra “O judeu e a Modernidade”[81], o sionismo seria uma necessidade histórico-econômica do povo judeu, na medida em que nas condições de vida da diáspora, seu processamento econômico estaria acometido de uma grave “anomalia”, decorrente da falta de uma base territorial que relegaria o trabalho judeu às indústrias secundárias e à criação de capital variável, expulsando-os, por conseguinte, da produção de capital fixo.
Nesse prisma, o proletariado judeu estaria, então, em busca não só de um local de trabalho, mas também, de um fundamento territorial que permitisse condições de produção favoráveis à criação de uma verdadeira burguesia judaica para uma luta de classes efetiva. Este lugar de trabalho encontrava-se exclusivamente em Israel. Daí a tese de Borochov[82], onde o sionismo não constitui apenas um ideal histórico, mas também, uma necessidade diária das massas judias. Por seu intermédio, elas são levadas tanto aos pré-requisitos quanto à libertação nacional do povo.
Borochov afirma, também, que só poderá haver um nacionalismo real quando a consciência das classes/nações oprimidas levá-las, através do progressismo, a uma luta pelos seus direitos como trabalhador. Dessa forma, resolvidos os problemas nacionais, não mais haveria trabalhadores estrangeiros para diminuir as fileiras da mão-de-obra nacional. Diz ele que o problema real, concreto, é a luta de classes e que a questão nacional é apenas o primeiro passo dado em direção a solucioná-lo[83].
Para Borochov essas idéias se fazem presentes em suas já citadas obras, porém, aplicadas do ponto de vista dos judeus em sua segunda obra. E ele consegue uma visão bem pluralista da coisa. Afirma que não há uma questão nacional e sim questões nacionais impingidas as várias classes produtivas judaicas. Por exemplo: a pequena burguesia (classe média) visa o “território” [84] como mercado de consumo; a alta burguesia é imperialista e visa o mercado mundial; enfim, são classes diferentes com intenções diferentes acerca de uma nação. Um pouco do individualismo gerado na diáspora, que acabou por produzir diferentes intenções entre as diferentes camadas da população judaica no que diz respeito a um Estado judeu. Em vista desse impasse, Borochov encontra-se voltado ao lumpemproletariado judaico, tido, para ele, como sua fonte de esperanças numa resolução desses problemas. Através da eliminação das antigas formas de produção que impedem os proletários judeus de se inserirem nos setores primários desta e da negação à extraterritorialidade judaica Borochov propõe duas soluções: Para o problema nacional o sionismo e para o problema social o socialismo. Estando um ligado ao outro por excelência.
Isso fica mais claro nas palavras de Pinsky, em seu prefácio à obra de Abraham Leon “Concepção Materialista da Questão Judaica”[85], onde este traça um quadro sobre a visão marxista de Borochov sobre uma sociedade de contradições, onde o socialismo, através da luta de classes, aconteceria como um desdobramento dessas contradições capitalistas. Uma vez “normalizado” territorialmente, os judeus, iriam inserir-se na luta pelo socialismo. E cito:
“(...) Para [Borochov] havia que se criar condições ‘normais’. A normalidade só poderia ocorrer dentro de um Estado nacional, razão pela qual Borochov pregava o sionismo. Uma vez no seu Estado, a luta de classes ocorreria de forma natural e o socialismo acabaria amadurecendo, assim, o sionismo criaria a condição para o socialismo.” (LEON, op. cit., 1981, p. 07)
Enfim, é a partir desses intelectuais, em especial Ber Borochov (associados aos ideais dos intelectuais socialistas soviéticos mais tarde), que o movimento Hashomer Hatzair, objeto desta pesquisa, irá se moldar e tentará unir seu objetivo sionista político à utopia socialista.
IMIGRAÇÃO E A COMUNIDADE JUDAICA NO RIO DE JANEIRO
Através do diálogo com os autores mencionados em nossa revisão bibliográfica pretendemos delimitar um quadro um pouco mais preciso acerca das condições que permitiram não apenas a consolidação do sionismo na Europa como referência política para os judeus que imigraram, bem como em sua aliança ao pensamento socialista, como também, a sua inserção no cenário brasileiro – permeando as estratégias de uma primeira geração de judeus brasileiros e cariocas, filhos de imigrantes, na criação e estruturação do movimento Hashomer Hatzair na época proposta.
Segundo palavras da socióloga Eva Alterman Blay, “a presença dos judeus não é, em geral, encontrada na historiografia brasileira. Nos livros universitários, não encontramos vestígios desta presença. É uma história oculta”[86]. Assim, é preciso entender que a imigração judaica se inicia no “Brasil” mesmo antes de sua “invenção”[87]. Esta data já do século XVI (com Gaspar de Lemos, dentre outros) – onde sabemos que este “Brasil” fora apenas um “acidente” no percurso náutico de Cabral e sua esquadra no atlântico sul – destacando-se como sendo uma história única e substancialmente rica em fatos e personagens que contribuíram no gerar e o desenvolvimento dos campos político, social, cultural e econômico deste país, e é assunto para muitos trabalhos ainda, porém, encontra-se nas sombras.
Como tal, não deve ser entendida à parte do resto da História do Brasil. Essa história não acompanha os fatos e marcos históricos que aglutinam pontos nesta malha histórica que conhecemos como a “História do Brasil”? A história dos imigrantes aqui residentes é concomitante a todos os momentos históricos nacionais, tendo repercutido especificamente nas condições sobre as quais este país se construiu no passado, e ainda o faz nos dias de hoje.
Para não fugirmos da proposta inicial de nossos estudos iremos nos ater ao movimento imigratório a partir da segunda metade do século XIX, por volta de 1850[88], quando a situação judaica no Brasil começa mudar. A imigração judaico-marroquina para a região do Amazonas[89], uma vez que fora forte e estável, passa a dar lugar para a imigração de judeus europeus (do oeste) – particularmente franceses, ingleses, austríacos e alemães (alsacianos em sua maioria). Estes, que vinham para o Rio de Janeiro e daqui partiam para outros centros urbanos e capitais como São Paulo e Minas Gerais, eram privilegiados por toda uma situação de benéfices provenientes da conquista sobre a modernidade (das formas de produção, no campo legal e político), tiveram um destino diferente dos judeus do leste europeu.[90]
Estes imigrantes judeus (provenientes do leste europeu – Polônia, Rússia, etc.) trouxeram um aparato cultural e intelectual muito específico. O idioma ídiche – escrito e falado – proveniente das regiões remotas da atual Alemanha (para onde migraram judeus poloneses na Idade Média) era um amálgama entre os caracteres hebraicos com o alemão e com influências eslavas, e é um ótimo exemplo para ilustrar essa carga étnico-cultural trazida com os imigrantes. Uma vez aqui instalados, tal idioma se tornou um elo dentro da comunidade judaica (de imigrantes oriundos do leste europeu), e era ensinado de pai para filho e de mãe para filha dentro de casa, e posteriormente em algumas escolas judaicas. Outros exemplos deste aparato foram os ideais políticos e suas concepções ideológicas, vigentes na Europa de fins do século XIX e inícios do XX.
A imigração judaica para o sul do país é um caso à parte, pois refere-se a toda uma situação própria dentro da conjuntura daquele determinado momento histórico. Os imigrantes vinham (do leste também, mas principalmente do oeste da Europa – fugindo das conturbadas condições dos centros urbanos europeus) e buscavam melhores condições de vida nos campos de lavoura de café. Havia um forte incentivo por parte das autoridades brasileiras na abertura das portas do país à imigração[91], uma vez que o tráfico de escravos tinha sido proibido nas águas do Atlântico – o que refletiria um apanhado muito grande de mãos para uma, sempre carente de trabalhadores, produção latifundiária cafeeira.[92] Ou como nos conta Monica Grin: “Podemos definir, (...), essa primeira onda migratória, subvencionada pelo Estado brasileiro, como destinada às demandas de um mercado que se constituía sob forte orientação acumulativa com a ajuda de um Estado que pouco legislava sobre demandas sociais (...)[93]”. Mas, como dito anteriormente, iremos nos ater aos imigrantes que se estabeleceram na cidade do Rio de Janeiro.
A imigração de judeus orientais (Mediterrâneo oriental e leste europeu) para o Rio de Janeiro inicia-se no final do século XIX. Questões políticas e sociais externas, como a crise gerada pela Guerra Franco-Prussiana e a violência anti-semita czarista no Império Russo, foram algumas das razões para tal. Políticas internas como, por exemplo, a de Deodoro da Fonseca que proíbe a imigração de africanos e asiáticos (em sua política de “higienização social” do Brasil[94]) também figuram entre as causas, bem como os ambiciosos programas de imigração lançados pelos governos estadual e federal entre 1870 e 1880, na tentativa frustrada de conversão do Império em uma “belle époque tropical”. A partir de 1900[95] o fluxo migratório de judeus aumenta exponencialmente e se direciona, principalmente, para São Paulo e para o Rio de Janeiro. Porém, somente pelos anos das décadas de 1910 e 1920 que se constróem bases sólidas para a identificação de uma comunidade judaica propriamente estabelecida na cidade. Isso se dá em grande parte pelo aumento significativo de imigrantes que chegam ao país após esta década. Até 1920 haviam 15 mil imigrantes no Brasil e este número quintuplicou na duas décadas seguintes[96].
Sabemos que muitas foram as causas que levaram os imigrantes judeus do leste europeu à opção pelo Brasil como rota de destino[97]. Mas, prioritariamente, foi do surgimento de políticas de restrição a imigração de judeus em países outrora conhecidos por sua receptividade aos mesmos que esta situação se efetivou. Países como os Estados Unidos da América do Norte, Canadá, Argentina, e outros, após a Primeira Guerra Mundial fecharam suas portas aos judeus. A imigração para o Brasil – sendo um país tão próximo da Argentina – tinha sua relevância. Daí o grande fluxo migratório que se dirigiu para o sul do país. Mas o Brasil vivia um momento em que sua economia estava muito forte e isso também pode ter afetado a decisão de muitos imigrantes.[98]
Dessa forma consolidam-se estruturas comunitárias judaicas no Brasil. E o Rio de Janeiro não foi exceção alguma. Associações de auxílio ao imigrante recém chegado; bibliotecas; grêmios recreativos; escolas; sinagogas; cemitérios; enfim, muitas e muito variadas instituições de celebração da memória e da tradição judaica destes imigrantes e de sua consolidada e crescente comunidade[99]. Porém, é preciso frisar, não houve, assim como não há, uma unidade. Os judeus (imigrantes) são muitos e muito variadas são, também, suas origens e formações culturais e políticas. A organização de instituições que reunissem judeus ligados aos campos da política vai além de uma mera rede de solidariedade (e/ou auxílio mútuo), assim, estas organizações não se resumiam à manutenção de sua religiosidade ou cultura milenar especificamente.
Estes focos políticos tinham suas discussões centradas na difusão de idéias de natureza sionista, comunista, socialista, progressista, etc. Estavam inseridos num quadro político de repressão e antijudaísmo sob o qual vivia o país naqueles conturbados anos entre as décadas de 1920 e o pós-1945. Nestes pontos de convergência e aglutinação social, ideológica e cultural encontraremos os primeiros focos de disseminação ideológica sionista-socialista do Rio de Janeiro.
Algumas instituições podem ser elencadas como simbólicas no que tange a um reconhecimento do berço da comunidade judaica no Rio de Janeiro. A primeira delas é o do cemitério judaico em Inhaúma, depois o Centro Israelita do Rio de Janeiro (1910), as sinagogas – em especial Shel Guemilut Hassadim (primeira sinagoga carioca) –, e o jornal Achmud (“A Coluna”) – primeiro jornal em português da comunidade judaica carioca.
O primeiro centro sionista no Rio de Janeiro foi o Tiferet Tzion (a beleza de Sion), em 1913. Organizado por Jacob Schneider tinha por objetivo a coleta de donativos em prol do Fundo Nacional Judaico (Keren Kayemet Leisrael) – único fundo financeiro de cunho sionista até então. A primeira Convenção Sionista no Rio de Janeiro data de 15 a 21 de novembro de 1922[100]. Aconteceu em função da visita de um veterano sionista do Congresso Sionista Mundial à cidade do Rio de Janeiro. Durante esta conferência foi fundada a Federação Sionista do Brasil, com sede no Rio de Janeiro, presidida por Jacob Schneider e contando com Eduardo Horowitz como 1º secretário. Essas organizações tinham um caráter de acumular fundos para campanhas sionistas de grupos menores. Porém, com o tempo, a Federação Sionista passa a se preocupar com questões relacionadas à educação dos jovens judeus nascidos no Brasil. Nesse sentido, a escola Magen David – o escudo de David – (ironicamente fundada pelo anti-sionista Raphael Cohen nos anos 20) passa, logo no seu primeiro ano de existência, às mãos de dirigentes sionistas e muda seu nome para Ginásio Hebreu-Brasileiro[101]. É importante deixar claro que esse ginásio não possuía um posicionamento político oficial, ou seja, por mais que estivesse sob a direção de sionistas, a opção por uma posição política oficial não foi assumida por parte da direção do Ginásio.
Pouco a pouco os movimentos sionistas no Rio de Janeiro foram deixando de lado o caráter “morno” de associações de auxílio e arrecadação de fundos para passarem a disputas políticas em torno das lideranças comunitárias judaicas.
A partir da década de 20 muitas instituições foram se aglomerando na antiga Praça Onze de Junho. O fluxo de imigrantes para o Rio de janeiro, como já mencionado, aumentara muito, fixando, inclusive, muitos recém-chegados nos bairros da zona norte da cidade[102]. As primeiras instituições foram a Biblioteca Scholem Aleichem (em 1914), a sinagoga Beith Iaakov (Casa de Jacó) em 1916, o Clube Juventude Israelita (em 1920), a Federação Sionista (de 1922), e o Grêmio Israelita Kadima (“avante” em hebraico) em 1923[103].
Em 1937, já no Estado Novo, todas as ações sionistas foram proibidas pelo DOPS, pois estes consideraram que os movimentos sionistas eram entidades que mantinham ligações com instituições estrangeiras, atividade vedada no Brasil após o Golpe de Estado[104]. Com isso, algumas instituições mudaram de nomes, visando a continuidade de suas atividades. Uma delas foi a Hatchya (“Renascença”, fundada em 1928 por sionistas que saíram da Biblioteca Scholem Aleichem por divergências políticas com a diretoria progressista[105]), um centro de discussões sionistas que englobava muitos jovens – em especial os envolvidos com o movimento sionista chalutziano. Entre os fundadores deste grupo encontrava-se Efraim Geiger, pai de Paulo Geiger. Esta muda seu nome para Biblioteca Israelita Chaim Nachman Bialik, ou simplesmente Biblioteca Bialik, e torna-se um centro de encontros da juventude judaica sionista e socialista carioca, muitos deles envolvidos com o Poalei-Tzion[106]. Somente em 1945 o movimento sionista carioca reencontra o direito de atuação legal no país.
Egresso deste cenário surge na cena carioca, nesse momento, um outro movimento: o tnuá juvenil Hashomer Hatzair.
ORIGENS DA HASHOMER HATZAIR
Por volta de 1913[107], na Galícia – fazendo, ainda, parte do antigo Império Áustro-Hungaro –, a união de grupos esportivos e de escoteiros judaicos resultou na fundação do Hashomer (Guardião ou Vigilante), ou apenas “Shomer” – uma espécie de grêmio esportivo/escotista. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, milhares de jovens judeus chegaram à Viena (antiga capital do Império) e dentro desta juventude muitos grupos intelectuais surgiram, com destaque para o grupo Ze’Irei Zion (A Juventude de Sion) – que mantinha cursos de hebraico e cultura judaica, além de defenderem idéias socialistas, a auto-aprendizagem e a independência da juventude como alicerces principais – muito influenciado por pensadores judeus como, por exemplo, Martin Buber, discípulo de Freud[108].
Da união destes dois grupos (ou seja, o conteúdo intelectual do Ze’Irei Zion e o senso de aventura escotista do Shomer) nasce o Hashomer Hatzair (“Os Jovens Guardiões”, ou, “A Jovem Guarda”)[109]. A característica da ausência de supervisão adulta é uma das principais e mais fortes tradições dentro do tnuá, que tem por um de seus principais lemas: “jovens guiando jovens”.
Durante a Segunda Guerra Mundial, lideranças do Hashomer Hatzair em Varsóvia foram de muita importância na liderança no “Levante do Gueto”, em 1943[110]. Em Israel, a base da Haganá (organização clandestina de defesa contra ataques palestinos na época pré-estatal) era fundamentada por membros do Hashomer Hatzair[111]. A fundação de dezenas de kibutzim (estabelecimentos coletivos – que segundo relatos de seus fundadores – eram comunidades rurais singulares dedicadas ao auxílio mútuo e a justiça social, baseados na propriedade comunal) foi consumada por membros do tnuá[112].
No Brasil, o Hashomer Hatzair irá ter sua primeira ken (sede) em 1927, em Porto Alegre. Esta foi fundada por um argentino chamado Avigdor Ariel. Porém, com a aliá deste em 1930, a sede não dura muito mais tempo. Entre 1933 e 1935 alguns shomrim (membros) poloneses vieram para o Brasil – em grande parte devido à impossibilidade de fazerem aliá a Israel, causada por medidas mandatárias do governo britânico[113] (que comandava a região na época). Aqui estes fundaram uma ken em São Paulo, porém este foi forçado a suspender suas atividades devido à repressão da ditadura do Governo Vargas durante o Estado Novo. Após algumas outras tentativas fracassadas em fixar sedes no Brasil, em 1941 estabelecem-se em São Paulo pequenos grupos judaicos sionistas, sem definições partidárias, no Centro Hebreu Brasileiro[114]. De suas fileiras saem os primeiros fundadores do Movimento como se conhece hoje em dia, além dos primeiros olim chalutzim (imigrantes pioneiros) que se encontram nos kibutzim Gaash, Brorchail e Kfar Szold, em Israel[115].
De um grupo escolar, encabeçado por alguns adolescentes entusiastas das propostas sionista-socialistas, conexões se firmaram com então incipiente movimento juvenil de São Paulo, que já se estruturava. A partir de 28 abril de 1945[116] o Hashomer Hatzair já existia enquanto uma movimentação juvenil no Brasil, porém, apenas em 25 de dezembro de 1945 ele é fundado oficialmente em São Paulo, numa grande cerimônia na capital paulista. Nesta cerimônia estavam alguns chaverim cariocas, como, por exemplo, Moysés Glat, Jorge Gandelsman, e a chaverá Lina Fichman. Que voltam de lá certos em suas intenções de construírem um tnuá no Rio de Janeiro.
Ao voltarem, os menahelim incitam a juventude intelectual judaica que se reunia da Biblioteca Chaim Nachman Bialik a seguirem os passos do tnuá paulista, porém, só estarão estruturados em torno das atividades do movimento juvenil por volta de 1946[117]. De acordo com as Atas de Fundação de suas atividades na, então, capital nacional, houve uma:
“assefá (assembléia) [que][118] realizou-se na Biblioteca Bialik com presença de quase trinta, inclusos chaverim e chaverot[119]. Exposta a finalidade da assefá, reorganização do Hashomer Hatzair, o chaver Gandelsman informou sobre a Moshavá[120] de São Paulo e as recomendações da Moatzá[121]. Passou a ordem do dia a discussão da forma pela qual seria estruturado o movimento. Manifestaram-se duas tendências: a primeira desejando iniciar imediatamente os trabalhos de kvutzot[122] e organização do ken[123]; a segunda, alegando o desconhecimento quase completo da ideologia shomrica, achou que não era possível iniciar imediatamente os trabalhos de kvutzot, pois não era possível pregar uma doutrina da qual o pregador não tinha certeza. Sendo esta a posição da maioria dos chaverim presentes, a primeira hipótese ficou completamente afastada. O chaver [Paulo][124] Geiger propôs que a exemplo da tnuá chilena, o movimento funcionasse em forma de kidmá (progressiva).” [125]
Todos os menahelim eram jovens entre os 17 e os 20 vinte anos de idade, de esquerda e sionista. Com o tempo os mais novos foram sendo “enturmados”, sempre através de jogos, canto e danças voltadas a cultura hebraica e as ideologias do movimento.
Esse primeiro momento da shomer no Rio de Janeiro é muito curioso, pois é caracterizado por um traço muito particular: sua “fundação” não acontece como, por exemplo, foi a do tnuá de São Paulo, em uma grande cerimônia. Ela se dá “gradualmente” ao longo dos anos, com o estabelecimento de pequenas kvutzot em centros de convivência da comunidade judaica e bairros cariocas, liderados pelos seus primeiros chaverim, portanto, não há data exata onde possamos delimitar uma fundação precisa. Sabemos que a partir de março de 1946, a juventude sionista-socialista, liderados pelos chaverim que estiveram em São Paulo em uma moatzá (conselho) e na cerimônia de inauguração retromencionada, que se reunia nos templos, nas bibliotecas judaicas e nas reuniões da Unificada Sionista, passaram a se estruturar em torno de reuniões, cujas Atas denotam muita atividade em torno de uma estruturação “orgânica” para o movimento. Nesse sentido, acreditamos que seja esse o “primeiro momento” da shomer no Rio de Janeiro, ou seja, um grupo muito pequeno de chaverim que buscam ordenar um “plano de trabalho” (tochnit havodá) para a efetivação do tnuá no Rio de Janeiro, porém, ainda sem uma estrutura institucional. Não havia sede oficial, não havia outros membros, não havia outra coisa senão a força de vontade e os ideais da juventude ali presente.
Assim, as primeiras medidas da hanagá (diretoria) shomer carioca serão em torno da questão: o que fazer? É importante frisar que estes chaverim possuíam a noção de que eles não configuravam ainda um tnuá, ou seja, pela simples nomenclatura entre eles (diretoria) e o movimento de São Paulo (conselho), já podemos notar uma relação hierárquica no que tange à solidez de suas atividades. De acordo com esta mesma Ata, eles se reuniram e, entre os oito membros presentes (nomeadamente, Glat, Geiger, Samuel, Adoni, Derechinsky, Ana Muller, Henna, Marguiles), ficou assim resumida sua seder haiom (pauta do dia):
“1. Kinus[126]; 2. Debate inter-organização; 3. Bistritzki[127]; 4. Secretaria; 5. Conferência (...) O chaver Adoni informou a Haganá do recebimento de duas cartas de são Paulo, cujo assunto principal é o Kinus. (...) Marguiles pediu a palavra (...) dizendo não estarmos preparados materialmente, além de não termos teses preparadas a serem postas em discussão, excistindo ainda o problema da confecção de Tochnit Havodá. (...) Em seguida, se expressou o chaver Glat para acentuar a diferença de situação entre a Moatzá de São Paulo e a Haganá do Rio, uma vez que, em São Paulo, eles já iniciaram um trabalho cultural sionista, enquanto no Rio houve apenas evolução política. (...) Gozamos de relativo prestígio e um Kinus, no momento, acarretaria apenas desilusões.” [128]
Então, as primeiras atenções destes chaverim foram voltadas à organização institucional do movimento, bem como sua preparação efetiva para uma atuação cultural em torno da militância sionista.
Os anos de 1947 e 1948 também tiveram intensas atividades na shomer carioca. Inclusive, numa Ata datada de 07 de junho de 1947[129], há menção a uma Kivutzá no Méier, cuja demolição do prédio onde funcionava o Centro Chaim Weizman, impossibilitou a realização das assefot (assembléias), o que demonstra que o movimento já vinha ganhando terreno, e em muitos bairros cariocas já vinham conjurando as kvutzot. As reuniões dos chaverim do Méier passaram a ser realizadas no Colégio Bialik, através de pedido feito oficialmente pelo Hashomer Hatzair à Comissão de pais e diretoria da escola.
O escotismo passa a figurar lugar de destaque nas Atas deste período. Isso se dá de forma a valorizar as experiências de seus precursores europeus, onde, através do contato com a natureza, das atividades recreativas, do trabalho com a terra, bem como com as atividades culturais, tem-se um efetivo controle sobre a “evolução política”[130] de seus membros.
Também passam a figurar destaques nestas Atas os nomes daqueles que ficariam encarregados das seções internas do movimento; assim como surge a necessidade de se instalar uma sede oficial para o movimento, que passou a ser o Colégio Hebreu-Brasileiro, na Tijuca:
“(...) O chaver Akiba ficou encarregado do curso de escotismo. O chaver Glat ficou encarregado de fornecer aos Menahelim material para sichot e indicar a maneira de ministrá-las. (...) Felberg para a parte cultural. (...) Lida a carta com instruções sobre a atuação do chave Schultz no Executivo da Organização Sionista Unificada do Brasil (O.S.U.B.). (...) O chaver Jacob Felberg deverá aprontar o relatório sobre a primeira assefá-o-ken; o chaver Geiger sobre o tiul de Lag Baomer; e o chaver Glat sobre sua viagem a São Paulo.”[131]
Com isso temos a primeira assefá-o-ken (reunião na sede), que já se encontrava estabelecida no Colégio Hebreu-Brasileiro. As atividades oficiais do movimento se davam aos sábados no pátio deste colégio. Também percebemos que o movimento abre suas portas às crianças mais novas, pois, uma vez estabelecidos num colégio ficava muito mais fácil angariar pessoal para seu quadro. Quanto a isso temos:
“(...) estudada a possibilidade de formação de Gdud de Benei Aiar[132] (...) de formar uma kvutzá na classe de admissão do Hebreu-Brasileiro. (...)É analisada a participação dos benei aiar na Moshavá. As informações e esclarecimentos a serem dados aos pais dos chanichim. É designada uma hanalá responsável pela preparação da Moshvá, constituída pelos chaverim: Turnovsky, Glat, Áurea, Henna e Ruth. O chaver Glat informa sobre a venda de rifas para financiar a Moshavá. Sábado serão distribuídos os endereços dos chanichim a serem visitados. O chaver Geiger controlará as visitas (...) a venda de rifas será controlada pelo chaver Glat (...).”[133]
Aqui pudemos notar que havia “adultos” que, embora não fizessem parte do movimento juvenil, por razões óbvias, ajudavam os jovens em suas atividades por lhes passar suas experiências dos seus tempos no shomer, alguns eram imigrantes poloneses, o nome “Turnovsky” aparece sob a forma de “shomer da Polônia”, e ele chega a ser mencionado no depoimento de Moysés Glat, como veremos mais a frente.
“(...) O chaver Turnovsky propõe a divisão da Shichvá em: bogrim e tzofim-bogrim, devido ao grande número de chaverim, à sua heterogeneidade e desnível intelectual. Felberg apóia a divisão. Glat e Pinchus manifestam-se contra a divisão. (...) com a maioria dos chaverim se manifestando contra a divisão, o projeto é abandonado.”[134]
A partir de 1948 há um increase significativo nas atividades culturais e políticas exercidas dentro do movimento juvenil. Se nas Atas datadas de 1946 e 1947 as atividades giravam em torno de 4 ou 5 tópicos voltados a temas organizacionais (e /ou administrativos dos grupos), agora, em 1948, encontramos Atas repletas de tópicos de discussões, girando em torno de 14 ou 15 tópicos dos mais variados níveis, desde os sempre presentes temas de organização interna passando pelas publicações, cursos de psicologia, encontros com membros do partido Poalei Tzion Linque[135].
A primeira ken (fora os encontros do Colégio Hebreu-Brasileiro) foi inaugurada em 1948. De acordo com Atas datadas entre 24 e 29 março do mesmo ano o chaver Leão conseguiu a locação para a primeira sede oficial do Hashomer Hatzair, que se encontrava na Rua Carlos Vasconcelos, na Tijuca.
Outro ponto que chamou nossa atenção foi o fato de que a proposta mais enfatizada ideologicamente no movimento não se apresentara até o momento nas Atas: a aliá. A imigração para a região da Palestina ainda não era uma constante nas Atas neste primeiro momento, talvez ainda houvesse muito receio dos chanichim quanto a acolhida da Palestina. Porém, o quadro se inverte a partir de 14 de maio de 1948. Com a declaração de independência do moderno Estado de Israel o movimento passou a se fechar em torno da idéia da aliá. Em termos simbólicos isso equivaleria dizer que, a partir deste momento, o tnuá fechou um “modelo” daquilo que representaria algo maior para os jovens ali presentes. Como se tudo o que eles fizeram até então não tivesse passado de esforços aleatórios, desprovidos de um sentido, ou um objetivo final concreto, palatável. Não que a imigração para o kibutz não figurasse em suas propostas. Mas o que pudemos perceber foi que, até então, suas atenções estavam mais voltadas a organização interna e institucional do tnuá.
Com isso temos que todas as atividades, agora, buscam uma “complementaridade”, em termos de uma preocupação com a realização de um objetivo comum a todos os membros: chegar a Israel, fazer a aliá e mais do que isso, construir o Estado ideal dentro dos preceitos socialistas, com a vida num kibutz. Entre maio e dezembro de 1948 as Atas passam a retratar melhor o quadro de ação que se instala no âmbito do movimento juvenil:
“(...) Akiba e Felberg irão ao local (Queimados) e Geiger falará antes com o irmão do proprietário. O programa será elaborado na segunda-feira em detalhes pela Haganá. Far-se-á o exame de bogrim e bogrim tzerim. Programa: Tzofiut, Kibutz Artzi e formação do Hashomer Hatzair. (...) Jan apresenta o relatório da visita que fez com Leão a fazenda do sr. Podcameni em Paraíba do Sul. O local satisfaz a todos os requisitos da Moshavá. A hanalá da moshavá já iniciou os trabalhos técnicos e levantamento financeiro. Os madrichim devem trazer na próxima semana uma relação dos chanichim que pretendem ir. Os menachelim devem começar a visitar os pais dos chanichim.”[136]
De fato, o movimento juvenil se multiplicou e em questão de alguns anos já possuíam mais duas sedes fixas no Rio de Janeiro: uma em Madureira e outra no Flamengo. Esse crescimento pode ser associado ao clima de otimismo voltado ao sionismo pós-Independência. Mas, por outro lado, também está irremediavelmente atrelado à relação contínua do tnuá com a comunidade judaica carioca. Comemorações religiosas, rifas, doações em prol do K.K.L.[137], Caf Tamuz[138], etc. Muitas formas diferentes de interação entre o movimento juvenil e a comunidade se deram, e geraram alguns saldos positivos. Uma das atividades que mais se destacavam era o “Dia dos Pais”. Neste, havia todo um cuidado com a programação e com as relações entre os pais e os seus filhos shomrim. A intenção era amenizar um pouco o “clima tenso” entre pais e filhos, uma vez que a proposta shômrica era a de romper com o “tradicionalismo do shtetl” vindo na bagagem cultural com os imigrantes europeus, e se rebelar contra o “conformismo” e a assimilação. Ora, isso significava para muitos, literalmente, se rebelar contra seus pais. Além deste ponto, há que se considerar a questão da “auto-educação”, que alicerçava firmemente a atitude dos jovens militantes, e desagradava profundamente seus pais. As atividades com os “pais” seriam uma forma de aproximar os adultos dos ideais defendidos por essa juventude, e talvez, encorajar uma aliá em família.
Como visto, neste breve trabalho com nossas fontes primárias, muito ainda se pode saber a respeito deste movimento. Sua natureza e a força dos ideais de seus fundadores são de proporções únicas, tendo sido muito difícil encontrar um outro movimento como paralelo. Os nomes de Glat e Geiger se fazem muito presentes, corroborando a relevância e a liderança destes shomrim dentro destes primeiros anos do tnuá carioca. Isso nos cativou a buscar em seus depoimentos alguns paralelos, bem como novos elementos acerca desta história tão curiosa e ao mesmo tempo intrigante.
Porém, antes de seguirmos aos depoimentos – que darão conta de alguns pormenores, não apenas desta “fundação”, como também das minúcias que envolveram seu cotidiano, seus ideais, sua “revolução” – faz-se necessária uma análise sobre os conceitos e funções analíticas acerca dos usos da “memória”, em especial sob o escopo de um trabalho historiográfico.
CAPÍTULO III:
MEMÓRIA E HISTÓRIA: CONCEITOS E FUNÇÕES
Ao se trabalhar com a história oral vemo-nos diante de alguns dilemas de cunho ético e/ou político. Ao se entrevistar um sujeito (indivíduo) e buscar em seu(s) depoimento(s) uma reminiscência de seu passado, ação essa que produz para o entrevistador (no caso o historiador) um produto de análise riquíssimo e muito instigante, a recíproca, assim o tememos, pode não ser sempre verdadeira. Pois colher um depoimento e, mesmo dentro de condições extremamente favoráveis, elaborar um trabalho analítico sobre a memória – agora destrinçada e esmiuçada pelo pesquisador – pode ser um feito, deveras, complexo. No limite, esta situação pode nos apontar a uma memória desprovida de um reconhecimento por parte do(s) depoente(s) – como já nos apontou Michael Pollak em seus artigos “Memória, Esquecimento, Silêncio” e “Memória e Identidade Social”[139]. Isto, por conseguinte, acarreta em uma certa “tensão” entre o historiador, voltado à escrita de uma história verossímil, e a memória “identitária” deste(s) depoente(s). Daí o dilema.
Portanto, como podemos entender a memória destes depoentes, de forma a trabalharmos com ela e, ao mesmo tempo, preservá-la enquanto tal, ao “operarmos” uma intervenção historiográfica? Antes de adentrarmos nosso debate acerca da memória, exclusivamente proposta (já no título) para o presente capítulo, iremos, de início, nos ater a um primeiro ponto relevante: que, para responder a tal questionamento, é preciso entender memória e história diferentemente do proposto por aqueles que as definem como sendo duas instâncias independentes e imiscíveis, ou seja, como se fossem de “naturezas” antagônicas. Mas como assim?
A tensão entre memória e história vem permeando o universo dos historiadores que trabalham as fontes orais há muito tempo, tomando forma no debate “entre os desenvolvimentos teóricos que questionaram a memória e a identidade, e o compromisso com a prática democrática e credenciada”, segundo palavras de Alistair Thompson[140].
Já outros historiadores, como Pierre Nora e François Dosse, por exemplo, tomam esta relação pelo extremo mais rigoroso: separando memória e história de maneira irreconciliável. Para François Dosse[141], em primeira instância, a memória constitui:
“(...) tudo aquilo que flutua, o concreto, o vivido, o múltiplo, o sagrado, a imagem, o afeto, o mágico, enquanto a história se caracteriza por seu caráter exclusivamente crítico, conceitual, problemático e laicizante”.
A separação destes dois universos se daria, para este autor, na medida em que a memória seria um elemento componente de algo vivido, e a história permaneceria amarrada aos grilhões do tempo, compassada por um calendário rigoroso e racional.
Pierre Nora[142], ao analisar o mesmo ponto, não o faz de maneira muito diversa. De modo a balizar a construção do seu conceito para lieux de mémoire especificamente através desta separação, este historiador nos conta que:
“Nossa relação com o passado, ao menos do modo como ele se revela através das produções históricas, as mais significativas, é completamente diferente daquela que se espera da memória. Não mais uma continuidade retrospectiva, mas o colocar a descontinuidade à luz do dia. Para a história-memória de antigamente, a verdadeira percepção do passado consistia em considerar que ele não era verdadeiramente passado. Um esforço de lembrança poderia ressuscitá-lo: o presente tornando-se, ele próprio, à sua maneira, um passado reconduzido, atualizado, conjurado enquanto presente por essa solda e por essa ancoragem. (...) Para que haja um sentimento do passado, é necessário que ocorra uma brecha entre o presente e o passado, que apareça um “antes” e um “depois”. (...) É esta relação que se quebrou.”
Mesmo discordando em parte desse argumento, por motivos que serão apresentados mais adiante, consideramos importante frisar a posição deste autor que, ao longo das últimas décadas do século passado e ainda hoje, é muito presente em trabalhos relacionados aos estudos da memória – bem como seu conceito para “lugares de memória” –, de forma que não poderíamos deixar de mencioná-lo aqui.
Acreditamos ser mister uma separação efetiva e irremediável entre memória e história. Isso se dá pela nossa crença que define que a memória é, assim como a história, uma forma de seleção do passado. Uma das razões para isto se deu por nos mantermos alertas quanto à importância vital das fontes orais para o presente estudo, o que implica conseqüências diretas ao nosso entendimento da relação entre memória e história. Os depoentes, através de seus relatos, são “fontes” pois nos servem como fonte de registro para as experiências de um determinado grupo de indivíduos. São essas “fontes humanas”, ou “fontes vivas”, que possibilitam demonstrar o quadro extremamente plural de visões a respeito de um determinado ponto. São suas memórias que, no presente estudo, compõem o ponto de partida para os que pretendem escrever uma história.
Então, em nome de uma separação entre memória e história, temos que, mesmo para fins analíticos, esta implicaria em um reconhecimento de duas instâncias antagônicas. Nora explica que:
“Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história uma representação do passado.” (NORA, 1993, p. 9)
De fato não são e nem se propõem a ser sinônimos; não é este o ponto defendido por nós aqui. Porém, daí a buscar o rompimento de relações entre ambas é demasiado forte. É neste ponto que nossa discordância instaura-se, exatamente onde o rigoroso divórcio que os autores fazem, entre ambas, vem a tona. As definições para memória de Nora e Dosse (conforme citado anteriormente), em nosso entendimento, são importantes: “A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quanto grupos existem [143]”, diz Nora; todavia, são insuficientes se analisadas exclusivamente por si sós. Isso se dá, pois, esta noção vincula uma existência da memória a um grupo social como seu portador, e, atribuindo uma “universalidade”[144] à história, estes autores constróem suas linhas de raciocínio a partir daí. No caso de Pierre Nora, em especial, este quadro nos soa tão forçoso quanto sua romanesca “vitimização” da memória frente à sua “nêmesis”, ou antítese: a história.
Podemos notar, no discurso de Nora, que sua preocupação caminha em direção a função da disciplina histórica quanto à transmissão de uma memória nacional francesa. Isso remonta à sua formação como historiador da prestigiosa École des Annales, na qual o projeto sócio-político nacional francês se fez muito presente, ainda que de uma certa maneira “não-dita[145]”. Quando Nora nos fala que “atualmente” “não se celebra mais a nação, mas se estudam suas celebrações”[146], ele nos pinta um quadro onde as próprias celebrações nacionais tornam-se lugares de memória e, mais ainda, quer mostrar que em vez de cultuar a nação, se opera, para ele, uma desconstrução dela, ou seja, se estudam seus mecanismos de legitimação. Logo, para este autor, a memória nacional está laicizada; ela virou “história”.
O autor eleva sua preocupação quanto à separação dos sentidos contidos na noção francesa para “história” ao extremo ao partir da diferenciação entre história vivida – à qual ele remete à noção de “memória”, e que os alemães definem por Geschichte – e a operação intelectual que torna esta inteligível – Histoire, também para os alemães –, uma vez que não há, na língua francesa (e nem na língua portuguesa – devo acrescentar) uma diferenciação na grafia entre ambas[147]. Esta preocupação advém de sua diferenciação entre as funções da História e da Memória, assim como Dosse, mas, principalmente, de seu posicionamento por uma separação radical entre ambas. Isso, de um certo ponto de vista, será um dos elementos que, dentre outros, fundamentará o desenvolvimento de seu conceito para “lugares de memória”, que deu origem a uma compilação de sete volumes de obras completas relacionadas ao tema.
Contudo (nunca é demais frisar que), separá-las efetiva e completamente como duas “substâncias imiscíveis”, ou, no limite, como Nora o fez inúmeras vezes em seu discurso, “assassinar” a memória pelas “mãos” da história, pode levar-nos a equívocos graves (senão a aporias) quando da escrita da História. Pois antes de se questionar acerca do “quê” seria uma ou outra, e do lugar que uma ou outra ocupa, este deveria se preocupar, antes, com “quem faz” uma e outra; quem está envolvido neste processo. Neste ponto sou levado pelo fluxo da brilhante hipótese de Michel De Certeau sobre a “Operação Histórica” que delimita bem esse ponto aqui exposto. Pois tanto a história quanto a memória não são dados naturais, elas são construções “operadas” por um (ou mais) indivíduo(s). E (a intervenção aqui é nossa) assim como a memória pode ser tão plural quanto o grupo de indivíduos existentes, assim o compreendemos, também, a história. E, principalmente, a história que lida com as fontes orais.
Entrementes, se a memória é “sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente”, como afirma Nora, assim o é, em nosso entendimento, a história. E, se a história é “a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais, uma representação do passado”, assim o é, também, em nossa ótica, a memória – mesmo que seus agentes (ou atores) localizem-se (e “operem”) em diferentes “lugares”[148], o que, por si só, já pode ser um argumento para desbancar qualquer pretensão universalista, para qualquer uma das duas categorias. Ou seja, ambas estão sujeitas a mutações e reinterpretações simbólicas por outros indivíduos (aqui se situam os historiadores, por exemplo), que atuam, ou operam, de outros lugares sociais, espaciais e temporais.
Nosso ponto aqui defendido (uma relação positiva entre memória e história) pode ser, ainda, melhor entendido segundo palavras de Henry Rousso[149], que afirma:
“(...) A questão ritual das diferenças entre história e memória parece agora um tanto ultrapassada. Primeiro porque é hoje pacífico (ou assim esperamos) que opor de um lado a reconstrução historiográfica do passado, com seus métodos, sua distância, sua pretensa cientificidade, e de outro as reconstruções múltiplas feitas pelos indivíduos ou grupos faz tão pouco sentido quanto opor o “mito” à “realidade”. A tarefa dos historiadores é pois dupla. Por um lado, e essa exigência é fundamental, cumpre-lhes satisfazer a necessidade de estabelecer ou restabelecer verdades históricas, com base em fontes de informação tão diversas quanto possível, a fim de descrever a configuração de um fato ou a estrutura perene de uma prática social, de um partido político, de uma nação ou mesmo, hoje em dia, de uma entidade continental (pensamos aqui em novas histórias da Europa), em suma, fazer uma história positiva (...). Por outro lado, (...) têm que expor e explicar a evolução das representações do passado, como sempre se tentou escrever a história dos mitos e das tradições que são as formas mais evidentes da presença do passado.(...) o próprio fato de escrever uma história da memória significa, por definição, que se ultrapassa essa oposição sumária entre memória e história, pois isso equivale a admitir que a memória tem uma história que é preciso compreender.”
Ou então, à guisa de um fechamento para este ponto inicial, tomo por minhas as palavras de outro sábio intelectual: o filósofo Ernst Cassirer. Em suas conjecturas sobre a história – elencadas em sua obra intitulada “Ensaio sobre o Homem”[150] – este pensador denota as características componentes do que é um objeto de análise para a história e, mais precisamente, para os historiadores – aqui extremamente pertinente ao nosso debate –, uma vez que este explicita o seu apreço pelo exercício semiótico do historiador ao interpretar os símbolos (indícios, “pistas”) do passado, atuando na realidade do seu presente histórico, trabalhando num esforço de “lembrança”, ou seja, num exercício “mnemônico”. Tomo-o como outra “voz” favorável a esta ligação possível entre memória e história que pretendemos aqui. Cito-o:
“(...) com o historiador o caso é diferente. Seus fatos pertencem ao passado, e este foi embora para sempre. Não podemos reconstruí-lo; não podemos despertá-lo para uma nova vida em um sentido apenas único e objetivo. Tudo o que podemos fazer é “lembrarmo-nos” dele – dar-lhe uma nova existência ideal. A reconstrução ideal [[151]], e não a observação empírica, constitui o primeiro passo na direção do conhecimento histórico. (...) O historiador, (...), vive em um mundo material. No entanto, o que ele encontra logo no início de sua investigação não é um mundo de objetos físicos, mas um universo simbólico – um mundo de símbolos.”[152]
Assim, tomando de empréstimo essa discussão, ampliamos esta responsabilidade do historiador para com a leitura dos símbolos, tanto para com a história quanto para com a memória. Pois se a história não pode prever eventos futuros, ela tem como função primeva trabalhar com o passado, e, mais ainda, dar um “sentido” (ou uma nova dimensão em termos de compreensão) desse passado da vida humana – que, no limite, compõe um amálgama de “elementos que implicam e explicam uns aos outros”[153]. Entendemos, portanto, que a memória é, em si, uma construção histórica, social e individual. E aqui encerramos com a seguinte colocação: “a recordação não significa simplesmente um ato de reprodução. É uma nova síntese intelectual – um ato construtivo. Nessa reconstrução [ideal][154], a mente humana move-se na direção contrária à do processo original.”[155] Em suma, se para fazer história é preciso excitar a memória (lembrança ou recordação) num exercício para uma nova síntese intelectual; uma separação rigorosa e irremediável entre ambas é, segundo nosso entendimento, mister.
Uma vez explanada nossa ótica sobre a relação entre memória e história, acreditamos ser este o momento para algumas intervenções conceituais. A partir de agora iremos esmiuçar alguns conceitos referentes à nossa noção para memória, bem como à suas funções, que serão aplicadas mais a frente quando da análise dos depoimentos de Paulo Geiger e Moysés Glat.
MEMÓRIA “BALANCEADA”
Para Arno e Maria José Wehling, em sua obra “Memória e história. Fundamentos, convergências, conflitos”[156], o final do século XIX e o início do XX marcam o começo de uma transição da memória individual para memória social (ou coletiva). Ainda em fins do século XIX as primeiras definições para estas apareceram na obra “Matéria e Memória”, de 1896, sob a pena de Henri Bérgson[157]. Outro importante precursor destes debates foi o sociólogo francês Émile Durkheim[158], que, alguns anos mais tarde, também pôde contribuir para os estudos acerca da relação entre o individual e o coletivo com sua obra “Representações individuais e representações coletivas”, datada de 1898.
Contudo, foi segundo o ritmo ditado pelos escritos de Maurice Halbwachs que o conceito para “memória coletiva” foi devidamente aceito e consolidado no meio acadêmico. Este se deu através da relação exposta por ele entre memória individual e memória coletiva, anteriormente debatida por Bérgson. Em seu primeiro livro reconhecidamente atento a estas questões, “Le Cadre Sociaux de Memoire” [159], Halbwachs objetou demonstrar como a institucionalização social da memória pode ser encarada como a construtora da identidade cultural de um grupo[160].
Neste sentido, de acordo com “Memória e Identidade Social”, de Michael Pollak – outro estudioso do assunto que, mesmo décadas mais tarde, ainda corrobora, mesmo que de maneira muito menos radical, o regime de coletividade da memória proposto por Halbwachs – defende que:
“a priori, a memória parece ser um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice Halbwachs, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente (...)” (POLLAK, 1992, p. 201)
Com isso, entendemos que é de acordo com tais definições que se estabeleceram os cânones do atual debate acerca dos trabalhos histórico-sociológicos de análise da memória, ou seja, entendê-la como uma construção não somente individual, mas, prioritária e obrigatoriamente, coletiva. No entanto, nosso debate não se encerra por aí. Ao invés disto, é exatamente neste ponto onde ele se inicia.
A partir de sua segunda obra, no que tange às questões sobre memória, Maurice Halbwachs, em A Memória Coletiva[161], postumamente publicada em 1948, denota um apreço muito grande pelo estudo deste tema, incitando que, conforme dito anteriormente, mesmo parecendo ser um fenômeno construído individualmente, a memória é resultado de uma “construção social coletiva”. E afirma em relação às “suas” lembranças:
“Outros homens tiveram essas lembranças em comum comigo. Muito mais, para eles, me ajudaram a lembrá-las: para melhor me recordar, eu me volto para eles, adoto momentaneamente seu ponto de vista, entro em seu grupo, do qual continuo a fazer parte, pois sofro ainda seu impulso e encontro em mim muito das idéias e modos de pensar a que não teria chegado sozinho, e através dos quais permaneço em contato com eles.” (HALBWACHS, 1990, p.27)
Segundo Henry Rousso[162], em seu outrora mencionado artigo “A Memória não é mais o que era”, este fenômeno seria uma “reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado”. E que este passado “nunca é aquele do indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social, nacional”. Assim, mesmo que Halbwachs rejeite, ou nem mesmo se coloque frente a tal questão – a de uma idéia para um plano psíquico como a que Rousso propõe (este também escreve décadas mais tarde a Halbwachs) –, o historiador [LB1] francês acaba corroborando a posição defendida por Halbwachs no que se refere ao contexto social da (re) construção da memória, que, por sua vez, acrescenta:
“(...) No desenvolvimento contínuo da memória coletiva, não há linhas de separação nitidamente traçadas, (...) mas somente limites irregulares e incertos. (...) O presente não se opõe ao passado (...). Porque o passado não existe mais (...). A memória de uma sociedade estende-se até onde pode, quer dizer, até onde atinge a memória dos grupos dos quais ela é composta. (...) Em todo caso, uma vez que a memória de uma sociedade se esgota lentamente, sobre as bordas que assinalam seus limites, à medida em que seus membros individuais, sobretudo os mais velhos, desapareçam ou se isolem, ela não cessa de se transformar, e o grupo, ele próprio, muda sem cessar. É, aliás, difícil dizer em que momento uma lembrança coletiva desapareceu, e se decididamente deixou a consciência do grupo, precisamente porque basta que se conserve numa parte limitada do corpo social, para que possamos encontrá-la sempre ali.” (HALBWACHS, 1990, p. 84)
Nesse sentido, tendo em vista que para estes autores a memória é uma “reconstrução coletiva”, evidenciada, dentre outros, por fatos sociais – uma nítida herança durkheimiana em seus estudos – e monumentos, podemos perceber o imenso apreço acadêmico pela noção de Halbwachs para memória, que parece ditar o ritmo nestes debates, dando a entender que esta é, e sempre será, exclusivamente coletiva.
Mesmo atribuindo novas concepções, novos olhares e perspectivas aos estudos sobre memória, quando analisada em termos acadêmicos, sociológica e historicamente – é preciso deixar claro –, esta tende a manter, o que nos parece ser, um verdadeiro dogma canônico (originado no século XIX): seu caráter única e exclusivamente social, ou coletivo.
O “mal-estar” causado por esta aceitação “coletiva” (se nos couber aqui o trocadilho) das academias nos apareceu durante as leituras de um grande número de intelectuais que voltaram seus estudos a uma “reconstrução” da memória desde o proposto por Halbwachs: M. Pollak, René Remond, H. Rousso, Jean-François Sirinelli, apenas elencando alguns poucos dentre muitos outros, que mesmo trazendo novos conceitos aos debates – alguns, inclusive, serão por nós analisados aqui doravante, e são, deveras, muito profícuos e virtualmente imprescindíveis ao presente estudo – mantém intacta a asserção de Halbwachs sobre a memória conforme o dito supracitado. Assim, é com Michael Pollak, que menciona a posição de Halbwachs frente à existência de “pontos de contato” entre a memória individual e a memória de outros como forma de reconstruir uma memória coletiva; onde a “negociação” entre elas é algo feito apenas de maneira a conciliar a memória individual às memórias coletivas[163]. No entanto, Pollak se aproxima mais de nossas propostas do que Halbwachs, ao tratar a noção de negociação de maneira diferente da deste. Pollak, então, diz que:
“Ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de negociação [o grifo aqui é nosso], de transformação em função dos outros. A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros. Vale dizer que a memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas [idem], e não são fenômenos que devam ser compreendidos como essências de uma pessoa ou de um grupo.” (POLLAK, 1992, p.203)
Porém, este é o mais próximo que este autor consegue chegar de nossas atuais asserções. Seria de se supor que iríamos, a partir de agora, debater o caráter individual da memória, em contraposição ao exposto anteriormente. Bom, em parte sim. Mas, primordialmente não. Iremos nos ater, exatamente, a esta “negociação” que Pollak cita de maneira despretensiosa em seu artigo, e a partir dela iremos buscar balizar nossos estudos posteriores.
Iremos nos posicionar, desde já, da seguinte maneira: ao focalizarmos nossa atenção ao indivíduo, única e exclusivamente, por mais sedutor que possa parecer, frente às constantes valorizações do caráter coletivo da memória, isto poderia, também, induzir-nos ao mesmo problema que levantamos anteriormente. Aqui, cremos, surge o link que conduzirá ao nosso próximo ponto desta monografia em termos teóricos: nossa proposta para um estudo que não seja nem por uma memória coletiva (exclusivamente), nem por uma memória individual pura e simplesmente, mas sim por uma memória “balanceada”. Noutras palavras, buscamos uma forma de “negociação” mais positiva e diferenciada entre estas. Mas, “balanceada” em que sentido?
Norbert Elias, em sua obra A Sociedade dos Indivíduos[164], constrói um quadro conceitual para delimitar como podemos entender a relação entre o indivíduo e o coletivo (a sociedade). De início, destrincha as características e os limites das sociedades que supervalorizam a função dos indivíduos nos rumos destas, bem como nas sociedades que não entendem o indivíduo como agente nos processos de mudança dos rumos sociais.
“Toda sociedade humana consiste em indivíduos distintos e todo indivíduo humano só se humaniza ao aprender a agir, falar e sentir no convívio com outros. A sociedade sem os indivíduos ou o indivíduo sem a sociedade é um absurdo.” [aqui o grifo é nosso] (ELIAS, 1987, P.67)
Um de seus pontos fundamentais consta em analisar o porque destas categorias terem de ser entendidas separadamente, e qual delas seria a mais “valiosa”, de acordo com o que ele pretende contra-argumentar. Elias está estabelecendo sua posição diante do debate teórico-ideológico, travado entre os “socialistas” e os “capitalistas” (individualistas). Mas é para além deste debate que nossa análise de sua obra nos leva. Isso se dá devido à profundidade de seu entendimento para as concepções de “indivíduo” e “sociedade”.
“A questão relativa à natureza da relação entre o que se classifica de ‘indivíduo’ e de ‘sociedade’ é obscurecida pela questão de qual das duas coisas é mais valiosa. E como, no conflito de ideais, uma costuma receber valoração bem superior à outra, sendo amiúde considerada positiva, enquanto a outra é negativa, os dois termos são usados como se se referissem a duas coisas diferentes ou duas pessoas diferentes. Fala-se de ‘indivíduo’ e ‘sociedade’ do mesmo modo que se fala de sal e pimenta, ou de mãe e pai. No pensamento e no discurso, usamos dois conceitos pelos quais se classificam os fenômenos humanos, a partir de dois planos de observação inseparáveis, como se eles se referissem a duas entidades, diferentes, uma das quais pudesse existir sem a outra. Isso, essa idéia da existência separada das duas coisas, de indivíduos que existem, em algum sentido, além da sociedade, ou de sociedades que existem, em algum sentido, além dos indivíduos, constitui, na verdade, um dos pressupostos tácitos comuns a ambos os contendores na luta entre ‘individualistas’ e ‘coletivistas’ (...)” (ELIAS, 1987, P.76)
Todavia, mesmo que este embate (no campo das ideologias) não conste de nossa discussão atual, é preciso abstrair e perceber que este também não configura o ponto nodal para Elias. É exatamente aí onde nos atrelamos ao autor.
De todas essas elucubrações acerca das disputas ideológicas constantes dentro do quadro histórico e social de sua época, o sociólogo alemão tece uma conclusão: estes conceitos (“indivíduo” e “sociedade”) são termos históricos que definem e classificam fenômenos humanos e, como tal, figura-se em um erro aceitar acriticamente, ou seja, sem um devido questionamento, uma natureza “antitética”, ou até mesmo uma existência separada para os dois estatutos, pressuposta para os mesmos.[165]
Após uma longa e detalhada análise acerca dos processos que levaram à construção das noções para “indivíduo” e “sociedade” – desde origens morfológicas nos distantes idiomas clássicos, passando por seus diferentes usos sociais, assumidos pelos mesmos nas diferentes atribuições que estes tomam ao longo da história, e checando, através de uma densa análise epistemológica, a “história” destes conceitos –, Elias conclui que a relação “indivíduo-sociedade” compõe um quadro muito mais complexo do que o senso comum deixa transparecer. Conceitos como “indivíduo” e “sociedade”, referindo-se o primeiro ao ser humano singular – como se fosse um ser alienado do mundo, externo a qualquer realidade, existindo em completo isolamento –, e a segunda como um mero acúmulo (ou aglomeração desestruturada) de muitos indivíduos (segundo a noção para o mesmo explanada acima), ou ainda, esta como uma entidade “para além” dos indivíduos, impossível de se categorizar ou teorizar satisfatoriamente, são apresentados e discutidos ao longo de sua obra constituindo um importante tratado acerca destas categorias.
Nesse sentido, temos um quadro problemático exposto por Elias no qual ele demonstra que: para pensarmos a relação entre o “indivíduo” e a “sociedade” seria necessário, antes de mais nada, rever os próprios conceitos que se construíram para eles, de forma que estes conceitos deixem de significar duas categorias ontologicamente diferentes.
O objetivo de Elias fica claro. Seu goal é: libertar o pensamento da compulsão de compreender os dois termos de maneira antitética.
Sendo sua obra uma compilação feita ao longo de uns bons 50 anos[166], organizada segundo a iniciativa de Michael Schröter, A Sociedade dos Indivíduos traz, subjacente à sua estrutura, concepções diferentes acerca do processo de formação das idéias – o que pode ser entendido, dentre outras, pelo simples fato de ter sido elaborada ao longo de tantas décadas.
Sua abordagem reflete, portanto, mudanças na maneira como a sociedade é compreendida e, também, na maneira como as diferentes pessoas que a constituem entendem a si mesmas (auto-imagem) como indivíduos únicos, e, também, como se vêem enquanto peças na composição de um todo social – que Elias nomeia por habitus dos indivíduos.
Para tal empreitada o sociólogo alemão emprega o conceito de uma “balança”: a balança nós-eu. Este conceito estabelece que a relação entre a identidade-eu (do indivíduo para consigo mesmo) e a identidade-nós (do indivíduo para com seu Habitus) não são imutáveis. Muito pelo contrário, estão sujeitas a todo tipo de transformação inerente ao campo do humano. Dessa maneira,
“Para onde quer que nos voltemos, deparamos com as mesmas antinomias: temos uma certa idéia tradicional do que somos como indivíduos. E temos uma noção mais ou menos distinta do que queremos dizer ao pronunciar o termo ‘sociedade’. Mas essas duas idéias – a consciência que temos de nós como sociedade, de um lado, e como indivíduos, de outro – nunca chegam a coalescer inteiramente. (...) O que se entende por ‘indivíduo’ e ‘sociedade’ ainda depende, em grande parte, da forma assumida pelo que as pessoas desejam e temem. Trata-se de algo amplamente condicionado por ideais carregados de sentimentos positivos e antiideais carregados de sentimentos negativos. As pessoas vivenciam o ‘indivíduo’ e a ‘sociedade’ como coisas distintas e freqüentemente opostas (...) porque as pessoas associam estas palavras a sentimentos e valores emocionais diferentes e, muitas vezes, contrários. (...) A idéia que ele [o emprego das palavras ‘indivíduo’ e ‘sociedade’] sugere, a imagem de duas entidades diferentes, separadas por um extenso abismo ou por uma antítese insuperável, responde, em larga medida, por todas as intermináveis discussões sobre a questão de quem ‘chegou’ primeiro, o ‘indivíduo’ ou a ‘sociedade’ (...) ” (ELIAS, 1994, P.67 - 77)
Uma vez instaurado o problema, Elias passa a buscar um pressuposto que fundamente a análise das estruturas mais básicas do homem: a autoconsciência. Isso significa que, em qualquer situação onde os seres humanos encontrem-se vivendo sob um regime de coletividade, o elo primevo que os mantém unidos, segundo entendimentos do autor, é a imagem que eles têm de si mesmos (não só no presente – enquanto indivíduos únicos – como também em todas as épocas – enquanto membros de uma comunidade social maior). Esta autoconsciência seria o “porto seguro” no qual todos ancorariam suas vidas ao navegar pelos mares do medo e da incerteza.
O problema é que esta autoconsciência é mutável e Elias se viu, assim, tendo de buscar um elo entre o que ele pretendia demonstrar e essa transição. Fê-lo magistralmente. Num exercício epistemológico de proporções ímpares, Norbert Elias delimitou um quadro com as principais questões que permearam os caminhos da epistemologia ao longo dos séculos justamente buscando novas formas de se conscientizar acerca do homem. Deu um passeio através das teorias de Descartes, Vico, Kant, Hegel, Hume, dentre outros, delimitando como a construção dessa “autoconsciência” se deu lentamente e de maneira gradual e processual. Passando de um momento ao outro dentro desta construção, afirma o autor, estas autoconsciências nunca estiveram “erradas”. Ao invés disto, estas – sempre que uma determinada “consciência” era construída, em algum momento histórico, por mais insatisfatória que fosse para explicar uma realidade geral – eram a expressão de uma experiência dos membros dessas sociedades onde elas foram construídas, e por quem foram construídas: por homens imersos em seu tempo.
Para o autor a individualização foi um processo lento e gradual que não pode ser separado dos outros processos da esfera humana, como, por exemplo, a crescente diferenciação das funções sociais e o controle cada vez maior das forças naturais não humanas. O ego do indivíduo age cada vez mais fortemente – o desejo de se destacar dos outros –, algo que caracterize-o como indivíduo e distingua-o dos outros indivíduos; que lhe permita conquistar ou se transformar em algo excepcional, grandioso, nessa competição entre indivíduos. Este processo foi aumentando sua força e sua presença no cotidiano das sociedades (o “logicamente” dos indivíduos que compõem estas sociedades) a medida que a lógica do capitalismo nas sociedades onde o industrialismo avançava a largos passos tornava-se cada vez mais forte.
Neste sentido, desta dualidade onde lado a lado coexistem o desejo de ser alguém por si e o desejo de estar inteiramente inserido na sociedade, retomamos o seu conceito de uma “balança” entre ambos, pois
“A identidade eu-nós (...) é parte integrante do habitus social de uma pessoa e, como tal, está aberta à individualização. Essa identidade representa a resposta à pergunta ‘Quem sou eu?’ como ser social e individual. (...) A resposta mais elementar [nas sociedades nacionais] à pergunta ‘Quem sou eu?’ é o nome-símbolo com que ele é registrado ao nascer. (...) esse tipo de nome, com seus dois componentes de prenome e sobrenome, indica a pessoa tanto como indivíduo singular quanto como membro de determinado grupo, sua família. O nome dá a cada pessoa um símbolo de sua singularidade e (...) também (...) indica quem se é aos olhos dos outros. (...) Também por esse prisma, vemos o quanto a existência da pessoa como ser individual é indissociável de sua existência como ser social.” (ELIAS, 1994, p.151)
Sob esse prisma, por exemplo, a forma dupla do nome de um indivíduo pressupõe a sua dupla identidade, ou seja a sua identidade eu-nós. Ora, será um equívoco se supormos que um homem de 74 anos é exatamente o mesmo indivíduo de quando possuía 7 anos de idade. Se o fizéssemos teríamos que abandonar todo o processo de desenvolvimento desta pessoa em termos de personalidade, constituição biológica, social, profissional, etc... Esse processo é contínuo e de sua continuidade advém a construção da identidade de uma pessoa; construção contínua, também, que está sujeita à sua autoconsciência eu-nós. E essa continuidade, segundo Elias, está ligada a faculdade humana mais importante para esse quesito: a memória.
Nas palavras do autor:
“(...) a continuidade da seqüência processual como outro elemento da identidade-eu está entrelaçada, (...), com outro elemento da identidade-eu: a continuidade da memória. Essa faculdade é capaz de preservar os conhecimentos adquiridos e, portanto, as experiências pessoais de fases anteriores como meio de controle ativo dos sentimentos e do comportamento em fases posteriores numa medida que não tem equivalentes nos organismos não-humanos. A imensa capacidade de preservação seletiva das experiências, em todas as idades, é um dos fatores que desempenham papel decisivo na individualização das pessoas.” (ELIAS, 1994, p. 154)
Nesse ponto nossa discussão retoma os contornos pertinentes à presente monografia. Pois o que o autor trata, nesta parte de seu asserção, é fundamental para o trabalho de análise e entendimento das funções da memória nos campos histórico e sociológico. Elias enfatiza que nenhuma memória é pura abstração, ou seja, toda memória possui um substrato orgânico, concreto. Essa peculiaridade da constituição humana caracteriza o fundamento do que pretendemos discutir aqui. Ou seja, a identidade-eu das pessoas está dependendo, em larga medida, não somente das contribuições externas (ou coletivas) que lhes são passadas através do contato humano no universo social, mas, também e, concomitantemente à capacidade de se se perceberem enquanto unidades orgânicas complexas, dotadas dessa auto-consciência, que permite uma representação delas mesmas como imagens espaço-temporais em meio a outras “imagens” semelhantes.
Nesse âmbito, Elias dá ênfase ao caráter processual propedêutico da formação e desenvolvimento das pessoas. Com isso afirma que
“a identidade da pessoa em desenvolvimento repousa, acima de tudo, no fato de que cada fase posterior emerge de uma fase anterior, numa seqüência ininterrupta. O controle genético que dirige o curso de um processo é, ele mesmo, parte desse processo. E o mesmo se aplica à memória [o grifo aqui é nosso], seja ela consciente ou inconsciente.” (ELIAS, 1994, p.156)
Dessa forma, assim como para cada indivíduo a capacidade que este tem de ser, ao mesmo tempo, um “eu”, “nós”, “você”, “ele(a)”, etc.., ou seja sua capacidade de ser um e muitos, um ser uno e plural, a construção da memória, enquanto processo do nível humano, componente destes indivíduos, de suas identidades e de suas autoconsciências, também deve ser entendida como tal.
A capacidade de transmissão dos símbolos de uma geração para outra (em grande escala) é ao mesmo tempo apreendida coletivamente e individualmente. Logo, a forma como esta memória é interiorizada, assimilada, interpretada, e transmitida advém, em grande parte, de características individuais e coletivas balanceadas por cada pessoa ao longo de suas vidas. Negar a importância deste balanceamento no processo de construção mnemônica seria o mesmo que negar a natureza idiossincrática das constituições sociais humanas. Esse balanceamento da memória, é preciso deixar claro, é mutável e, assim sendo, pode variar de acordo com o momento em que se está elaborando uma recordação; ao fazê-lo, um depoente, por exemplo, poderá “re-balancear” suas lembranças coletivas e individuais (permeadas por outros elementos que iremos analisar pormenorizadamente mais à frente) de inúmeras maneiras, até chegar a uma recordação que, a ele, faça sentido no presente momento da transmissão dessa memória.
Em suma, o habitus social dos indivíduos tem muitas camadas. “A utilidade do conceito de uma balança nós-eu [grifo nosso] como instrumento de observação e reflexão talvez possa ser ampliada se prestarmos alguma atenção a esse aspecto multiestratificado dos conceitos-nós. Ele se equipara à pluralidade dos planos interligados de integração que caracterizam a sociedade humana em seu atual estágio de desenvolvimento.”[167]
Em resposta à questão supracitada (balanceada em que sentido?), temos por esse conceito/instrumento de Elias profundo interesse quanto ao tratamento e análise da memória, suas funções e seus conceitos. Essa faculdade humana, a nós tão cara quanto a Elias, deve ser entendida de maneira a se possibilitar uma concordância entre as partes responsáveis pelo trâmite da mesma. Esta pode ser “ensinada” a alguém pelo coletivo no qual este indivíduo se encontra imerso (que pode ser a família, os amigos, um grupo político, etc...), que de uma forma bem pessoal e única, irá transformá-la em algo diferente daquilo que lhe foi transmitido. Uma outra noção que irá nos habilitar a enxergar mais nitidamente o proposto será a noção de “projeto”, do antropólogo Gilberto Velho, que será analisada em seguida. Essa categoria depende da noção de indivíduo discutida aqui, pois lida exatamente com a construção da memória de um indivíduo, ou seja, sua seleção mnemônica individual, através de um “projeto” de vida estabelecido por este para si mesmo, seja em relação à sua posição individual no coletivo, ou do coletivo em sua vida pessoal. Esta noção, no presente trabalho, seria impossível de ser trabalhada sem a nossa intervenção sobre a relevância do indivíduo (como agente) no processo de balanceamento da memória, junto ao coletivo.
Portanto (e aqui encerraremos a discussão sob o balanceamento da memória), entender a memória é ao mesmo tempo um exercício de compreensão do coletivo e do indivíduo. Nem um nem outro existem de maneira separada, ou melhor, um não existe sem o outro. A memória é parte deste universo relacional, não apenas como produto mas, como nos mostrou Elias, como parte constituinte de um todo idiossincrático. Daí a memória ser coletiva e individual, obrigatoriamente. E é preciso atentar ao fato de que esse processo não se dá de maneira simples, nem tão pouco estanque. Entender como se dá o equilíbrio (ou desequilíbrio) entre estas instâncias coletivas e individuais na memória, de acordo com a instrumentalização de uma “balança”, analisada aqui através dos discursos que iremos exercer mais a frente, é o caminho proposto para viabilizar nossos estudos a partir de agora. Essa balança, novamente segundo Elias, está sob constantes mudanças e constitui o universo identitário dos indivíduos e das sociedades. A memória balanceada, agora já segundo nosso entendimento, deve ser uma constante, pois irá constituir um elemento de análise teórica quando ao trabalhar a transmissão de uma memória. Através desta podemos ter um espectro mais claro acerca das funções daquela memória que se pretende passar adiante. De acordo com esta preocupação, em se “balancear” o individual com o coletivo (em termos mnemônicos), poderemos estabelecer de maneira mais concisa as funções daquela memória em termos simbólicos, tornando-a inteligível a todos que não compartilharam de suas experiências ao longo de sua história.
PROJETO, IDENTIDADE E ENQUADRAMENTO
A partir de agora iremos trabalhar com noções de dois autores extremamente importantes para o presente trabalho: Gilberto Velho[168] e, novamente, Michael Pollak. Ambos lidam com a questão da identidade, porém iremos iniciar nosso debate estabelecendo a relação entre memória e projeto na constituição de uma identidade, segundo o proposto por Velho, para daí seguirmos à discussão de Pollak.
Em “Memória, Identidade e Projeto”, Gilberto Velho é por nós apropriado aqui como sendo uma espécie de seqüência lógica e cronológica, pois escreve um ano após, ao discurso iniciado por Elias no ponto analisado anteriormente. Isto é obviamente não intencional para Velho, sendo fruto de nossas elucubrações única e exclusivamente; porém, é muito pertinente ao presente estudo. Velho, analisa o embate entre indivíduo (cada vez mais imbuído de suas características enquanto sujeito) e as unidades “englobantes e encompassadoras”[169], como a família, a nação, partido político, igreja, etc.., e afirma existir uma tensão entre estas diferentes configurações de valores constituindo uma das características seminais das sociedades modernas: a dicotomia entre “o” sujeito e “os” indivíduos.
Temos por encerrada esta discussão, ao menos na presente monografia, uma vez que este debate foi por nós trabalhado anteriormente, portanto iremos analisar o ponto que segue a este quadro inicial colocado por Velho: a relação entre memória e projeto.
A memória constitui um fator importantíssimo no processo de construção de uma identidade. Porém, ela “é fragmentada; (...) e o passado é descontínuo”[170]. Isso implica que a consistência e o significado destes para um indivíduo estarão articulados a um “projeto” (ou mais) deste mesmo indivíduo. Ou seja, para que passado e memória possam articular-se de maneira inteligível para um indivíduo este (consciente ou inconscientemente) dá-lhes um sentindo, um fio condutor, atrelando-as uma a outra através de um projeto. Por mais que esse projeto seja um elemento constituído no indivíduo, é importante destacar, ele existe no universo da intersubjetividade, o que significa que, em outras palavras, ele é voltado a uma “negociação da realidade com outros atores, indivíduos ou coletivos”[171]. Ou ainda
“O projeto não é abstratamente racional, (...), mas é uma deliberação consciente a partir das circunstâncias, do campo de possibilidades, em que se está inserido o sujeito. Isto implica em reconhecer limitações, constrangimentos de todos os tipos mas a própria existência do projeto é a afirmação de uma crença no indivíduo-sujeito. A identidade, por conseguinte, depende desta relação do projeto do seu sujeito com a sociedade, em um permanente processo interativo. Sem dúvida, um sujeito pode ter mais de um projeto, mas, em princípio, existe um principal ao qual estão subordinados os outros que o têm como referência.” (VELHO, 1988, p.125)
Em uma palavra, a noção de projeto está arraigada em uma idéia de indivíduo-sujeito. Porém, não podemos confundir esta colocação apenas como uma negação do coletivo em função deste, muito pelo contrário. Como defendido anteriormente, este conceito de projeto define bem a importância de se considerar estas instâncias (indivíduo e sociedade) de maneira concomitante, e, quando da construção de uma memória identitária, em um constante balanceamento. O projeto e a memória associam-se e articulam-se de modo a tornar inteligível a vida de um indivíduo, suas ações passadas e presentes. Dito de outra forma, ao associarem-se (memória e projeto) como visões retrospectivas e prospectivas, respectivamente, deste mesmo indivíduo, a própria identidade social do mesmo (sua autoconsciência, segundo Norbert Elias) se constituirá dentro de uma conjuntura para sua vida: uma trajetória sua. Portanto, o(s) projeto(s), como proposto por Velho, irá(ão) compor um (ou mais) elemento(s) constituinte(s) da identidade deste indivíduo.
No que tange a identidade, nossos olhares se voltam para a discussão tomada por Pollak em seus, outrora citados, artigos “Memória e Identidade Social” e “Memória, Esquecimento, Silêncio”, além da discussão iniciada por Velho. No primeiro artigo iremos deter nossa atenção à noção estabelecida para identidade por Pollak, que, em função da memória,
“Se podemos dizer que, em todos os níveis, a memória é um fenômeno construído social e individualmente, (...), podemos também dizer que há uma ligação fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade. (...) Aqui o sentimento de identidade (...) é o sentido da imagem de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros.” (POLLAK, 1992, p. 203)
Assim, Pollak esquematicamente propõe, também, que nessa construção da identidade individual há três elementos essenciais:
1. “A unidade física”: sentimento de pertencimento a um universo de fronteiras físicas, por exemplo, enquanto pessoa de carne e osso; ou enquanto membro de uma família, de um grupo e amigos;
2. “A continuidade temporal”: ou seja, um tempo psicológico; de sua imersão num processo de progressão cronológica; e, finalmente,
3. “O sentimento de coerência”: significa que do somatório de todos os diferentes tipos de características reunidas na formação de um indivíduo são unificadas por um único ser.
Com isso em mente, no que diz respeito a relação entre memória e identidade, Pollak conclui que nenhuma imagem (ou representação) individual ou coletiva é essencial ou estanque. Estas representações identitárias compõem fenômenos construídos através da relação entre indivíduos, o que quer dizer que eles são também fatores de desígnio de sentimentos de continuidade e coerência, não somente no âmbito dos indivíduos como, também, para o coletivo.
No que concerne a esta monografia, iremos destacar mais um elemento componente de suas teorias: a noção para um “enquadramento” da memória. Este conceito será muito importante para a composição de uma história que se pretende oficial e, por conseguinte, para a construção de uma identidade social, seja ela de natureza individual, coletiva ou o fruto do balanceamento entre ambas.
Este conceito surge quando incitado por Henry Rousso[172], em suas asserções sobre a fecundidade acerca de um termo tão vago quanto “memória coletiva”. Esta noção é melhor trabalhada por Pollak quando este nos afirma que
“A memória (...) que se quer salvaguardar, se integra, (...), em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividade de tamanhos diferentes (...). A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis. (...) Manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em comum, (...), significa fornecer um quadro de referências e de pontos de referência. (...) todo trabalho de enquadramento de uma memória de grupo tem limites, pois ela não pode ser construída arbitrariamente. (...) O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história.” (POLLAK, 1989, p. 11)
Assim, o constante exercício de reinterpretação do passado se dá em função dos constantes embates entre o presente e o futuro que se pretende, um futuro “projetado”. No caso, se essa memória se alimenta do material fornecido pela história, esta, por sua vez, não pode, simples e radicalmente, mudar a direção de um discurso que era vinculado a sua imagem, principalmente nos casos de uma memória da ordem de um partido político, por exemplo. Pois se os atuais membros (indivíduos) não se identificarem mais com as características que, muitas vezes, os levaram a compor os quadros de um determinado movimento político (como o Hashomer Hatzair, como veremos mais a frente) estes poderão perder sua identidade dentro do grupo.
Em suma, o trabalho de enquadramento da memória é uma reorganização (no presente) da chama de uma memória que se pretende manter acesa para um futuro. Pois, assim como a memória de um grupo que se pretende preservar, as identidades de seus integrantes (indivíduos-sujeito) estão arraigadas a ela, uma vez que suas memórias individuais se encontram em constante balanceamento com essa memória social, sendo, portanto, extremamente delicado esse trabalho de análise para o pesquisador. Com isso, mesmo sob o cunho exclusivamente analítico, poderíamos acabar por desestruturar todo um processo de balanceamento de uma memória identitária das pessoas envolvidas com este movimento, por exemplo. E isto seria desatroso para ambas as partes. Em uma palavra: “o que está em jogo na memória é também o sentido da identidade individual e do grupo[173].”
Um outro ponto merece a nossa atenção: as memórias (sejam elas de quais forem) quando tornadas públicas, ou exteriorizadas por algum indivíduo, não são constituídas apenas por lembranças. Elas também configuram silêncios, ou, nas palavras de Pollak[174], “não-ditos”. Sim, pois se toda memória é seletiva, pressupõe-se que seja inadmissível uma compreensão total e absoluta de tudo que se viveu até o momento da transmissão desta memória. Assim sendo, a própria seleção (e ordenação) desta memória implica um “silenciar” sobre outras lembranças. Esse “silêncio” irá figurar um “não-dito” dessa memória.
Michel Pollak trabalhou esse ponto muito bem no que se refere à sua complexidade, pois muitas são as nuanças acerca dos “silêncios”, que podem variar de acordo com o caso em questão. A nós caberá, aqui, expor o conceito central de “silêncio” e sua relação para com o “esquecimento” definitivo, seguindo os passos de Pollak.
Silêncio é seleção. É deixar para trás, ou então deixar guardado dentro de uma “caixinha” na cabeça. Silenciar sobre algo implica uma escolha (muitas vezes consciente). O silêncio e o esquecimento não são a mesma coisa. Enquanto o primeiro é lembrança, guardada como segredo, ou reprimida; trauma de infância; ausência de uma escuta; ou coisa que o valha, o segundo é a “morte” da lembrança. Enquanto silêncio, uma lembrança pode ainda vir à tona e tornar-se memória, pois a linha que separa o silenciar do proferir é tênue e está em constante deslocamento. Agora, quando uma lembrança cai em esquecimento definitivo, isso significa que ela estará perdida para sempre.
Concluindo, se entendermos projeto, identidade e enquadramento da memória de uma maneira “balanceada”, perceberemos como estes conceitos se adequam a proposta de nosso atual estudo. Pois, se a memória que se pretende preservar é uma faculdade humana em constante balanceamento, ela está então, com isso, vinculada a indivíduos dotados de projetos específicos para com esta. Disso temos que a “responsabilidade” para com as identidades não só do movimento político, por exemplo, em si (enquanto coletivo), mas como para com as identidades dos indivíduos que o compõem e estão afetivamente ligados a ele, estão em jogo também. De acordo com o trabalho de análise dessas memórias identitárias poderemos perceber qual é o projeto que delimita um determinado enquadramento para esta memória. O projeto e o trabalho de enquadramento caminham lado a lado num presente que está lidando com a chama dessa memória que se pretende manter acesa.
Porém, esta responsabilidade não se encontra nas mãos de qualquer um. É preciso um respaldo político muito grande frente ao coletivo para determinar esta operação. É destes indivíduos que iremos tratar a seguir.
PORTA-VOZ OFICIAL (OU AUTORIZADO)
Dando seqüência a nossos estudos, temos então que dentro de um trabalho de enquadramento da memória (como visto anteriormente) se dá, necessariamente, uma seleção, uma construção. Com isso, fica a questão: quem realiza esta construção? Ou ainda: é algo que qualquer um pode fazer? É em busca das respostas a estas questões que iremos seguir adiante.
Destarte, incitados pelo proposto por Pollak em seu já mencionado artigo na Revista Estudos Históricos, onde este afirma que um trabalho de enquadramento requer "atores profissionalizados”, ele nos conta que
“Esse papel existe também, embora de maneira menos claramente definida, nas associações de deportados ou ex-combatentes. (...) Pode-se perceber isso quando se aborda, no contexto de uma pesquisa de história oral, os responsáveis por tais associações. (...) Esse trabalho de controle da imagem da associação implica uma oposição forte entre o ‘subjetivo’ e o ‘objetivo’, entre a reconstrução de fatos e as reações e sentimentos pessoais. A escolha das testemunhas feita pelas responsáveis pela associação é percebida como tanto mais importante quanto a inevitável diversidade dos testemunhos corre sempre o risco de ser percebida como prova da inautenticidade de todos os fatos relatados” (POLLAK, 1989, p.10)
Com isso, Pollak nos diz que, nesse caso, o controle da memória e, por conseguinte, da identidade social deste coletivo se prende a um determinado número de “testemunhas autorizadas” que, previamente selecionadas pelo coletivo, irão compor um seleto grupo de “porta-vozes” oficiais de uma memória que se pretende manter. Em nossa atual pesquisa esse papel será desempenhado por Paulo Geiger.
Assim, podemos perceber que a memória não é um dado que “paira no ar”, ao invés disso, é detentora de um substrato de materialidade, que se encontra nos indivíduos. A memória é um componente dos indivíduos, tanto como sujeitos quanto como membros de um (ou mais) grupos de indivíduos. E, nesse âmbito, ela é tão diversa e plural quanto os diferentes indivíduos constituintes das sociedades o podem ser.
De volta a questão: é algo que qualquer um pode fazer? Sim, mas ao mesmo tempo, não. Qualquer um pode deter a memória que quiser, ou ainda, transformar as memórias lhe passadas da maneira que melhor lhe aprouver. Então, nesse caso, a resposta seria “sim”. Porém, e aqui tratamos do assunto pertinente a atual monografia, se esta memória for o resultado de um trabalho de um enquadramento social, cujo objetivo (“projeto coletivo”?) final é uma identidade social de pertencimento, para além de um indivíduo isolado, e sim em termos de um grupo maior – às vezes permeados por algum trauma coletivo que os mantenha unidos enquanto coletividade (como no caso das associações de sobreviventes do holocausto, por exemplo) – então a resposta será um taxativo não.
Michel Foucalt, ao analisar a relação entre as práticas discursivas e os poderes que as permeiam, em seu “discurso” inaugural ao assumir a cátedra vacante no Collège de France – por ocasião da morte de Jean Hyppolite – em 1970[175] nos brinda com um exímio trabalho onde discorre sobre os diversos procedimentos que limitam, tolhem e cerceiam os discursos nas sociedades (em especial a francesa), concluindo, grosso modo, que o discurso é o poder. Quem luta pelo direito de se expressar através de um discurso “verdadeiro”, luta pelo poder de exercer a “sua” verdade, ou a “verdade” em seu discurso.
Com isso, Foucault nos traz uma outra informação:
“Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar é a interdição. Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se compensam, formando uma grade complexa que não cessa de se modificar.” (FOUCAULT, 1996, p.09)
Logo, para além das obviedades, fica claro que para se falar sobre determinado assunto (ou, o que cremos que seria o mais correto na análise do texto de Foucault, para se ser ouvido e reconhecido enquanto agente de um discurso) é preciso deter um determinado “poder”. Esse poder, em nossas pesquisas, é o poder delegado ao “porta-voz oficial”, ou às “testemunhas autorizadas” de uma memória. Pois, qualquer discurso outro, ou seja, que se encontre fora de uma “normalidade”, ou de uma determinada “ordem” estabelecida sobre tal assunto (por exemplo, a memória sobre a fundação e o estabelecimento do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro, bem como de suas propostas e objetivos) será ignorado ou recalcado nas masmorras do esquecimento. Em suma, é preciso poder discursar para se ser ouvido e reconhecido. Falar apenas não é o bastante.
Assim, temos por obrigatória uma análise um pouco mais aprofundada sobre o conceito de porta-voz autorizado.
E com isso em mente, encontramos nos escritos de Pierre Bourdieu, autor que trabalhou em seu texto “A Economia das trocas Lingüísticas: o que falar quer dizer”[176] exatamente essa faceta dos discursos, um ótimo referencial.
Neste, trabalha de modo a contribuir às ciências sociais por estudar uma maneira “mais ou menos” autorizada de ver o mundo social, levando em conta as diferentes estratégias, os rituais coletivos, a luta simbólica que permeia o cotidiano dos grupos sociais, os enfrentamentos sobre visões políticas, etc.. E ainda
“Em meio à luta para a imposição da visão legítima, na qual a própria ciência se encontra inevitavelmente engajada, os agentes detêm um poder proporcional a seu capital simbólico, ou seja, ao reconhecimento que recebem de um grupo: a autoridade que funda a eficácia performativa do discurso é um percipi, um ser conhecido e reconhecido, que permite impor um percipere, ou melhor, de se impor como se estivesse impondo oficialmente, perante todos e em nome de todos, o consenso sobre o sentido do mundo social que funda o senso comum. (...) o porta-voz dotado de poder pleno de falar e de agir em nome do grupo, falando sobre o grupo pela magia da palavra de ordem, é o substituto do grupo que existe somente por esta procuração. Grupo feito homem (...) ele recebe o direito de falar e de agir em nome do grupo, de ‘se tomar pelo’ grupo que ele encarna, de se identificar com a função à qual ele ‘se entrega de corpo e alma’, dando assim um corpo biológico a um corpo constituído.” (BOURDIEU, op. cit. p. 82-83)
Como dito anteriormente, não é qualquer um que pode exercer esse papel. Pois esse poder não lhe é inato. Ele lhe é delegado. Seria um equívoco, portanto, creditar o poder das palavras às palavras, visto que a linguagem é apenas uma representação simbólica de um discurso institucional, mas estas palavras devem ser recitadas por alguma pessoa que detenha uma importância chave para que o discurso tome a forma e legitimidade esperadas. A solenidade do discurso autorizado não se encontra, como nos denota Bourdieu, nas palavras e sim em quem às pronuncia[177]. E mais ainda, é preciso sublinhar que “o poder das palavras reside no fato de não serem pronunciadas a título pessoal por alguém que é tão-somente ‘portador’ delas. O porta-voz autorizado [grifo nosso] consegue agir com palavras em relação a outros agentes e, por meio de seu trabalho, agir sobre as próprias coisas, na medida em que sua fala concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo que lhe conferiu o mandato e do qual ele é, por assim dizer o procurador”.(BOURDIEU, op. cit. p. 89)
Logo, para que um porta-voz seja eficaz é preciso que sua fala seja reconhecida como de direito, ou seja, a eficácia simbólica do seu discurso repousa na crença social (ou coletiva) depositada no ministério de quem exerce o discurso. Para Bourdieu, o porta-voz, por assim dizer, constitui o grupo ao mesmo tempo em que é constituído por ele. Esta categoria de pensamento é o elo que se encaixa perfeitamente à nossa noção para um balanceamento entre indivíduo e coletivo, previamente analisada. Pois o coletivo só existe na medida em que é reconhecido, que tem visibilidade, através de seu(s) porta-voz(es). E o porta-voz, por sua vez, só existe na medida em que representa um coletivo, na medida em que recebe uma delegação do grupo para falar em nome do coletivo.
Com essas categorias, acima explanadas, cremos ter um quadro teórico bem sólido sobre o qual nos debruçaremos a seguir quando da análise dos depoimentos propostos, enquanto estudo de caso. Neste, iremos centrar nosso foco em duas figuras que são de uma representatividade muito grande no que tange ao movimento Hashomer Hatzair: primeiramente, Moysés Glat, e depois Paulo “Pinchas” Geiger.
CAPÍTULO IV:
DEPOIMENTOS: SOBRE “VOZES” E “PORTA-VOZES”
PRÓLOGO
Antes de iniciarmos nossa análise dos depoimentos, iremos tomar alguns parágrafos em prol de uma ressalva que, antes de qualquer coisa, será muito importante sublinhar: é vital a presente monografia ter-se em mente que não estamos buscando um “embate ideológico” entre estas personagens. Muito pelo contrário, buscamos um encontro de suas memórias, um “balanceamento” (se couber o trocadilho) em prol da escrita de uma história do movimento Hashomer Hatzair carioca. Nosso papel enquanto historiadores será o de “filtrar” o que estará sendo colocado nos anais. Selecionamos de seus depoimentos aquilo que melhor se adequou a nossas prerrogativas para a atual monografia. Lembramos que toda seleção implica, necessariamente, num descarte. E, certamente, deixamos de lado certos traços em função das prerrogativas mesmas, destarte incitadas já em nossa “Apresentação”.
Nosso respeito e consideração tanto pela memória dos depoentes, quanto pela história do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro foram sempre forças motrizes na manutenção do trâmite deste projeto que, através de caminhos (por vezes) sinuosos, se manteve firme e forte em seu direcionamento até o presente momento, e que se pretende manter dessa forma ainda por mais algum tempo. Como citado anteriormente, esta é apenas uma “introdução” aos estudos sobre a memória deste movimento, por nós aventada na medida em que temos em mente sua continuação em um futuro bem próximo.
Uma vez elucidado este ponto, iremos iniciar nosso estudo dos depoimentos.
DEPOIMENTOS
Moysés Glat[178] nasceu em 1928, no Rio de Janeiro, filho de pai liberal, culto, um pouco religioso e imigrante da Polônia. Ele nos diz que saiu de casa aos dezenove anos após ter brigado com seus pais – o que era muito comum aos primeiros shomrim da época. Nada nos conta sobre sua mãe. À época, nos anos que seguiram o término da Segunda Guerra Mundial, houve, segundo Glat, uma forte expressão pró-soviética no Brasil, o que fortaleceu os quadros socialistas no país. E, ao mesmo tempo, uma forte reação pró-nacionalista dos judeus sobreviventes ao shoah[179]. Estes se voltam à construção do Estado de Israel, enquanto aqueles estão mais preocupados com a estabilização do socialismo no Brasil. Tanto assim, que havia militantes freqüentando as escolas em busca de novos quadros, outros já eram professores e “militavam” (ou em termos mais eufêmicos: “cooptavam” quadros) em sala de aula.
“Logo após a II Guerra Mundial, 1945, houve uma forte expressão em favor do socialismo e em torno da Rússia, [...] e ao mesmo tempo uma evocação nacionalista por parte dos judeus sobreviventes. Que se voltam a Israel e fazem o Estado.(...) Mas, como velhos socialistas, nós queríamos organizar um estado sionista, que fosse socialista. Nós queríamos isto!” [180]
O “problema” foi que os “comunistas” queriam fazer um trabalho de âmbito político e, inicialmente brasileiro, no sentido de estar ligado à política brasileira e sem um trabalho voltado à educação, o que logicamente deixava-os de fora de qualquer luta nacionalista, ou em prol de um nacionalismo judeu. Isso se dava devido a suas prerrogativas internacionalistas. Os comunistas estavam mais preocupados com o fortalecimento do “Partidão” aqui no Brasil e com a chegada da “revolução”. Assim, eles foram tentando encontrar lugares para militância, procuravam aumentar seus quadros, inclusive entre a juventude judaica carioca. Entretanto, Glat nos conta que:
“Foi lá no ginásio Hebreu Brasileiro que os comunistas entravam de sala em sala ensinando matemática, e a gente formava os grupinhos. (...) Havia um grupo que achava que nós tínhamos que fazer um trabalho político, brasileiro e socialista; sem trabalho de educação e sem necessariamente ter que ir a Israel. Então, já tínhamos uma estrutura, e como os comunistas judeus já estavam enturmados em nosso grupo, tomaram logo os postos principais. (...) Queriam nos transformar em uma célula comunista! Houve uma infiltração de judeus que já eram comunistas, e queriam fazer uma célula na Unificada Juvenil, assim como queriam fazer uma célula numa escola, uma célula numa fábrica, etc.. Era um acesso para quem queria fazer uma célula comunista, está certo? Houve essa aproximação, que não chegou bem a ser uma aproximação. (...) De lá saíram as histórias. Os velhos cantavam, contavam as histórias da Europa, tinha conferências, aos domingos tinha as ‘domingueiras’. De lá nós saímos para fazer o Hashomer. Nós nos encontramos com estas pessoas. Obviamente elas estavam mais preparadas que a gente. Nós entramos livres, eles entraram articulados, estavam com o objetivo já determinado (...).”[181]
Moisés estudou no, atualmente extinto, ginásio Hebreu Brasileiro, e nos contou que ali se encontrou o “berço” do Hashomer Hatzair aqui no Rio de Janeiro, e isso se dera basicamente por uma razão: sendo uma escola e, consequentemente, um lugar social de encontro dos filhos de imigrantes judeus à época, figurava um ponto de excelência para tal proposta juvenil. Afirma, também, que havia outros judeus de fora deste colégio (que só atendia até o final do nosso atual ensino médio – na época o “ginasial”), que faziam parte da “Unificada” – grupo juvenil sionista que se reunia nos porões dos templos e em bibliotecas. Dentro destes grupos externos ao colégio, Moysés e seus colegas iam “cantar o pessoal para a esquerda”[182]. Assim, pelos idos de 1946, foi surgindo o tnuá no Rio de Janeiro, contudo, seu nascimento foi se dando aos poucos.
“(...) em São Paulo, havia o que nós chamávamos de ‘Shomrim à Polônia’. São os ‘velhos’ que haviam pertencido ao Hashomer Hatzair na Polônia, vieram e queriam fazer Hashomer Hatzair aqui na América. Fizeram uma tentativa em 1936, e não deu certo. Logo depois da guerra [Segunda Guerra Mundial] eles voltaram novamente a fazer. Foram eles, na verdade, que perseguiram a gente, para poder fazer Kivutzot, quer dizer, grupos, pensar em aliá, ir para Israel, pensar mesmo em ir para o kibutz, pensar em tudo isso. Eu tinha um professor que num café da esquina me contou a história do Hashomer Hatzair dele na Polônia. E eu me empolguei com a história e disse: tudo bem, vamos entrar na educação também! Aí, eu entendi que o processo educativo seria realmente o caminho mais certo para levar ao kibutz. Se você falar com uma criança de sete ou oito anos os princípios de Shomer, não ia ter graça nenhuma. Essa criança tinha que, em várias fases, se identificar com o movimento e imbuir-se do espírito nacionalista, sionista, do espírito do kibutz, aquelas canções e as danças, eram de uma alegria inigualável. Lembro-me como na independência de Israel, em 1948, foi um carnaval que não tinha mais tamanho, em casa, depois na rua. Depois teve uma festa no campo do América (...). Bom, aí sim, alguns colegas que toparam ir e nós começamos a criar os Kvutzot; seria a primeira estrutura da formação para o Hashomer Hatzair.” [183]
Aqui, Glat nos relata dois pontos importantíssimos: a instituição e o porquê da proposta pedagógica do movimento, bem como a razão para esta iniciativa ter se dado após a independência de moderno Estado de Israel. Primeiramente, ideologias à parte, este era um movimento que se dispunha a trabalhar com a educação de jovens, e estes “jovens” se iniciavam no movimento muito cedo, alguns com sete ou oito anos de idade. Como lidar com temas tais como “sionismo político” ou “socialismo”, ou até mesmo as aparentes contradições entre tais propostas com crianças tão jovens? A resposta se deu na concepção originária de seus precursores shomrim europeus:
“O trabalho principal que o Shomer tinha era educar via escotismo as crianças pequenas, do jardim; depois vinham os bogrim, os grandes; tzofim eram os escoteiros e, em camadas sucessivas iam se aproximando da idéia de Israel e do kibutz. (...) Acampamentos, canções, passeios, brigas com os pais, abandonar os estudos, ir para Israel, para o kibutz, tudo isso. (...) Eu me lembro que fui a São Paulo, na inauguração de um grupo lá, que tinham mais de duzentas crianças cantando canções, e eu fui lá fazer um discurso pelo o binacionalismo no estado árabe e judeu. Mais tarde, quando eu cresci, foi que eu vi a bobagem que eu havia feito. Havia entre nós várias propensões para o socialismo e para o binacionalismo, também. E o nosso grupo de esquerda tem várias vertentes. O Dror [184], por exemplo, também queria isso. As fórmulas e métodos utilizados entre ambos foram praticamente os mesmos (...).”[185]
Em segundo lugar, após a concretização política efetiva de um Estado Judeu na Palestina, o sionismo ganhou muita força e muitos quadros, o que impulsionou o tnuá, levando-o a ser um dos mais importantes movimentos juvenis sionistas no Brasil. Então, cronologicamente, a partir de 1946 iniciam-se as reuniões e as discussões nos porões dos templos, na Biblioteca Israelita Chaim Nachman Bialik. Com a fundação do moderno Estado de Israel em 1948, as divergências políticas cerraram-se e o terreno político da comunidade judaica foi se dividindo entre comunistas (não sionistas), socialistas (não-sionistas e revisionistas), sionistas e os sionista-socialistas, além, é claro, dos outros personagens do proscênio político brasileiro de então.
Vale ressaltar que os anos de 1946 a 1951 configuram um momento de abertura liberalista no Brasil. Após o fim da era estadonovista, em 1945, e, principalmente, após a promulgação da nova constituição de 1946 [186], iniciava-se um período na história do país caracterizado pela abertura democrática e pela Guerra Fria. Até o segundo governo de Vargas (em 1951) o país encontrou-se imerso numa “euforia ‘democratizante’ que se opunha a todos os vestígios de autoritarismos[187]”. Nesse sentido, os partidos comunistas estavam sob a bandeira da legalidade constitucional, o que favoreceu muito o cenário das esquerdas na antiga capital nacional.
De volta ao nosso depoente, este nos conta que quando chegou sua vez de imigrar, foi o último de sua turma a ir. A razão é simples, e encontra-se nas prerrogativas do movimento estabelecidas por ele em conjunto com seus colegas: fê-lo para não deixar a juventude, geração subseqüente, desamparada de uma liderança. Era preciso deixá-los em condições hábeis para uma auto-gestão, seguindo o lema shomer: “jovens guiando jovens”.
Glat já havia estado em Israel no treinamento para a construção da vida no Kibutz, um estágio último na formação dos shomrim. Porém, quando finalmente foi a Israel, agora já em aliá, foi por apenas nove meses.
“(...) antes de criar um kibutz nosso, íamos para outro kibutz, para treinar, se acostumar. Nós levamos tudo à frente e criamos o kibutz. Fui depois do meu grupo, o último a viajar, porque tinha que tomar conta do pessoal que ficava.
Então [quando chegaram no kibutz] eu fui nomeado para tomar conta de coletas de laranja. Fui trabalhar com dezenas de imigrantes que tinham chegado, fugidos da Pérsia, e que haviam chegado a Israel. Isso em 1950 ou 51, e eu me perguntava: ‘o que eu tenho em comum com isso?’ Nós só sabíamos que eles eram de origem mosaica, que tinham religião igual a nossa, assim como tinham os chineses, os da Somália e os da Abissínia!
Ou seja, trouxeram-nos para Israel por que você precisava de mão de obra barata. Precisavam preencher o território, precisavam de gente lá. A grande sorte foi a chegada de um milhão de russos em Israel. Hoje em Israel tem até um partido russo, que participa do governo.”
Porém, quando se refere as razões que o levaram a sair do kibutz, divide-se. Lembra que no momento de sua decisão não sabia porque saía, só seguiu “seus instintos”. E que hoje, ao olhar para trás e pensar sobre o ocorrido, analisa todas as causas que levaram-no a distanciar-se da vida política e do movimento.
“(...) no dia em que resolvi sair do kibutz, eu não sabia por que estava saindo. Obedeci meu instinto, eu não queria ficar. Ao longo do tempo, fui amadurecendo e esclarecendo as idéias (...)
Primeiro pela família, por ser estudante, ser profissional liberal. E segundo, em Israel, o que eu iria fazer totalmente despreparado? O que? Nada! Mas vamos lá, por que aconteceu isto? Isto também tem história. Trabalhei feito um cavalo, durante várias semanas, para ter direito do sábado livre, ou dias livres. Porque lá comecei a trabalhar e acumulava um dia, vários sábados, para ir assistir o congresso do Mapam. Este era o partido do Hashomer. Então fui. Eu queria assistir aos meus ídolos, todo o pessoal. Eu fiquei lá e começou a discussão. Era uma reunião de dois partidos, o da esquerda e o do Hashomer Hatzair. Mas tinha que formar o comitê central. Contudo, era muita gente que queria ser, como eu, do comitê central, e o pessoal queria trabalhar, mas não tinha emprego. Então se criou um partido dentro do maior, chamado ‘os não definidos’. Então eram três grupos, disputando a hegemonia e cada um queria pegar esse partido para entregar alguma coisa. (...) Lembrei-me da UDN/PSD [[188]] aqui no Brasil. Mas foi uma decepção com os meus líderes e com o partido. Quero dizer, aí eu saí. Não era esse meu sonho.”[189]
E, olhando para trás, agora relembra outro motivo simbólico que foi decisivo na sua opção:
“Um outro fato, que também me entristeceu muito, foi que eu vi que o homem responsável pelo trabalho no kibutz, recrutava trabalhadores judeus e árabes, para trabalhar no kibutz. Eu descobri que eles não registravam estes operários no Kibutz, nem na organização dos trabalhadores, em Israel. Ao não registrá-lo, não pagavam impostos e furavam o princípio Havodah Hakshimit [190], que era o de não explorar trabalho alheio. Com isto ele disse: ‘eu não registro porque eu vou quebrar o meu princípio’. Eu disse: ‘não, você tem uma maneira diferente, você paga salário agora e quando terminar a colheita, você no final vai fazer o cálculo, e ver o quanto você ganhou de lucro e repartir igualmente e manda a diferença para ele’. E ele disse: “Você é maluco!”[191]
Quando resolve sair do Kibutz, passa na casa de um tio em Israel, onde aguarda pela liberação de seus documentos por três dias antes de ir para o porto pegar o navio de volta ao Brasil. Após sua volta, tenta o estudo universitário em engenharia, mas logo abandona-o para dedicar-se ao ramo de venda de jóias. Muitos anos depois, retoma, já aos 38 anos de idade, seus estudos universitários e se forma em economia sob a orientação de Mário Henrique Simonsen, com quem trabalhou por muitos anos e de quem fora amigo pessoal por muitos outros. Dentre outros foi um dos responsáveis pela instauração do fundo de pensões brasileiro, foi analista da bolsa de Nova Iorque por 8 anos, cátedro da PUC e, atualmente, é o coordenador da Pós-graduação da FGV onde, há alguns anos, foi um dos responsáveis pela introdução da MBA (Masters Business Administration) no Brasil. Tem um discurso altamente crítico no que se refere a organização do movimento e, principalmente do sistema de Kibutzim, e diz:
“O kibutz nasceu também sobre um estímulo daquilo que nós [economistas] condenamos. Foram dados subsídios [estatais] ao kibutz para o seu desenvolvimento. Então essas coisas foram inventadas, que nada tinham haver com o socialismo. O socialismo lá era, na realidade, uma distribuição de pobreza e não de riqueza. Tanto assim, que na medida em que os kibutzim foram ganhando terreno e criando renda, começou a haver uma dissociação entre o trabalho braçal e o trabalho mental; entre o administrador e o trabalhador [...], era igual a uma cooperativa. E nós conhecemos no mundo inteiro a história das cooperativas! As cooperativas nascem pobres e ficam muito ricas, e, quando ricas, você tem a separação por faixa de trabalho mais qualificada e por faixa menos qualificada. Além do mais, se o [movimento] da América do Sul, que foi para Israel para fazer o kibutz, em grande parte foi por idealismo, a outra parte foi por razões pessoais, familiares. Quando alguém queria entrar no kibutz, nós dizíamos: “opa, pode vir!”. Mas houve esse problema, de logo depois 1945 ou 1948, se ramificou e se fortificou o sistema capitalista [em Israel].
Ora, o sistema capitalista é mais atrativo, do que ir por um sistema de kibutz. E ao longo do tempo, na medida em que o socialismo ia perdendo tempo no mundo, o elemento socialista do kibutz também ia se desfazendo. Então hoje eu chego em Israel, e encontro uma porção de amigos meus que largaram tudo e foram para lá. E, realmente eles não fazem nada de especial. Israel recebeu imigração, mas a função colonizadora do kibutz, já terminou. Hoje vocês vêem uns tantos “pequenininhos” em Gaza, mas é só”[192].
Paulo Geiger, nascido no Rio de Janeiro em 23 de maio de 1935, filho de Efraim e Rachel. Sua mãe o batizou Paulo, mas seu pai o registrou como Pinchas. Na infância aprendeu hebraico na escola, porém, já em casa teve contato desde muito cedo com este e com íidiche. Seu pai falava hebraico, e seus avós ídiche. Isso facilitou muitas as coisas para Paulo na escola, onde participou de muitos eventos e peças teatrais. Foi também na escola, o Hebreu Brasileiro, onde ele entrou em contato com o H.H.. Naquele tempo, por volta de 1947, ainda não havia uma sede oficial para o movimento, sendo que, com a aprovação dos pais e do corpo docente do colégio, as atividades de sábado – que variavam de acordo com a idade dos chaverim – eram exercidas no pátio deste colégio. Este aparente “detalhe” da atividade shomer já nos demonstra que o movimento não possuía um vínculo oficial com a religião judaica, pois suas atividades se davam (e ainda se dão) durante o Shabbath. Não que este movimento fosse anti-religioso, mas era laico, e devido aos seus ideais materialistas (provenientes de uma larga influência socialista) o lado religioso era posto de lado, ou seja, nem incentivado, tampouco repudiado. Mas o Hashomer Hatzair ainda participava de algumas festas de conotação religiosa, como a Pessach, o Yom Kippur, o Rosh Hashaná, etc[193].. Com relação aos primeiros anos da Shomer no Rio de Janeiro, e seu contato com o mesmo, Geiger nos conta:
“Bom, eu estudava no Hebreu-Brasileiro, que foi um dos primeiros alvos, ou dos primeiros lugares, onde os mais velhos, estavam tentando montar o movimento juvenil por aqui, no caso o Hashomer Hatzair, eu tinha doze anos na época. No caso, várias tendências foram procurar formar as suas bases. Uns tinham mais talento, outros menos, uns tinham mais resultados que outros. O Hashomer Hatzair foi montado no colégio Hebreu-Brasileiro, lá ele foi cooptar pessoas para o movimento. Então o Hebreu foi invadido por madrichim do Shomer, os mais velhos, que nos chamaram, montaram os grupos e aí eu entrei. Inclusive, foi um primo-irmão meu que foi lá ‘aliciar’ – é a palavra que eu estou usando – para entrar no movimento. Diziam: ‘vocês vão fazer um grupo!’ E eu entrei no meio. Ele montou um grupo dentro da minha sala, dentro da minha turma de Hebreu-Brasileiro e, evidentemente, depois de uma, duas ou três vezes ou você saia ou você ficava. Em ficando, você já está comprometido! Antes de nós estabelecermos o Hashomer Hatzair aqui, no Rio de Janeiro, ele se montou intencionalmente em cima dos centros de convivência de Israel e de judeus. O Hebreu-Brasileiro era um deles. Quase todo o colégio era influenciado pelo Shomer. Digo ‘quase’, pois alguns foram para o Dror, e outros movimentos também, mas a maioria era Hashomer Hatzair. E as atividades de sábado do movimento, com a consciência do comitê de pais, funcionavam no Hebreu. Não havia sede nenhuma. Aos sábados a gente ia ao Hebreu. Depois que surgiu uma sede na Tijuca, depois outra no Flamengo. Mas antes disso não havia sede nenhuma.”[194]
No que tange às atividades exercidas pelo movimento em seus primeiros anos Geiger nos informa que o movimento era extremamente ativo, desde a prática de esportes até o trabalho intelectual, o tnuá mantinha seus chaverim em ação constante:
“(...) Nós tínhamos esportes, como futebol, isso com os garotos, as meninas eu não tenho certeza o que elas faziam, que tipo de atividades elas faziam, na época elas não se interessavam por futebol. Depois disso tinha a Peulá, que era: sentar, discutir um assunto, citar um tema que era apresentado; depois havia o escotismo – sair para passeio, para as haflagot, uma palavra em hebraico, totalmente inadequada. Haflagá, em hebraico, quer dizer navegar; é você ir navegando. Provavelmente, alguma vez, em algum lugar na Europa saia-se de um lugar à beira-mar para fazer uma haflagá, para fazer uma navegação. E a gente ia para Jacarepaguá, sem um pingo d’água, e ia para haflagá, quer dizer a gente ia fazer navegação em Jacarepaguá! Nós chamávamos de haflagot os passeios, ou a saída com a barraca, para praticar o escotismo, esse tipo de coisas que era típico do Shomer, que consistia em juntar escotismo com os ideais nacional e social, fazer um “bolo” só (...), de vez em quando a gente saía para fazer alguma coisa diferente. Então a gente fazia peulá no sábado, saía de vez em quando para fazer a “navegação”, que era a haflagá e, uma vez por ano, saia e ia para uma moshavá, que também não tem nada a ver. É uma expressão de Israel mesmo, uma “aldeia”. Hoje o nome mudou chama-se “machané”, acampamento. Naquela época nem acampamento era! A gente “acampava” em estábulos, galpões, e não em barracas! Então a gente passava um tempo fazendo atividades no campo, antigamente eram uns vinte dias, hoje são por volta de uns cinco ou sete dias. A gente ficava vinte dias lá, vinte dias de moshavá, e de atividades culturais. Fazia uma festa, um jornalzinho, no final do ano apresentava para o público – a própria comunidade judaica – uma peça artística um lugar público, num teatro qualquer. Enfim, todas as atividades eram baseadas em peulá, esportes e escotismo (sirrah) e aprender e discutir temas de interesse judaico-socialista, etc, etc, etc. E, digamos assim, a prática física do escotismo, foram os passeios, e tudo mais era a cultura.”[195]
Quanto à ideologia, Geiger se mostra bem consciente do que significava ser shomer e nos conta o que o sionismo foi para o tnuá em sua geração:
“O sionismo passou a ser um sonho, um ideal de realização nacional para o povo judeu que a juventude judaica carregou consigo: “Vamos transformar isso em realidade!” Esse era o apanágio do grupo da juventude: transformar o sonho em realidade. É isso que caracteriza a juventude, é a época em que você aposta nisso. Então, o sionismo foi para o Hashomer Hatzair, exatamente, a visão de um direito (da vocação) da realização para o povo judeu de voltar a ser um povo judeu independente com todos os direitos que os outros povos do mundo dispunham trazidos pela emancipação e pela modernidade. Então o shomer adotou o sionismo como o ideal da realização nacional do povo judeu. O sionismo, para o Hashomer Hatzair, é um ideal de realização, não só um ideal místico de sonho, mas também, um ideal político baseado no que Herzl fez. De transformar a vocação milenar do povo de ser um só, (...) numa “coisa” realizada, através da logística de liberação e da revolução. Uma revolução nacional, deixar de ser um povo disperso para ser um povo, um Estado com uma nação própria.”[196]
Não só relacionado ao sionismo político, mas à como este movimento juvenil específico se ligava estruturalmente ao socialismo, Geiger afirma ser uma aceitação do movimento. Que esta não era uma obrigação, tampouco unanimidade dentro do sionismo carioca, tanto que havia outros sionistas distantes de tal proposta, como os de direita, por exemplo. Geiger corrobora a importância dos escritos de Ber Borochov, aliando o socialismo marxista ao sionismo político de Herzl.
“A necessidade de conciliar era dentro do pensamento marxista. Pois fora do pensamento marxista não havia a necessidade de conciliar, e sim conceber. Um sionista não socialista no movimento de direita não tinha que conciliar nada com nada. O que o Hashomer procurou, por se considerar na época, um movimento marxista e ao mesmo tempo um movimento sionista, era conciliar as idéias socialista-marxista com a idéia nacionalista, o que era difícil, pois o movimento marxista-socialista oficial renegava o sionismo. Então a preocupação do Hashomer era encontrar um ninho, um nicho, um percurso que lhe permitisse associar essas duas coisas, que lhe eram caras, que ele não iria abrir mão delas, e que eram contraditórias na versão oficial. Logo, Borochov foi importante pois ele possibilitou mostrar, numa análise marxista, que existindo uma tendência de normalização dos caminhos, a anormalidade é apenas provisória. Então há um caminho revolucionário para você mudar as condições. (...) O nacionalismo fica a serviço da revolução social do povo judeu. Ele conseguiu mostrar que a solução nacional que irá possibilitar o povo judeu fazer a sua renovação social, que é ocupar todas as camadas de produção e desenvolvimento, e fazer a sua revolução social dentro da sua estrutura nacional. O socialismo dizia que eu tenho que participar da revolução social dentro dos países em que eles estão, e Borochov dizia que sim, mas por que não há revolução social para o povo judeu se ele quer continuar a ser um povo e identificado como tal. Para isso ele precisa de uma base territorial, para fazer a sua revolução social. Logo, o Hashomer percebeu isso: a revolução social dentro da revolução nacional, dentro de um Estado, de uma nação próprios do povo judeu. Isso levou o movimento Hashomer Hatzair a pensar no kibutz como realização nacional e social povo judeu, e política, sendo uma célula do caminho da redenção nacional socialista do povo judeu no território próprio, o Estado judaico.”[197]
Sobre o cenário político na comunidade judaica carioca, Geiger nos afirma que havia disputas no que tange ao numerário de quadros entre os movimentos juvenis, pois as estruturas dos mesmos eram de base política, assim como qualquer partido político. Suas divergências instauravam-se no campo das ideologias, haviam aliados e inimigos:
“(...) O Hashomer tem muita afinidade com o movimento do kibutz Brochaiv, naquela época o Dror era desse kibutz, e com o Dror também, porque com o Betar, que era o movimento dos revisionistas, por exemplo, existia uma hostilidade maior, visto que ele tinha uma ideologia diferente dos outros movimentos que eram mais voltados para o kibutz. Mas não havia uma entidade que os congregasse, não havia um sindicato dos movimentos juvenis. Na verdade, nós sabíamos da existência um do outro, e havia uma competição até por “cabeças” – competição por quem iria atrair mais jovens –, e essa propaganda externa, essa coisa de atrair jovens, era muito importante.(...) Então tinha que correr numa turma nova na escola para ver quem chegava primeiro, quem conseguia levar mais gente, levar mais gente para os acampamentos, sair para atividades que atraíssem jovens, todos esses tipos de competição havia.”[198]
Ao completar seu curso no H.H. ele nos conta como foi incentivado pelos seus bogrim a não fazer a aliá logo, e sim iniciar seus estudos universitários. Sobre estes Paulo descreve:
“Bom, quando chegou a minha época de cursar a faculdade eu já estava há muitos anos no Hashomer Hatzair. De forma que, como eu tinha uma orientação voltada a aliá, eu não dava a menor importância a nenhum tipo de estudo universitário. E era muito criticado de fora por causa disso. Nossos pais diziam que nós não permitíamos estudar, e havia mesmo uma certa crítica ou uma certa relutância no movimento. Quer dizer, havia um certo conflito entre o movimento juvenil e os pais dos membros deste movimento. Então quando chegou a minha época, eu me lembro, me procurou o cheliach, e disse: “Olha você vai ter que demonstrar que quando uma pessoa tem talento e capacidade a auto-educação e o movimento não a prejudicam. Então, eles me disseram: “você vai fazer arquitetura!” Eu recebi esse encargo do movimento juvenil. Então a minha carreira universitária foi motivada pelo movimento juvenil e foi orientada por este. Pois a minha preocupação naquela época não era com estudo universitário, e sim com a aliá.
Assim, eu estudei lá por um ano, depois eu tranquei a matrícula, pois, no meio do ano, eu fui escolhido para fazer um curso em Israel, no instituto de Madrichim, de orientadores do movimento, fiz um ano por lá e, quando voltei, eu não reabri a matrícula, porque eu estava super envolvido com as atividades do movimento. Então eu não posso dizer que eu perdi uma carreira na universidade naquela época por causa do movimento, pois eu fui fazer universidade, fui possibilitado de cursar uma universidade por instrução do movimento juvenil.”[199]
Esta primeira ida de Geiger à Israel, em 1954, foi a etapa final de seu treinamento. Lá, nos conta, acontecia uma espécie de “curso de inverno/verão”, de um ano de adaptação à vida em Israel, no Instituto Machon, visando à adequação dos shomrim à vida no kibutz de verdade. Neste curso, os shomrim (membros) vão treinar para serem instrutores oficiais (madrichim) do tnuá. Seu propósito será regressar aos seus países de origem, treinar e preparar outros shomrim até que estes possam se responsabilizar pelos mais novos, para que daí os madrichim possam organizar uma garin (grande aliá), ou seja, um grupo de membros em aliá definitiva (ou não) para a vida num kibutz em Israel.
“(...) o curso lá era o seguinte: era de todos os movimentos juvenis do hemisfério sul, era um curso de transferência de estação, era igual a um curso de inverno e um curso de verão, alterna-se hemisfério norte e sul. Eram seis meses, então passou-se de fevereiro até julho, no verão, mais ou menos, em Jerusalém estudando, fazendo hebraico, enfim, uma série de cursos no internato em Jerusalém, e depois fomos para um kibutz, cada um naquele do seu movimento, todos os grupos de shomrim do mundo inteiro, quer dizer, do eixo do hemisfério sul, eram brasileiros, uruguaios, argentinos, chilenos, cubanos, mexicanos, sul-africanos, etc.. O nosso grupo do H.H. e o desses outros países ficaram seis meses em Jerusalém e depois fomos passar o verão em um kibutz, trabalhando e estudando, e depois voltamos para fazer o encerramento de um mês e meio e receber o nosso diploma, com o compromisso de voltar para casa e ser madrich (...).”[200]
Geiger, após seu retorno ao solo brasileiro em 1955, organiza tudo por aqui e em 1958 faz sua aliá. Mora em um kibutz por seis anos, regressando ao Brasil após isso, já casado e com dois filhos. É importante ressaltar que este assunto, “voltar para o Brasil depois da aliá”, é extremamente delicado. Pois, dentro do movimento, havia todo um trabalho de construção de um ideal: ir para um kibutz e construir Israel com suas próprias mãos, trabalhar, “você mesmo”, a terra prometida, este era o ideal máximo de realização pessoal, pois o kibutz seria o ideal socialista em prática no Estado de Israel, ou seja, era o sionismo-socialista na sua mais perfeita existência real. Assim ele era visto pelos membros do Hashomer Hatzair. Ao voltar, permanentemente, para o Brasil, os shomrim abdicam desse sonho, desse ideal – que fora construído ao longo de toda sua vida dentro do tnuá. Por isso atentamos para a delicadeza deste ponto, o porquê de nossos depoentes silenciarem a esse respeito, em especial Geiger, que não vai além de mencionar que sua volta se deu “por motivos de família”. Enquanto isso, Glat, como visto anteriormente, nos diz que “não sabia porque estava saindo, (...) segui meus instintos”. Paulo nos conta que essa ideologia (fazer aliá) dentro do shomer não era uma simples “norma”, e sim a força motriz deste movimento, era em função dela que seus membros passaram boa parte de suas vidas, abdicando dos estudos formais, de um curso universitário, muitas vezes brigando com seus pais e saindo de casa, etc..
“Eram motivações ideológicas, de identificação com a idéia, isto é, esta era a motivação maior do movimento H.H. no mundo inteiro, digo, no mundo ocidental. Ou seja, um mundo livre onde as pessoas não estavam fugindo, momentaneamente, de nenhuma perseguição, então era uma motivação puramente ideológica, de inspiração em torno da idéia.”[201]
Paulo nos esclarece alguns detalhes importantes da dinâmica desta imigração, e como esta funciona dentro do movimento. Aliá, no shomer, significa “um grupo que resolve imigrar junto”, e, no entanto, funcionava assim: antes de você formar um grupo de garin – grande aliá, um núcleo de aliá – será somente no kibutz (já em Israel) que este grupo irá se integrar, ou seja, não vão todos os shomrim de uma vez só. O primeiro grupo vai para preparar para o segundo grupo. Vão em “levas” diferentes, primeiro vão alguns e depois vão outros. Os que ficam trabalham no movimento, junto aos menores, e vão depois. Com isso, em duas ou três “levas”, você completa todo seu grupo de garin inicial, e todo mundo estará no kibutz. Então, um grupo do H.H. que foi para um determinado kibutz, outro grupo vai para outro; outro grupo de outra geração, de outra idade, vai para outro kibutz, e assim sucessivamente. A aliá é feita em função disso, dos amigos, você ia integrar determinado kibutz. E, ele nos conta, não havia financiamento, cada um pagava sua passagem como podia.
“O financiamento, bom, eu não sei como é feito hoje, mas na época o financiamento era próprio, você pagava pela sua própria passagem. E lá, como você não conhecia nada, você ia para um lugar que não existia (...) Chegando lá não tinha o que financiar, você ia direto, você troca a sua capacidade de trabalho pelo que você recebe, você não compra, não investe em moradia ou em imóveis, você já está lá! (...) Esse negócio de financiar, naquela época, eu não tinha acesso a isso, isso não fazia parte desse tipo de estrutura. E você tinha que pagar apenas uma passagem, e na época viajávamos de navio, e de terceira classe! Eu fiz aliá em navio de terceira classe, pois era uma passagem muito barata.”[202]
Suas impressões sobre o Estado de Israel dividiram-se pelas duas vezes que esteve lá por conta de sua participação no movimento: em 1954 – no curso preparatório –, e de 1958 a 1964 – quando esteve no kibutz. Porém, nos conta sobre como viu o recém nascido Estado, enfatizando sua estada nestes seis anos em aliá:
“Nessa viagem de 1954 eu tive certeza de que eu ia fazer aliá, voltei para cá fiquei mais três anos e depois eu fui. Então eu acho que essa impressão de Israel é a melhor. País duro e difícil, mas de uma energia, uma sinergia, uma capacidade de criação, de enfrentar problemas que contagiava mesmo. Então foi uma impressão muito positiva, talvez muito mais positiva do que a de muita gente hoje, já que lá é um país tão desenvolvido e tão diferente do que era na época. Israel era um país com seis anos de idade, um país com uma situação econômica muito precária. Havia o racionamento, você comprava carne por talões de racionamento, não existia um fornecimento de alimentos livre, era um país no início; um país cuja independência tinha sido feita há seis anos e, tinha conseguido duplicar a sua população em poucos anos, ele tinha 600 mil habitantes e estava recebendo imigrantes, principalmente de países árabes. (...) Então a situação era “precaríssima”. Quer dizer, a situação, analiticamente falando, do nível de vida da possibilidade de desenvolvimento pessoal era muito restrito. Eu me lembro que eu comia uma espécie de coalhada ou iogurte diluído que tinha sido inventado por ser mais econômico, comia algumas saladas, pois era uma comida muito racionada. Era um país precariamente instituído, sem a evolução toda que veio depois, e no entanto as pessoas estavam felizes. (...) Em Jerusalém, onde eu estava, que naquela época era dividida, certo? Atrás do muro ficavam os árabes do rei Hussein, e do lado de cá do muro ficava a Jerusalém judaica. Eles atiravam de cima do muro, assim à esmo, para ver se nos atingiam, várias vezes atiraram enquanto eu ainda estava lá. Minha mãe chegou até a tentar telefonar para mim, para saber se eu estava bem (...). Mas era um país precário, no entanto estavam todos felizes, uma atitude absolutamente construtiva, pioneira; então a minha impressão de Israel foi a corroboração de que eu havia escolhido o caminho certo.”[203]
Sobre o kibutz no qual esteve:
“Ele foi o Yassour, ele é um kibutz que fica no norte de Israel, ele fica numa rota muito peculiar que vai de uma cidade muito famosa chamada Ahkery, ela é no litoral. De Ahkery sobe uma estrada que vai até a Galiléia para a cidade onde meus pais nasceram, que é Tsfá, ela sobe e vai plana no meio de um vale muito bonito, muda de direção à leste – o Mediterrâneo a oeste – a estrada sai do Mediterrâneo vai para leste depois ela começa a subir as montanhas, sobe e chega nessa cidade e chega na Galiléia, uma paisagem linda, a dez quilômetros disso tudo fica o kibutz Yassour, onde eu estava, um lugar muito bonito, eu gostei muito. Agora, o que acontece é o seguinte, no movimento, a nossa visão era idealista. A gente estava no movimento para revolucionar as nossas vidas, quer dizer, a gente não estava somente querendo construir a ideologia e fazer uma missão ideológica. O movimento juvenil H.H. revolucionava a sua própria vida também, ele arrumava a sua vida cultural, transformava os seus valores e adquiria novos. A gente se acostumou a pensar em valores, como não fumar, não dançar em bailes burgueses, não beber, esses valores de como rediscutir, como vir de uma certa educação – era uma mistura danada! Mas a gente adotava isso, e todos tínhamos ideais de pureza e esse tipo de coisa. Chegando no kibutz, você leva uma vida de adulto numa sociedade de adultos, então parte dessa simbologia desaparece. Num primeiro momento a gente sente um pouco, e diz: “espera um pouco, isso aqui não é mais um movimento juvenil, isso é a vida real!” E na vida real se bebe, se fuma, se dança, se fala palavrão, tem essas coisas que a gente não fazia H.H.. Então a tal revolução se deu em dois sentidos: a gente largou o radicalismo auto-adotado que vem daquele idealismo do movimento juvenil por uma vida real de adultos, numa sociedade coletivista. Tínhamos que aprender coisas do socialismo em teoria, o que era viver coletivamente, o que era partilhar os bens, as missões, os trabalhos, etc.. E, na realidade, esse foi o período de adaptação, onde você tem que se adaptar, inclusive, ao desconforto de hábitos pequeno-burgueses, num mundo diferente, porque nós, na época de [...], vamos para o desconforto. No início não tinha nem banheiro, para a gente ir ao banheiro a gente saía da casa com chuva ou no inverno, ia ao banheiro e voltava ou ficava no meio do caminho; não tinha chuveiro, só tinha um que era coletivo para tomar banho. Essas coisas materiais, pequeno-burguesas, que a classe-média e a classe média alta não está acostumada, era um processo de adaptação e para a gente isso foi uma revolução. Mas isso não constituiu problema em nenhum momento porque a gente estava acostumado ao movimento juvenil, para sair ao campo, levar uma vida de escoteiro, nós estávamos condicionados a não fazer disso um problema. Isso é relativo, sempre há algum problema, você levava a vida, mas era assim. E o terceiro era a adaptação, que você não estava acostumado ao trabalho físico. Eu entrei para a agricultura e comecei a trabalhar fisicamente. Tinha me preparado naquele ano, quando eu trabalhei no kibutz (em 1954), já sabia o que era, mas você tem que condicionar a sua atitude também.”[204]
Ou seja, sua imagem sobre a vida no kibutz é bem diferente da opinião de Glat, muito mais crítica e menos idealista. Por mais que Paulo veja o kibutz como uma escola, Glat foi profundamente marcado pela sua curta vivência neste. Isso acabou influenciando, em larga medida, sua visão a respeito de todo o projeto kibutziano. Essa configura, marcadamente, a grande diferença entre os discursos deste fundadores do movimento juvenil Hashomer Hatzair carioca. É o que veremos a seguir.
BALANCEAMENTO
Como visto no Capítulo anterior, temos por conceito teórico primevo que, a princípio, nenhuma memória é exclusivamente coletiva ou exclusivamente individual. São, necessariamente, ambas.
Tivemos o cuidado de trabalhar com o personagem Paulo Geiger como um “case studie” para esta proposta. Pois, em seus depoimentos, mesmo ciente do caráter biográfico, pessoal e particular ao qual ele foi exposto, ou seja, sobre a sua vivência no movimento, identificamos em seu relato trechos que, claramente, demostram que ele não está apenas falando por si mesmo, por sua vivência, mas também, pelo movimento, ou seja, pelo coletivo. Isso não configura novidade alguma, pois desde os escritos de Halbwachs tem-se construído teorias que trilham os caminhos desta perspectiva. No entanto, o que buscamos trazer para esta monografia foi a “reinserção” do indivíduo nesta relação com o ato de rememorar, trazendo-o para a frente deste proscênio, ou melhor, equiparando-o ao coletivo neste rememorar. Como assim reinserir? Não que o “indivíduo”, depoente ou sujeito, estivesse de fora da relação, não se trata disso. Mas sua relevância era, de certo, diminuta frente às imposições do social ou do coletivo, legando a este indivíduo um lugar nas sombras, ou irrelevante. Buscamos, através da noção de “balanceamento”, uma reavaliação da importância do indivíduo nesta relação com a memória. Esse balanceamento se dá em diversos momentos na vida de qualquer indivíduo e qualquer grupo social, ele não é uma condição perene, tampouco estanque do ato de rememorar. Ele está atrelado, exatamente, aos membros de uma sociedade.
Em nosso caso particular, centrado no personagem de Paulo Geiger (um indivíduo-sujeito), esse balanceamento se dá na medida em que possui suas memórias (da sua vida) em função da memória do coletivo (que ele pretende manter em suas lembranças). Ou seja, ele não está rememorando tudo o que aconteceu em sua vida até o momento da entrevista, e sim buscando reminiscências de uma história entre ele e o movimento Hashomer Hatzair. É preciso sublinhar que o “projeto” individual de Geiger para com a memória que ele pretende manter vocacionada é um fator determinante. Pois neste projeto encontra-se não apenas a sua identidade social enquanto indivíduo e membro de uma comunidade afetiva, mas também a identidade deste grupo de pessoas que viveram àquela época. Logo, o balanceamento se dá nessa seleção entre onde entra o indivíduo na história do coletivo e onde entra o coletivo na história do depoente. Talvez possamos aventar que tal balanceamento, aliado a algumas outras características particulares da personalidade de Paulo Geiger, denotam o porquê dele ser elencado aqui como o porta-voz autorizado.
Em seus depoimentos notamos uma preocupação para com a imagem deste movimento juvenil. Não só com a imagem do passado, de quando ele era um jovem militante, mas, principalmente, com o simbólico imagético para com os dias de hoje. A construção de um “imaginário social” que atrele as diferentes gerações (ontem e hoje) em torno de uma memória comum aparece em seu discurso constantemente, como, por exemplo, quando Geiger reifica a importância do movimento juvenil ainda hoje, ainda em sua ideologia sionista:
“Hoje o sionismo mudou de caráter. O sionismo hoje é, na minha opinião, a percepção, consciência ou convicção, de que o povo judeu é um povo só, mesmo que esteja disperso, continua sendo um povo só; que o centro dele é Zión e que os caminhos desse povo judeu estão permanentemente abertos. Isso é prova do nosso sistema. (...) Em caso de perseguição, eles teriam um lugar seguro, que seria o Estado judaico, que é o ‘músculo’ judeu. Então, se alguém quiser se identificar com uma vida judaica, o Estado judaico, a língua judaica, se quiser que a cultura instituída seja a cultura judaica, etc., ele tem essa possibilidade. O sionismo hoje, é a percepção de que o povo judeu ainda é um povo só, mesmo que ele tenha várias cidadanias, identidades e cidadãos em vários Estados, ele, historicamente, continua sendo um povo só. O centro desse povo é Zión. Os caminhos para este povo estão permanentemente abertos graças ao fato que existe um Estado deles. Isso é o sionismo hoje, e a gente tem que trabalhar para manter essa realidade.”[205]
E, no que tange a ser de esquerda hoje, e, principalmente, socialista, algo visto por muitos críticos (inclusive Moysés Glat) como algo ultrapassado, mas que ainda consta nas propostas oficiais do Hashomer Hatzair atualmente, Geiger diz:
“Vou resumir a idéia da esquerda, quer dizer, do porquê nós fomos de esquerda e somos de esquerda até hoje. O que era a esquerda, o que nós, a juventude, pensávamos como esquerda? Pensávamos num ideal para o mundo de justiça. Que vêm de uma intenção às vezes romântica, às vezes ingênua, às vezes dentro dos fundamentos ideológicos nos quais foi pavimentada. A juventude é a única faixa etária em que você já tem maturidade suficiente e não têm ainda compromissos suficientes para te radicar; a juventude é móvel, ela não está suficientemente radicada para se prender às coisas e é suficientemente adulta para ter idéias e realizá-las. Então a juventude é o momento em que você pode ter idéias de revolução, idéia de modificar as coisas, idéias de não se radicar das coisas que já feitas mas criar coisas novas e lutar por elas. Então a juventude é, por isso, de esquerda nesse sentido: de não ser “de situação”. Ser de oposição de renovação, ser de criação de coisas novas por natureza, uma natureza psicológica ou psicanalítica da juventude. No nosso caso, nós éramos uma juventude de um povo, que precisava da sua percepção de uma atitude nova, de um povo que tinha acabado de sofrer o holocausto, e estava com o seu direito nacional sendo apresentado para o mundo, já havia a realização nacional desde o início da vida em Israel, começou a se apresentar a necessidade absoluta, para o mundo, de um Estado judaico, como conseqüência do que aconteceu com o povo judeu na Segunda Guerra Mundial. (...) O Estado judaico não foi por causa do holocausto, essa idéia foi reforçada pelo holocausto.
(...) Então, nesse momento, o que a esquerda vai perceber? Ela vai perceber que alguma coisa precisa ser mudada e que a juventude tem a força para mudar, e que a nossa mudança será em todos os sentidos possíveis: a nacional, a social e a da própria mudança individual.”[206]
Logo, como dissemos, “o porta-voz constitui o grupo ao mesmo tempo que é constituído por ele”. Assim, o balanceamento se faz característico: o porta-voz fala por conta própria, é um indivíduo que relata uma história; ao mesmo tempo, sua relação para com o coletivo, a presença deste coletivo (ou grupo social) na existência deste indivíduo, é permanente. Tal presença “constitui” o indivíduo, da mesma maneira como outras tantas características identitárias e memórias que o compõem. Se tudo o que ele aprendeu com o coletivo (inclusive como lembrar) é um dado do coletivo para ele, sua apropriação desta memória e sua transmissão são dadas por ele para o coletivo. Daí a necessidade de um porta-voz. Há permuta entre esses agentes. Dessa relação entre suas características particulares e suas características advindas de sua vivência no seio deste coletivo (o movimento juvenil), ou seja, deste balanceamento entre memórias individuais e coletivas, e, principalmente dos usos que este indivíduo se faz delas (através de seus projetos) pudemos identificar as características necessárias a caracterizar um “porta-voz autorizado”.
Com isso, temos que o porta-voz só existe na medida em que representa o coletivo, em que o grupo lhe delega o direito da fala, e esta adquire poder. Por isso Geiger é um porta-voz autorizado a transmitir a memória em prol do Hashomer Hatzair, e não uma outra qualquer como, por exemplo, a memória do Betar (movimento juvenil dos revisionistas).
Neste sentido, nosso contraponto para esta análise se fez através de Moysés Glat, que com seus depoimentos nos brindou com muitas informações pertinentes aos primeiros anos do tnuá, porém, para fins de nossa análise atual, a principal função de seu depoimento foi a de denotar que essa relação entre memórias e projetos e um determinado tipo de balanceamento mnemônico geram um porta-voz, que no seu caso, mesmo sendo diretamente envolvido com a fundação do movimento no Rio de Janeiro, tendo militado, “cooptado”, brigado, feito aliá, etc., ainda assim, esta personagem não pode figurar um porta-voz autorizado pelo movimento. Tragamos um exemplo relevante: as opiniões sobre o sistema de kibutzim em Israel. Para o Hashomer Hatzair a imagem do kibutz é muito forte. Primeiro pois simboliza a vida em Israel, o que implica na realização do ideal de um nacionalismo judaico (o sionismo). Em segundo lugar, o kibutz é a consolidação de um ideal socialista, no sentido em que é uma sociedade baseada na propriedade comunal, permeada dos ideais socialistas de uma sociedade igualitária, etc. Com isso temos que, na opinião de Paulo, o kibutz
“(...) foi uma escola. E vou te dizer mais: o movimento de kibutz foi como uma escola, e funciona até hoje. Muitos dos princípios, dos comportamentos, da visão dos objetivos, da tenacidade em relação aos objetivos que eu hoje acho que tenho em relação a qualquer atividade minha, seja profissional ou não, veio dessa época, predicado pelo movimento juvenil e no kibutz ela se espalhou em mim. Isso possibilita uma veia com o H.H., e o que isso quer dizer? Quer dizer que esses valores vêm a você e pregam em você, e você não os abandona. Eu, até hoje, não fumo e não bebo. Bebo assim, socialmente, mas não bebo como hábito. Mas eu não estou dando isso como exemplo de valor de vida, mas como símbolo de coisas que você se acostuma a elas no todo e elas tornam-se um valor natural da sua vida adulta. O movimento juvenil de um lado e o kibutz de outro funcionaram como condicionadores de uma visão de mundo, de colocamento, de atitude e tantas outras coisas. A maior parte dos shomrim da minha idade que eu conheço partiram desses valores. Quando eles se encontram aqui, casualmente, nós nos reconhecemos como aqueles que os tiveram há 45, 50 anos atrás nessa estrada.”[207]
Já o depoimento de Glat, não denota tal apreço pela memória do estabelecimento comunal:
“O kibutz nasceu também sobre um estímulo daquilo que nós economistas condenamos, ou seja, foi subsidiado pelo Estado, em apoio a construção. Foram dados subsídios ao kibutz para o seu desenvolvimento. Naturalmente, esses kibutzim cresceram. Mas essas coisas foram inventadas, que nada tinham a ver com o socialismo. O socialismo lá era na realidade uma distribuição de pobreza e não de riqueza. Tanto assim, que na medida em que os kibutzim foram ganhando terreno e criando renda, começou a haver uma dissociação entre o trabalho braçal e o trabalho mental; entre o administrador e o trabalhador, igual a uma cooperativa. E nós conhecemos no mundo inteiro a história das cooperativas. As cooperativas nascem pobres e ficam muito ricas, e, quando ricas, você tem a separação por faixa de trabalho mais qualificada e por faixa menos qualificada. (...) o kibutz perdeu sua importância em Israel. Perdeu em população, em subsídios, transformando-se numa cooperativa agrícola. Já hoje, as crianças dormem com os pais. Os meninos vão estudar nas universidades e não voltam mais. Mas com um projeto dificilmente eles voltariam. Quer dizer, uma beleza de ideal ficou, vamos dizer assim ofuscado pelas condições externas a Israel, logo após a transformação do Estado de Israel.”[208]
Embora Glat ainda encontre-se preocupado em frisar que ele não considera o movimento juvenil como um erro ou nada parecido, mostrando que o coletivo exerce pouca influência na sua construção mnemônica, ao corroborar “a beleza de ideal” que foi difundida pelo tnuá, ele nos mostra que essa influência do grupo em sua vida ainda está lá, pois atribui a crise dos kibutzim a causas externas a eles. O máximo que Glat chega a afirmar nesse sentido, assim como o fez Paulo Geiger, é alertar acerca de uma certa “ingenuidade” advinda da juventude em suas intenções. E ele demonstra isso através de suas lembranças em torno das músicas, das danças, da alegria das crianças nos passeios, de suas memórias da camaradagem entre seus amigos, num salutar saudosismo juvenil, etc.
“(...) no Hashomer Hatzair nós éramos muito ingênuos, eu me lembro que fui a São Paulo, na inauguração de um grupo lá, que tinham mais de duzentas crianças cantando canções, e eu fui lá fazer um discurso pelo o binacionalismo no estado árabe e judeu. Mais tarde, quando eu cresci, foi que eu vi a bobagem que eu havia feito. (...) Eles queriam forçar a gente a trabalhar com criança. (...) nesse discurso binacional entre judeus e palestinos, (...) fiquei muito encantado com aquele movimento, todos eles com blusa, gravatinha, crianças bonitinhas, etc. Mas confesso a vocês que as minhas raízes do shomer sempre explodem quando eu começo a falar. O melhor tempo de minha juventude, de sonho sem compromisso. Tudo era válido. Quando ia ao acampamento, se esquecia o coador, coava-se o café com meia.”[209]
Paulo Geiger, por outro lado, é o porta-voz do movimento, não só pelo fato de ser um dos fundadores (coisa que o Moysés Glat também o foi, inclusive, antes dele) mas pela relação individual de Geiger para com a memória do movimento e, principalmente, o reconhecimento do coletivo (os outros membros e ex-membros do movimento) para com esta relação. Como dito inicialmente, há toda uma preocupação dentro do movimento (e até fora dele) em se buscar a opinião, antes de qualquer outra, e o depoimento de Paulo Geiger sobre a história do shomer carioca, e isso não se dá a esmo. Assim, como mencionado por Bourdieu, (...) o porta-voz dotado de poder pleno de falar e de agir em nome do grupo, falando sobre o grupo pela magia da palavra de ordem, é o substituto do grupo que existe somente por esta procuração. Grupo feito homem (...) ele recebe o direito de falar e de agir em nome do grupo, de ‘se tomar pelo’ grupo que ele encarna, de se identificar com a função à qual ele ‘se entrega de corpo e alma’, dando assim um corpo biológico a um corpo constituído.”[210]
Geiger é um homem muito culto e dotado de uma ótima oratória, o que pode ser notado em seus depoimentos. Quando fala, demonstra não só a certeza do sobre o que está falando, mas do porquê e do por quem está falando. Isso é muito importante para alguém que está se reportando sobre a memória de um movimento tão atuante quanto foi o Hashomer Hatzair, e, em nosso entendimento, é o que atrai o reconhecimento do coletivo para com o seu rememorar, fazendo da reminiscência de um homem, um “co-memorar” (lembrar em conjunto), delegando-lhe o poder para “portar a voz” desse movimento.
“(...) o H.H. foi de esquerda e teve de reunir três revoluções: a revolução pessoal, de você entrar numa realidade nova de acordo com ideais de juventude, não só esperar o momento de ser mais velho para depois esquecer, que é o que acontece com os ideais de juventude. Você os alimenta na juventude, os ícones, os movimentos, e toda vez que você chegava a maturidade, fosse em Israel, você se radicaliza no sentido contrário e pronto, acabou. Eu acho que eles aproveitaram o sionismo para criar um fato novo, pessoal, que a idéia é da revolução pessoal: sair da pequena burguesia, ir para o kibutz em uma sociedade socialista e fazê-la! Não só pregá-la, como fazê-la na vida própria. A revolução nacional do povo judeu transformava-o num povo com uma pátria, normalizando a sua vida nacional, dando condições de ele se defender a si mesmo, de construir as suas próprias opções, como todo povo têm direito; essa é a revolução social, sair do estado de flutuação em camadas produtivas e não-produtivas na sociedade e normalizar a sua estrutura, como Borochov dizia. Povo “normal” é um povo estruturado economicamente para sustentar as suas estruturas sociais.
Então a gente queria fazer essas três revoluções no mundo todo: a individual, a social e a nacional. Por isso, eu considero que o H.H. foi sempre de uma concepção de esquerda, e por isso os egressos do H.H. são de esquerda. Não no sentido da esquerda política “barata”, do tipo: o palestino é mais que o israelense, que é um absurdo! (...) Quer dizer, esquerda, os dois têm a suas esquerdas, então essa esquerda do H.H., eu acho que é uma herança que ele deixou em todos que pelo Hashomer passaram, eu conheço poucos que não são, ainda hoje, alimentados por essa percepção, da capacidade de fazer uma revolução cultural na sua vida; uma revolução nacional do povo judeu, que é o sionismo, que é uma pátria judaica para o povo judeu; e uma revolução social de um povo que apoia os movimentos sociais, que apoia posturas igualitárias, posturas de justiça social e de ética, tudo isso é herança do ideário e da realização do Hashomer Hatzair, mesmo hoje na minha vida de classe média alta isso ainda está presente.”[211]
Nesse sentido, Geiger carrega uma “imagem” própria para o movimento. Nesta, mesmo num mundo onde o socialismo é para muitos apenas uma “lembrança”, e o sistema dos kibutzim já está totalmente inserido dentro de outra realidade, Geiger consegue passar a idéia de que esse movimento possui um valor muito grande, ainda nos dias de hoje. Essa “presença” se faz através da memória que ele carrega consigo, com seus valores e ideologias, mas que ele não guarda para si, e sim compartilha, legando à coletividade uma identidade social muito forte.
Portanto, temos um dos elementos-chave desta monografia devidamente apresentado. Porém, e quanto a Moysés Glat nessa história? Ora, seu depoimento é de vital importância, primeiramente, no que tange a reportar os primeiros anos do tnuá. De seu depoimento pudemos retirar algumas experiências que, inclusive o “porta-voz autorizado”, não pôde vivenciar. Em segundo lugar, temos o balanceamento da memória de Glat, que é muito mais influenciado pelo que ele experimentou e vivenciou fora do movimento. Tanto que seu depoimento está muito calcado na sua teoria crítica sobre o sistema de kibutzim e do “socialismo da pobreza”, construídas ao longo de sua trajetória na vida universitária como economista. De modo que, embora sejam válidas, tais críticas não se encaixam no perfil desta monografia, que busca lidar com o período inicial do movimento no Rio de Janeiro. O que acontece é que, devido ao seu “projeto” pessoal, este tipo de memória gloriosa, saudosista (ou romântica) acaba silenciada frente às prerrogativas deste seu projeto, que enquadra sua memória diferentemente da memória exaltada pelo porta-voz. Isso, por conseguinte, nos deu uma boa (senão ótima) base para análise das memórias destes dois personagens, onde pudemos, de um lado, estabelecer com precisão a existência de um porta-voz oficial, e de outro, reconstruir (mesmo que num estágio inicial) historicamente o período da fundação do tnuá no Rio de Janeiro, permeado por situações que, sem o auxílio destes depoentes, talvez nunca viessem à luz.
Frente aos depoimentos de Paulo Geiger, como mencionado anteriormente, pudemos denotar porque Glat não poderia configurar um porta-voz autorizado. Entretanto, devemos frisar que isso não é uma constatação negativa, de maneira nenhuma. O papel de um porta-voz autorizado é determinado de acordo com uma série de características que já foram mencionadas anteriormente. Portanto, esta “tarefa” não é apontada a qualquer um, inclusive um dos fundadores do movimento. É nessa medida que comparamos as duas memórias, não em função delas enquanto memórias de pessoas, indivíduos, ou seja, comparando-as e mensurando o valor de cada uma delas individualmente, o que seria um equívoco de proporções inimagináveis, pois ambas são imprescindíveis e importantíssimas. O que nos propomos aqui foi: estabelecer entre elas o devido contexto, atrelá-las a uma identidade social que não pertence exclusivamente a estes depoentes, e sim a todos os que dela compartilham, membros do movimento juvenil no passado, presente, e aos que vierem a conhecer sua história no futuro. Ou seja, mesmo não sendo um porta-voz autorizado (ou oficial), Glat pode contribuir, assim como outros ex-shomrim virão a contribuir com suas experiências, para a escrita de uma história deste movimento. Seu olhar crítico a respeito de determinados aspectos do movimento na sua gênese e primeiros anos, bem como seu relacionamento com seus ideais, podem acrescentar muito a uma história “ainda por ser escrita”. Foi nesse sentido que buscamos “balancear” essas memórias, ou seja, com vistas a demonstrar, numa primeira instância, todo o potencial de um trabalho desta natureza.
Assim pudemos, através do depoimento de Moysés Glat, entrar em contato com novos nomes e veículos e, no limite, alargar um pouco os limites que regem o enquadramento para essa memória “oficial”, visando iniciar os estudos em prol de uma história shomer carioca, cuja fonte primária ainda serão “memórias”, porém, a partir de agora, memórias balanceadas.
CONCLUSÃO
Mesmo acreditando que qualquer pretensa ilação a esta altura seja improvável, uma vez que nossos estudos estão apenas começando, iremos dar um fechamento à presente monografia visando “relembrar” os principais pontos desta, analisados ao correr dos capítulos anteriores. Acreditamos, também, que estes pontos estão mais bem elucidados ao longo dos capítulos, portanto iremos apenas “amarrá-los” aqui de maneira bem sintética.
Nosso trabalho se dividiu em duas correntes paralelas ao longo de nossa análise: inicialmente, tivemos a preocupação de cercarmo-nos com os devidos instrumentos teórico-metodológicos que pudessem abarcar nossas pretensões quanto a análise de fontes orais e, principalmente, a memória de nossos depoentes como elemento central desta monografia; por outro lado, focamos a necessidade de esmiuçar a historicidade de nosso objeto, o movimento juvenil Hashomer Hatzair carioca, inserindo-o num campo histórico-sociológico que foi imprescindível ao nosso entendimento de suas nuances em seus primeiros anos no Rio de Janeiro.
Estabelecemos para com o conceito de “memória balanceada” um instrumento crucial no que se refere a trabalhar com “memória” em termos históricos. Com esta noção pudemos ilustrar como um indivíduo pode delimitar um cenário simbólico dentro de um grupo social sem, com isso, perder a sua individualidade. Ao contrário desta perda, a relação estabelecida entre o social e este indivíduo se mostrou muito intensa, inclusive pela possibilidade do grupo social poder delegar ao indivíduo a “responsabilidade” de ser o “porta-voz”. Essa relação, em nosso caso específico, não se dá de maneira “política”, ou seja, não houve uma “eleição” onde candidatos concorreriam ao posto privilegiado de “porta-voz oficial” do movimento, ou coisa que o valha. O que se fez presente foi o reconhecimento das atividades de um indivíduo em prol da memória (o elemento “sacralizado”) do tnuá. Seu zelo e respeito pela memória do movimento juvenil são elementos que provém, inelutavelmente, do balanceamento de sua memória, ou seja, entre sua vivência particular (com seus projetos e sua identidade privada) e sua experiência dentro do movimento. O fruto deste balanceamento é uma memória que é adotada pelo coletivo como “simbólica”, ou seja, é uma memória que perpassa os melhores momentos daqueles tempos, possuindo traços comuns ao que a maioria, pelo menos, irá querer sempre comemorar com este “porta-voz”.
Deixemos claro de uma vez por todas que o papel do porta-voz não é fantasioso, mentiroso, fictício, ou algo que o valha. Este indivíduo tem o dever de arcar com uma responsabilidade muito grande: que é a de zelar por uma memória que transpõe a sua persona e vai de encontro a outros indivíduos, inclusive “novos” indivíduos, aqueles que não vivenciaram os primeiros anos do shomer carioca, mas que estão nele hoje, e urgem por saber de onde vem esse movimento que faz parte de suas vidas.
Ao inserirmos o movimento Hashomer Hatzair em um cenário social e político, tivemos a certeza de estarmos dando um passo importante na escrita de sua história. Através de nossas fontes e de nossas referências bibliográficas pudemos traçar seu percurso desde o quadro de seu surgimento na Europa até sua inserção na sociedade carioca, nestes primeiros anos de sua “fundação”. Com isso temos que seus ideais vieram “imigrados” da Europa com seus “pais”. Aqui, foram transformadas em torno de uma nova juventude, uma nova realidade. Não pudemos deixar de lado a importância da imigração judaica para a concretização deste movimento. Não poderíamos deixar de mencionar os imigrantes judeus vindos da Europa desde o final do século XIX e, principalmente, após a década de 1920, instaurados no Rio de Janeiro. Estes são os pais desta juventude que instituirá o tnuá. Da relação entre esta juventude (primogênita) com estes imigrantes teremos um dos elementos mais importantes dentro do movimento juvenil: a rebelião frente aos “mais velhos”, buscando a iniciativa de buscar por mudanças e transformá-las em realidade.
A comunidade judaica carioca na qual este movimento se insere possuía uma forte coesão interna, porém era muito plural – fruto de imigrações de judeus vindos de diferentes regiões da Europa. Dentro deste quadro, as movimentações políticas que gravitavam as instituições sionistas cariocas foram de muita relevância para a fundação do movimento juvenil Hashomer Hatzair, pois, egressos de conferências, encontros, festas, clubes, bibliotecas, eventos religiosos, etc., que os primeiros shomrim iniciaram seus trabalhos. Assim como foi dentro de instituições desta comunidade que suas primeiras atividades tomaram forma: como no Colégio Hebreu-Brasileiro e na Biblioteca Bialik, por exemplo.
Após a independência do Estado de Israel (em 1948) o movimento juvenil carioca Hashomer Hatzair passou a ter seu foco direcionado para a aliá. Algo que antes (no dia-a-dia de um incipiente movimento juvenil recém organizado) somente figurava como uma influência um tanto distante em suas referências teórico-ideológicas, passava a ser uma constante voltada à práxis cotidiana, como pudemos verificar na análise das Atas. Esta característica foi marcante, pois denotou um momento em que o movimento se voltava para um objetivo diferente da simples organização e administração de encontros reuniões. É o momento onde seus dirigentes percebem que algo muito grande está sendo preparado, não só na movimentação interna do tnuá, mas como para além dele. Esse momento passou a figurar um lugar de destaque na memória de nossos depoentes, denotando o grande impacto que este movimento imprimiu em suas vidas.
Finalmente, de acordo com a suas propostas ideológicas e de ação, assim como suas dinâmicas internas, entendemos o Hashomer Hatzair como um movimento de alcance e proporções únicas no mundo. Muito pouco se tem estudado sobre a relevância deste movimento juvenil. Porém, embora esta monografia tenha alcançado seu término, nossos trabalhos continuarão, buscando aprender cada vez mais sobre a história deste movimento, pois, como dito desde o início, esta figura apenas uma “epígrafe” nesta história que vai, lentamente, sendo escrita.
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FONTES
RELAÇÃO DAS ENTREVISTAS:
Moysés Glat – Entrevista realizada em 28/04/2003, na casa deste depoente; encontra-se arquivada no acervo de depoimentos do Núcleo de História Oral, no Laboratório de Estudos do Tempo Presente sob a responsabilidade da Professora Maria Paula Nascimento Araujo. Encontra-se sob o código de catalogação: 026 – a,b,c / MG (“EJ”);
Paulo Geiger – Duas entrevistas realizadas, respectivamente, em 11/11/2003 e 07/07/2004, ambas na casa deste depoente; encontram-se arquivadas no acervo de depoimentos do Núcleo de História Oral, no Laboratório de Estudos do Tempo Presente sob a responsabilidade da Professora Maria Paula Nascimento Araujo. Encontram-se sob os respectivos códigos de catalogação: 029 – a,b,c / PG (“EJ”); 038 – a,b,c / PG II (“EJ”).
RELAÇÃO DAS “PASTAS” ANALISADAS DO ARQUIVO PARTICULAR DO MOVIMENTO:
Pasta: Ideologia;
Pasta Azul: “Textos Interessantes”;
Pastas “História Judaica”;
Pasta: “Kibutz/Israel – Português e Espanhol”;
Pasta: “Shomria Latino Americana”;
Pasta sobre SIONISMO;
Apostilas Avulsas “Garin 2000 – Shomria”, “Capacitacion Latinoamericana de Bogrim de las Tnuot Noar” e “Shomria - 1989 em Cordoba Argentina”;
Apostila 2, contendo os principais tópicos abordados durante a Capacitacion Latinoamericana de Bogrim de las Tnuot Noar, ocorrido em 13 e14 de outubro de 2000 e organizado pelo Departamento de Hagshamá da Organização Sionista Mundial, em conjunto com o Departamento de Educación Judia Sionista e Representación del Departamiento de Aliá da Agência Judia para Israel;
Apostila 3, contendo os principais tópicos abordados durante a Shomria, ocorrida em 27 de janeiro e 1º de fevereiro de 1989 em Cordoba Argentina;
Pasta: SIONISMO (2).
DOCUMENTOS:
Atas de fundação, atividades e desenvolvimento do movimento juvenil Hashomer Hatzair datadas entre 17 de março de 1947 e 29 de abril de 1952. Centro Cultural Mordechai Anilevitsh, Rio de Janeiro, fundado em 1999. (MIMEO)
Carta da Hanagá Rashit do Brasil para o Chile, comunicando o surgimento do tnuá. São Paulo, 27 de agosto de 1945. (MIMEO).
GEIGER, Paulo. “Oitenta anos de Hashomer Hatzair, sonho ou realidade”. Rio de Janeiro, 1993. (MIMEO).
LEVACOV, Arnaldo. “Hashomer Hatzair no Brasil: nascimento e desenvolvimento do tnuá no Brasil”. Cronologia, Rio de Janeiro, s/d. (MIMEO)
SÍTIOS VIRTUAIS:
www.hashomer.org.br
www.online.com.br/shomer-br
[1] Nossa ótica acerca destes conceitos para uma memória dita “oficial”, “individual”, “coletiva”, etc. não é aleatória e está sendo utilizada aqui de forma conciente, de forma que estes conceitos serão melhor explanados ao longo deste trabalho, explicitamente no Capítulo 3, onde trataremos especificamente deste tema.
[2] “Movimento” em hebraico.
[3] “Retorno” ou “regresso” em hebraico, o sentido adotado pelo movimento toma a conotação de “imigração” a Israel.
[4] Para maiores informações sobre tal perseguição política Cf. LESSER, J. “O Brasil e a Questão Judaica”. Rio de Janeiro: Imago, 1995; e TUCCI CARNEIRO, M. L. “Anti-semitismo na Era Vargas”. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.
[5] Informações extraídas da “Ata de Fundação” do movimento carioca, datada de março de 1947, e assinada por Jorge Gandelsman.
[6] Partido dos trabalhadores unidos em Israel.
[7] Coalisão entre os três maiores partidos de centro e de esquerda em Israel: Mapam, Shinui (hebraico para “mudança”), CRM (Citzens Rights Moviment – também conhecido por Ratz).
[8] Federação kibutziana do movimento Hashomer Hatzair, possui atualmente 85 kibutzim em Israel.
[9] É importante destacar que devido ao caráter de formação educacional informal assumido pelo movimento estes “documentos pedagógicos” são de uma importância fundamental no que tange ao entendimento de como se davam (no seio do tnuá) os procedimentos de “conscientização” de crianças e adolescentes, nas mais diversas etapas deste processo, onde estes entravam em contato, pouco a pouco, através de estágios propedêuticos, com os ideais e ideologias do movimento.
[10] “Pinchas” é o nome em hebraico inspirado num personagem bíblico – e seu equivalente em português poderia ser Pedro ou Paulo –, dado a Paulo Geiger por seu pai, e é o nome que consta em sua certidão de nascimento. Dado à contra gosto de sua mãe, que queria que seu nome fosse Paulo, “Pinchas” foi aos poucos sendo deixado de lado por Geiger, que reconhece a si mesmo como Paulo já há muitos décadas, no tnuá ele era conhecido por chaver Geiger, mas encontramos menção a Pinchas, em algumas atas.
[11] Dividimos a opinião de René Remond, Marieta de Moraes Ferreira, Janaína Amado, Philippe Joutard, entre outros, de que a “história” não é “oral”, o que implicaria numa outra história diferente da “tradicional”. Acreditamos que “oral” são apenas os tipos de fontes utilizadas pelo historiador que pensa a história, o tempo presente, etc.. Para maiores esclarecimentos Cf. AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, pp. vii-xxv; pp. 43-64; pp. 203-207.
[12] Para um melhor entendimento de nossa proposta sobre balanceamento, o conceito será melhor elucidado no “Capítulo 3” da presente monografia, onde abordaremos, do ponto de vista teórico, os conceitos e as funções por nós utilizadas para o trabalho com a memória.
[13] AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
[14] Op. Cit. Apresentação, p. XVI-XVII.
[15] PEREIRA, Lígia M. L. “Algumas Reflexões sobre Histórias de Vida, Biografias e Autobiografias”. In: História Oral – Revista da Associação Brasileira de História Oral, n. 3, junho de 2000, pp. 118-122.
[16] Cf. BOURDIEU, Pierre. “A Ilusão Biográfica”. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 183-193.
[17] Op. cit., p. 185.
[18] Cf. BOURDIEU, op. cit.
[19] Cf. LEVY, Giovanni. “Usos da Biografia”. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 167-182.
[20] Cf. BOURDIEU, op. cit., p. 184.
[21] LEVY, op. cit., p. 180.
[22] Idem.
[23] PINSKY, Jaime. Origens do Nacionalismo Judaico. São Paulo: Ática, 1997.
[24] Principal ideólogo do sionismo político moderno.
[25] Op. Cit. p.139
[26] GHERMAN, Michel. “Ecos do Progressismo: história e memória da esquerda judaica dos anos 30 e 40”. Rio de Janeiro: Mimeo, IFCS, 2000.
[27] LÖWY, Michael. “Redenção e Utopia: O Judaísmo Libertário na Europa Central (Um Estudo de Afinidade Eletiva)”; São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
[28] HACOHEN, Dvora. “Mass Immigration and the Israeli Political Sistem, 1948-1953”. Studies in Zionism, vol. 8, nº 1, p. 99-113, 1987.
[29] Mifleght Poalei Eretz Israel – Partido dos Trabalhadores da Terra Israel.
[30] Op. Cit., p. 100.
[31] Op. Cit., p. 101-102.
[32] CLEMESHA, Arlene. “Marxismo e Judaísmo – História de uma Relação Difícil”. São Paulo: Boitempo/ Xamã, 1998.
[33] Op. Cit. p. 14.
[34] Op. Cit. p. 46.
[35] Incidente envolvendo um oficial do exército francês, o capitão Albert Dreyfus, em 1894. Acusado de espionagem para a rival francesa, Alemanha, este é julgado e condenado unanimemente em um julgamento repleto de controvérsias. Após cinco anos vivendo como deportado na Ilha do Diabo, muitas evidências surgem indicando sua inocência e documentos-prova foram forjados contra ele e estavam vindo a público. Incriminando outros oficiais mais documentos surgem e dão novas esperanças a Dreyfus. Após muita votação na Câmara dos Deputados sua anistia em 1899 foi o ponto final da questão, porém Dreyfus jamais conseguiu absolvição de um tribunal militar. Herzl acompanhou o caso como um correspondente do Neue Freie Presse vienense e detectou uma França com um acirrado ódio anti-semita, movido por conjecturas dos conservadores político-militares, além do clero católico, que buscavam incessantemente por “comprovar” que o povo judeu é um povo mal intencionado e maus elementos.
[36] SORJ, Bila (Org.). “Identidades Judaicas no Brasil Contemporâneo”. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1997.
[37] GRIN, Monica. “Diáspora Minimalista: a crise do judaísmo moderno no contexto brasileiro”. In: SORJ, Bila (Org.). “Identidades Judaicas no Brasil Contemporâneo”. Rio de Janeiro: Imago Ed., p. 103-124, 1997.
[38] Como é conhecida a comunidade de imigrantes oriundos da região da Alemanha.
[39] Definição formulada por Bernardo Sorj, onde este destingue como “moderno” o judaísmo que alia sua natureza à de outras ideologias, em especial as idéias maskilim (iluminismo judaico) e suas premissas universais; adequando com isso o judaísmo às mais diversas movimentações político-ideológicas da era moderna. Aqui se aplica a aliança do sionismo (em sua vertente política) – de origem tradicional, religiosa – ao nacionalismo, e ao socialismo; bem como por uma definição plural da identidade judaica centrada no embate de características contraditórias como tradição versus modernidade; etnicidade versus cidadania nacional; sentimento versus razão; etc..
[40] Organização comunitária altamente organizada. Nenhum segmento da comunidade fica de fora de sua supervisão. Liderada por um corpo executivo que estaria responsável pelas relações (em sua maioria de caráter econômico) com o universo gói (não-judaico), bem como nas questões de família, religião, educação e sociedade.
[41] Op. Cit., p. 106-107.
[42] Op. Cit. p. 110.
[43] MALAMUD, Samuel. “Do Arquivo e da Memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial”. Rio de Janeiro: Bloch, 1983.
[44] MALAMUD, Samuel. “Relembrando a Praça Onze”. Rio de Janeiro: Kosmos, 1988.
[45] MALAMUD, op. cit. p.25.
[46] LESSER, Jeffrey. “O Brasil e a Questão Judaica”. Imago: Rio de Janeiro, 1995.
[47] Pequena colina em Jerusalém. Por extensão a cidade ganha seu nome. O termo sionismo advém dela, pois seria o retorno a Sion. Do hebraico Tzion: lugar exposto ao sol.
[48] Alguns casos mais conhecidos pela história do judaísmo remontam, por exemplo, às figuras messiânicas de David Alrói no século XII – que montou um exército para tentar reconquistar a Terra Prometida; em fins do século XIII, Abraham Bem Samuel Abulafia; em 1500, Moysés Lemlein; em 1525, David Reuveni tenta um acordo com o Papa Clemente VII e acaba queimado num auto-de-fé; ou ainda, Sabbetai Zvi, em 1626. Para maiores detalhes Cf. MALAMUD, Samuel. “Do arquivo e da memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial”. Rio de Janeiro: Bloch, 1983.
[49] Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997.
[50] Em geral, esses judeus “assimilacionistas” gozavam de uma participação efetiva na sociedade européia ocidental e de boas relações com esta, devido à sua excelente condição financeira, ou por prestação de serviços a altos membros da mesma. Para maiores detalhes Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997.
[51] Idem.
[52] Idem, p. 61-80.
[53] Que em alguns casos eram de uma maioria tão avassaladora de judeus que constituíam pequenas cidades judaicas, os shtetl. O termo shtetl advém do íidische para designar um pequeno “estado”, cidadela ou vilarejo.
[54] Idem, p.62.
[55] Idem ibdem.
[56] Cf. MALAMUD, Samuel. “Do arquivo e da memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial”. Rio de Janeiro: Bloch, 1983. p. 07.
[57] Ver mais detalhes em PINSKY, op. cit. p. 85-90, MALAMUD, op. cit. p.14 e GUINSBURG, Jacob, ORTIZ, Carlos. “Antologia Judaica (Era Rabínica e Moderna)”. São Paulo: Editora Rampa Ltda., 1948. p. 232-234
[58] Para um maior esclarecimento sobre os principais pensadores e ideólogos judaicos, assim como suas origens no plano europeu conferir (respectivamente): GUINSBURG, Jacob, ORTIZ, Carlos. “Antologia Judaica (Era Rabínica e Moderna)”. São Paulo: Editora Rampa Ltda., 1948. p. 232-234; PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997; GHERMAN, Michel. “Ecos do Progressismo: história e memória da esquerda judaica dos anos 30 e 40”. Rio de Janeiro: Mimeo, IFCS, 2000.
[59] GUINSBURG, Jacob, ORTIZ, Carlos. “Antologia Judaica (Era Rabínica e Moderna)”. São Paulo: Editora Rampa Ltda., 1948.
[60] O hassidismo foi uma ideologia religiosa judaica iniciada com Rabi Israel Baal Chem Tov, ou simplesmente Becht, com um caráter acentuadamente antiintelectual. Uma espécie de “ideologia do povo oprimido”, prega que o Tzadik, o justo, líder espiritual deste movimento, tem uma função de resgate do povo sofredor elevando-o da sua condição inferior. Enquanto sistema foi muito popular na Polônia dos séculos XVIII e XIX, que era marcada e dividida por lutas internas, uma política e economia instável e detentora de uma comunidade judaica igualmente instável – que teve de se adaptar a essa situação toda – visto que os judeus não eram um elemento ativo na sociedade, eram a camada social mais baixa começaram a buscar conforto e compensação na religião. Resgatava os elementos da Cabala, mas sem o teor messiânico, e desprezavam a educação. Era tido por uma forma de manter a solidariedade judaica grupal em meio ao sofrimento. Para maiores esclarecimentos Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997. p. 43-48.
[61] Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997. p. 85-90.
[62] O Chibath Zion – movimento proto-sionista que pregava uma ligação afetiva entre judeus e a Palestina – foi um exemplo disto.
[63] Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997. p. 85-90.
[64] Scholem Aleichem (“a paz seja convosco”, em hebraico), é o pseudônimo de um escritor e humorista russo chamado Shlomon Rabinovich. Este deixou uma vasta estante em obras literárias celebrando temas judaicos e, principalmente, um ideal de poesia e judaísmo através da ternura com que construía cenários em suas obras.
[65] Iluminismo judaico. Em suma seus pensadores defendiam a emancipação civil dos judeus, bem como a igualdade jurídica.
[66] Adepto da Haskalá.
[67] Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997. p. 90-96.
[68] Idem.
[69] Bund Fun di Idisch Arbeter in Russ Land un Polin (União Geral dos Operários Judeus da Rússia e Polônia), ou simplesmente Bund. Partido social-democrata russo formalmente fundado em 1897 (oficialmente em 1º de maio de 1898) com intuito de unir o proletariado judeu russo. Cf.: PINSKY, Jaime. “Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Ática, 1997, p. 97-109.
[70] PINSKER apud PINSKY. p. 117
[71] Idem.
[72] Idem, p.118-123.
[73] Idem, p. 121.
[74] Idem, p. 123-144.
[75] Idem, p. 139-140.
[76] Idem, p. 135.
[77] Idem, p. 143.
[78] Idem, p. 152-153.
[79] Idem ibdem.
[80] PINSKY, Jaime. Origens do Nacionalismo Judaico. São Paulo: Ática, 1997, p. 107.
[81] GUINSBURG, J. “O Judeu e a Modernidade”. Perspectiva: São Paulo, 1970.
[82] BOROCHOV, Ber. “Nationalism and class struggle, a marxism approach to the jewish problem”. Greenwood Press Publishers, Westport, 1973.
[83] Cf. PINSKY, op. cit., p. 160-162.
[84] Que segundo o autor é a verdadeira “base positiva de toda existência nacional própria”, uma espécie de ground zero das condições de produção. Explica-se o poder soberano do território (Sión), onde o poder político deveria refletir a homogeneidade cultural, de acordo com uma série de comum de entendimentos políticos historicamente específicos do que satisfaz a nação.
[85] LEON, Abraham. “Concepção materialista da questão judaica”. São Paulo: Global, 1981.
[86] BLAY, Eva Alterman. “Judeus na Amazônia”. In: “Identidades Judaicas no Brasil Contemporâneo”. Rio de Janeiro: Imago Ed., p. 33, 1997.
[87] Aqui nos referimos à construção de um imaginário nacional característico do século XIX, fruto das intenções políticas na utilização da história no Brasil pós-republicano, algo que não existia no século XVI, daí a afirmação que a imigração judaica se iniciou antes mesmo da “invenção” da história da nação brasileira.
[88] Op. cit. p. 38, 50-51.
[89] Fugidos da situação que se aglutinava em Marrocos por conta das disputas imperialistas entre França e Inglaterra, os imigrantes norte-africanos vinham para a região amazonense com intenção de ali se radicarem, visando alargar seus campos de atividades – em especial o mercado de importação/exportação de tecidos, borracha vulcanizada (exploração de seringais) setor em franca expansão nos idos do século XIX no Brasil) e o setor de navegações –, fora a sua inserção na participação de atividades públicas e o exercício de cargos públicos em uma região relativamente remota do país.
[90] Cf. GHERMAN, Michel. “Ecos do Progressismo: história e memória da esquerda judaica dos anos 30 e 40”. Rio de Janeiro: Mimeo, IFCS, 2000.
[91] Parte deste quadro pode ser refletido, também, com a medida tomada por D. Pedro II que instituiu a liberdade de credo religioso no Brasil.
[92] Para maiores detalhes, Cf.: VICENTINO, C. e DORIGO, G. “História do Brasil”. São Paulo: Editora Scipione, 1997, p. 211.
[93] GRIN, Monica, BOSCHI, Renato Raul. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio e Janeiro. “Etnicidade Judaica e as Armadilhas da Contingência”. 1992. Dissertação (Mestrado) – IUPERJ.
[94] LESSER, Jeffrey. “O Brasil e a Questão Judaica”. Imago: Rio de Janeiro, 1995, p. 26.
[95] LESSER, Jeffrey. “O Brasil e a Questão Judaica”. Imago: Rio de Janeiro, 1995, p. 315.
[96] Op. cit., p. 29.
[97]Op. Cit. p. 60-61.
[98] Idem.
[99] MALAMUD, Samuel. “Recordando a Praça Onze”. Rio de Janeiro: Kosmos, 1983, p. 19-22.
[100] Idem ibdem.
[101] Idem.
[102] MALAMUD, Samuel. “Recordando a Praça Onze”. Rio de Janeiro: Kosmos, 1983, p. 20.
[103] Idem.
[104] “Aqueles considerados como apresentando obediências ou interesses externos a uma certa ‘brasilidade’ (termo utilizado correntemente por membros do regime Vargas) vagamente definida representavam um perigo para a sociedade e seus cidadãos”. Cf. LESSER, Jeffrey. “O Brasil e a Questão Judaica”. Imago: Rio de Janeiro, 1995, p. 24.
[105] MALAMUD, Samuel. “Do arquivo e da memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial”. Rio de Janeiro: Bloch, 1983, p. 32-33.
[106] Trabalhadores de Sión – Partido Social-Democrata Judeu.
[107] LAQUEUR, Walter. “História del sionismo”. La Semana Publicaciones, Ltda: Jerusalém-Israel, 1988, p. 234.
[108] LEVACOV, Arnaldo. “Hashomer Hatzair no Brasil: nascimento e desenvolvimento do tnuá no Brasil”. In: http://www.hashomer.org.br.
[109] Idem. Ibdem.
[110] Informação extraída de um trecho da carta (escrita por Mordechai Anilevitch no clímax do levante do gueto de Varsóvia, em 23 de abril de 1943).
[111] BAR-ZOHAR, M. Michel. “Ben Gurion: o Profeta Armado”. São Paulo: Editora Senzala, 1968.
[112] Idem.
[113] “Livro Branco”: política britânica destinada a satisfazer as reivindicações árabes da imigração de 75.000 judeus à região da palestina, distribuídos num período de cinco anos e, posteriormente, a suspensão completa da imigração – salvo acordo com as autoridades árabes. Cf. BAR-ZOHAR, Op. Cit.; e MALAMUD, Samuel. “Do arquivo e da memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial”. Rio de Janeiro: Bloch, 1983.
[114] LEVACOV, Arnaldo. “Hashomer Hatzair no Brasil: nascimento e desenvolvimento do tnuá no Brasil”. In: http://www.hashomer.org.br
[115] Idem.
[116] Trecho de uma carta da Hanagá Rashit do Brasil ao Chile, comunicando o surgimento da tnuá. São Paulo, 27 de agosto de 1945, colhida no arquivo do C.C.M.A.
[117] Idem. Ibdem.
[118] Grifo do transcritor.
[119] Membros e “membras”, respectivamente.
[120] Reunião em fazenda para a preparação da vida no kibutz.
[121] Conselho da liderança do tnuá.
[122] Grupos.
[123] Sede do movimento.
[124] Grifo do transcritor.
[125] Trecho selecionado de uma das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 17 de março de 1946. Assinada por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[126] “Congresso” em hebraico. Havia o interesse por parte do conselho (moatzá) shomer paulista em organizar um Congresso sionista (inspirado nos congressos sionistas do Poalei Tzion) liderado pelos membros da Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro.
[127] Bistritzki é o nome de um poeta argentino, também chaver, que veio auxiliar os jovens cariocas na recém lançada hanagá carioca. As relações entre os jovens brasileiros e argentinos era muito comum, principalmente no início de algum movimento. Alguns deles passavam pelo Brasil antes de fazerem aliá, davam auxílio, material didático, pedagógico, algumas palestras, etc.
[128] Trecho selecionado de uma das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 17 de março de 1946. Assinada por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[129] Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 07 de junho de 1947. Assinada por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[130] Este termo aparece em várias Atas, era uma espécie de indicador o momento intelectual no qual se encontra um ou outro chanich, o que denota que nem todos poderiam exercer papéis de liderança e/ou presença em debates políticos dentro ou fora do movimento sem uma determinada “bagagem” intelectual.
[131] Trecho selecionado de uma das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 7 de junho de 1947. Assinada por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[132] “Grupo de filhos do bosque” seria uma tradução literal, refere-se aos alunos mais novos.
[133] Trechos selecionados das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 19 de abril de 1947 e 03 de maio de 1947. Assinadas, ambas, por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[134] Trecho selecionado de uma das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 03 de maio de 1947. Assinada por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[135] “Trabalhadores de Sion de Esquerda” – Partido político pró-Israel de tendência socialista.
[136] Trechos selecionados das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 19 de maio de 1948 e 20 de dezembro de 1948. Assinadas por Akiba Schechtman e Jaime B. Kaufman, respectivamente. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[137] Keren Kayemet Leisrael.
[138] Comemoração da data de morte de Theodore Herzl.
[139] POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3, p. 3-15.
POLLAK, Michel. “Memória e identidade social”. Estudos Históricos, vol. 5, n. 10, p. 200-212.
[140] THOMPSON, Alistair et alii. “Os debates sobre memória e história: alguns aspectos internacionais”. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 72.
[141] DOSSE, François. “A oposição história / memória”. In: _______. História e Ciências Sócias. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 2004, p. 170.
[142] NORA, Pierre. “Entre a memória e a história: a problemática dos lugares.” Projeto História, nº 10, p. 7-28, dez. 1993.
[143] NORA, op. cit., p. 9
[144] Idem.
[145] O termo “não-dito” aqui utilizado, remete ao utilizado por Michel de Certeau em seu artigo “A Operação Histórica”, no qual estabelece que mesmo possuindo algumas regras “oficiais”, ou programas definidos, ainda existem algumas “normas de conduta” que não constam destes. Estas estão compondo o universo do “não-dito”, pois existem e se fazem presente, sem com isso serem assumidamente “ditas”, ou documentadas. Cf. CERTEAU, Michel de. “A operação histórica”. In: LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. “História: Novos Problemas”. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 3ª ed., 1988, p. 17-48.
[146] NORA, op. cit., p. 14
[147] Idem, p. 8.
[148] O termo “Lugar” foi empregado segundo o conceito de Michel de Certeau para “Lugar Social” de onde se produz o conhecimento historiográfico. Cf. CERTEAU, op. cit., p.18-20.
[149] ROUSSO, Henry. “A memória não é mais o que era”. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005 [6ª Ed.], pp. 93-101, p. 97.
[150] CASSIRER, Ernest. “Ensaio sobre o homem. Introdução a uma filosofia da cultura humana”. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
[151] Ou seja, no plano das idéias (a intervenção aqui é nossa).
[152] CASSIRER, op. cit., p. 285.
[153] Idem, p. 291.
[154] Contribuição nossa.
[155] Idem, p.301-302.
18 WEHLING, Arnos e WEHLING, Maria José. “Memória e história. Fundamentos, convergências, conflitos”. In: _______. Memória Social e Documentos: uma abordagem interdisciplinar. Rio de Janeiro: Universidade do Rio de Janeiro. Mestrado Memória Social e Documento, 1997, p. 9-26.
[157] BÉRGSON apud WEHLING, op cit, p. 13.
[158] DURKHEIM apud WEHLING, op cit, p. 13.
[159] HALBWACHS apud WEHLING, op. cit., 13.
[160] WEHLING, op cit, p. 13.
[161] HALBWACHS, Maurice. “A Memória Coletiva”. São Paulo: Vértice, Ed. Revista dos Tribunais, 1990.
[162] ROUSSO, Henry. “A Memória não é mais o que era”. In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta (orgs.). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p.93-101.
[163] POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, nº 3. p. 3.
[164] ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
[165] ELIAS, op. cit., p.129
[166] Elias iniciou seus estudos acerca da relação entre indivíduo e sociedade quando da elaboração de seu estudo anterior, O Processo Civilizador (dois volumes: vol 1., Uma História dos Costumes, Vol. 2, Formação do Estado e Civilização), quando percebeu, por exemplo, que ao longo de inúmeras gerações o limiar da vergonha e do constrangimento se dava em momentos diversos, ou seja, aquilo que poderia designar vergonha para uma geração nem sempre se caracterizou como um elemento vexatório para uma geração posterior, e vice-versa. Isso denota que ao crescerem como indivíduos, os membros de uma geração tinham que se adaptar a um padrão de vergonha e constrangimento (seguindo o exemplo contido no segundo volume de sua obra supracitada) posterior ao das pessoas de gerações precedentes – bem como os movimentos no sentido oposto também eram possíveis. Isso deixava evidente para o autor que a posição na qual um indivíduo ingressava no fluxo do processo social, ao longo de seu desenvolvimento, influenciava diretamente essa mudança no repertório de padrões sociais de auto-regulação que este tem de desenvolver dentro de si enquanto indivíduo único; estes padrões são regulados e são específicos de cada geração e, por conseguinte, de cada sociedade. Para maiores detalhes ver ELIAS, Norbert. “O Processo Civilizador – Vol. I: Uma História dos Costumes”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1990; e ELIAS, Norbert. “O Processo Civilizador – Vol. II: Formação do Estado e Civilização”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.
[167] ELIAS, op. cit., p.166.
[168] VELHO, Gilberto. “Memória, Identidade e Projeto”. Rev. TB, Rio de Janeiro, 95: 119/126, out.-dez., 1998.
[169] VELHO, Op. Cit. p. 120.
[170] Idem, p. 124.
[171] Idem Ibdem, p. 125.
[172] ROUSSO apud POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3., p. 10.
[173] POLLAK, op. cit., p. 11.
[174] POLLAK, op. cit., p. 8.
[175] O texto completo (e ampliado) desta aula inaugural foi publicado em 1971. Ver FOUCAULT, Michel. “A Ordem do Discurso. Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970”. 11. Ed. São Paulo: Loyola Edições, 2004.
[176] BOURDIEU, Pierre. “A Economia das trocas lingüísticas. O que falar quer dizer”. São Paulo: Edusp, EDUSP: São Paulo, 1996.
[177] BOURDIEU, op. cit., p.87
[178] Depoimento cedido por Moysés Glat a Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[179] Holocausto.
[180] Depoimento cedido por Moysés Glat a Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[181] Idem.
[182] Excerto retirado do mesmo depoimento supramencionado.
[183] Depoimento cedido por Moysés Glat à Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[184] Hobonim Dror
[185] Depoimento cedido por Moysés Glat à Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[186] A quinta na história do país.
[187] MENDONÇA, Sônia Regina de. “As bases do desenvolvimento capitalista dependente”. In: LINHARES, Maria Yedda (org.). “História geral do Brasil.” Rio de Janeiro: Campus, 1990, p.249.
[188] Refere-se a aliança política firmada entre PSD (Partido Social Democrata) e UDN (União Democrática Nacional) a partir de 1947, que configurou a base de sustentação no Congresso Nacional do Presidente, recém eleito, Eurico Gaspar Dutra – pela coligação PSD/PTB. Sua comparação é feita pois no PSD, o maior de todos os partidos, a indefinição era a norma, uma vez que seus líderes estavam dispostos a aceitar qualquer proposta que os mantivesse no proscênio político, como “chefes” e “caciques” dos currais eleitorais no país. Para maiores detalhes, Cf. SKIDMORE, Thomas. “Brasil: de Getúlio a Castelo.” 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
[189] Depoimento cedido por Moysés Glat à Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[190] Em uma tradução, seria algo como “realização pessoal pelo ato de (ou através do) trabalhar a terra, com as próprias mãos” – sua conotação era mais voltada à simbologia do construir o Estado de Israel com as próprias mãos, daí que os shomrim iam construir os kibutzim. E, logo, era vetada a exploração do trabalho alheio por qualquer um.
[191] Depoimento cedido por Moysés Glat à Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[192] Depoimento cedido por Moysés Glat à Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[193] Respectivamente: a páscoa judaica, o dia do perdão, o ano novo judaico.
[194] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[195] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[196] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[197] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[198] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[199] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[200] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[201] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[202] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[203] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[204] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[205] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[206] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[207] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[208] Depoimento cedido por Moysés Glat a Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[209] Depoimento cedido por Moysés Glat a Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[210] BOURDIEU, Pierre. “A Economia das trocas lingüísticas. O que falar quer dizer”. São Paulo: Edusp, EDUSP: São Paulo, 1996, 82-83.
[211] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[LB1]Rousso é sociólogo?
Rio de Janeiro
2005
Andre de Lemos Freixo
O movimento juvenil Hashomer Hatzair (“Jovem Guarda” ou “Jovens Guardiões”) encontra-se inserido em um quadro muito amplo que conhecemos como as “esquerdas judaicas”. Esse quadro se mostra amplo frente à grande pluralidade de ideologias e grupos políticos da comunidade judaica no Brasil e no mundo. Em particular, suas propostas de ação são balizadas pelo ideais do sionismo político aliados à utopia socialista de finais do século XIX, e encontram seu significado e sua realização na aliá[3] para a vida num kibutz.
A partir de jovens militantes, adeptos de tais ideais, pequenas organizações e reuniões, compostas pelos futuros líderes da Hashomer Hatzair carioca, vão tomando espaço entre 1944 e meados de 1945, principalmente após a saída de Getúlio Vargas[4] e o conseqüente fim das perseguições aos judeus (de esquerda) no Brasil. Porém, este movimento só irá iniciar seu estabelecimento no Rio de Janeiro entre fins de 1946 e meados de 1947, tomando sua forma final e amplos quadros após 1948, dentre outras, pelo grande clima de otimismo político no seio da comunidade sionista carioca após a independência do Estado de Israel. O movimento irá encontrar uma estabilização institucional no Rio de Janeiro por volta de 1952.
Após o contato dos chaverim (membros) Moysés Glat, Jorge Gandelsman, Abraham Levandovsky, e da chaverá (“membra”) Lina Fichman, dentre outros, com o movimento de São Paulo em fins de 1946 – que os levou a participar da moshavá (reunião de preparação para a vida no kibutz, em uma fazenda coletiva) paulista – uma assefá (assembléia) foi instaurada visando delimitar as prerrogativas do movimento a ser fundado no Rio de Janeiro. Esta se realizou na Biblioteca Israelita Chaim Nachman Bialik, usual ponto de encontro e discussão sionista-socialista carioca. Alguns dos membros que assumiram destaque nesta assefá, de início, foram o jovem chaver Paulo Geiger e o menahel (dirigente) Moysés Glat. Geiger inclusive propõe que o tnuá funcionasse, a exemplo da vertente chilena, de maneira progressiva (kidmá), onde, através de etapas propedêuticas, seriam expostas as ideologias shômricas (relacionadas ao movimento shomer) aos jovens membros[5].
Um dos principais objetivos do movimento era formar jovens conscientes da necessidade de se construir o Estado de Israel, através da militância sionista política. Seu mais nítido exemplo disso está na aliá (imigração para Israel) ao “final do curso”. Nesta, o shichvá de bogrim (grupo de jovens de 20 aos 21 anos – os mais velhos dentro do movimento) vai para o kibutz completar sua “realização pessoal” (Hagshamá Hagshmit) e participar da construção do Estado de Israel. Esta “realização” seria através da vida num kibutz, local onde o ideal socialista da vida comunal seria vivido na prática, em Israel, onde se daria a realização do ideal nacional judaico.
Suas propostas de ação oficiais eram: a não-intervenção na política brasileira, visando dar ênfase ao sionismo político e à importância de Israel dentro do movimento – uma das características que o tornam um movimento unificado em torno de suas propostas, mesmo em diferentes países do mundo; o judaísmo como cultura; a não participação de nenhuma atividade política externa ao tnuá; o humanismo e o socialismo como ideologias. Suas relações com Israel se davam, através de algumas relações com o partido operário israelense Mapam[6] (atualmente ele não existe mais como um partido, estando ligado a coalisão Meretz[7] – de maior representatividade política em Israel) e através da federação Kibutz Artzi[8].
Além disto, o trabalho do movimento está voltado à educação informal. Isso significa que o tnuá tem uma proposta pedagógica própria. Através de seu sistema de shichvot (grupos separados por idade) eles separam os mais jovens dos mais velhos e organizam-se de forma a contar sempre com os próprios jovens como educadores. Suas principais atividades são as machanot (acampamentos) onde são praticadas atividades como o escotismo, danças e cantos em hebraico.
No Rio de Janeiro este movimento foi ganhando uma representatividade muito grande no cenário sionista da antiga capital nacional, em especial após a independência de Israel, em 1948. Inicialmente atuando apenas no Colégio Hebreu-Brasileiro, como primeira “sede”, os jovens sionistas-socialistas foram ganhando muito terreno, e, ao longo dos anos, o movimento chegou a contar com três sedes só no Rio de Janeiro: uma na Tijuca, outra no Flamengo e uma em Madureira. Atualmente sua sede fica na Rua das Palmeiras, em Botafogo. No mundo, o movimento encontra sedes em dezenove países, a saber: Israel, Hungria, EUA, México, Venezuela, Brasil, Chile, Uruguai, Argentina, França, Bélgica, Suíça, Itália, Áustria, Inglaterra, Austrália, Rússia, Ucrânia e Bulgária.
Nesse prisma, visando entender um pouco mais sobre a história deste movimento, que nos é tão pouco conhecida, utilizamo-nos de depoimentos de membros que participaram ativamente no movimento neste período (décadas de 1940/50), quando de sua fundação no Rio de Janeiro, buscando compreender e aliar suas experiências compartilhadas à História do movimento, no que denominamos aqui como sua primeira geração.
FONTES
Para esta empreitada, disponibilizamo-nos de um acervo documental e de fontes restrito, porém precioso. Este é composto por relatórios de trabalhos da imprensa alternativa (pequenas publicações de distribuição interna no movimento de caráter jornalístico e pedagógico[9]), bem como de Atas de reuniões, “fundação” e desenvolvimento do tnuá, fotografias, e, principalmente, dos depoimentos de ex-membros (encontrados sob a forma de CDs, fitas e transcrições). Nestes depoimentos encontram-se duas fontes valiosas: as memórias de dois personagens fundamentais que viabilizaram nossos estudos: Moysés Glat e Paulo “Pinchas”[10] Geiger.
Com este segundo personagem, encontramos através de seus dois depoimentos (cordialmente cedidos a nós) elementos que nos levaram a crer que ele representa de maneira única e inequívoca a memória “eleita oficial” pelo movimento em questão. E mais ainda que ele representa o “porta-voz autorizado” pelo movimento. Aqui é onde se encontram nossas mais preciosas fontes para esta monografia, pois, dos testemunhos de Geiger aliados ao depoimento de Moysés Glat, constituiremos um quadro mnemônico onde trabalharemos a relação entre memória e história, bem como analisaremos esta “eleição” do “porta-voz” para o movimento. Mas isso será mais bem elucidado quando voltarmos a esse ponto mais a frente, no Capítulo 4 desta monografia.
O principal a se saber aqui é: não foi apenas a análise dos depoimentos de Geiger que nos levou a configurar sua persona como sendo um porta-voz autorizado, mas também, que de todos os envolvidos com o Hashomer Hatzair (membros ou ex-membros do movimento, amigos e até “inimigos” políticos à época em questão) com os quais entramos em contato ao longo da pesquisa foram unânimes: “Paulo Geiger é o mais indicado a lhe falar sobre o assunto!”, diz Moysés Glat; “Vocês já conversaram com o Geiger? Ele é muito bom para lhes contar a história do Shomer!”.
Dessa forma, surgem as seguintes questões: por que seu nome se fez tão presente na história desse movimento de maneira que, por vezes, um se confunde com o outro? Como a memória de um indivíduo torna-se tão efetiva na construção de uma identidade social, que esta passa a ser uma referência coletiva aos que, daquela época e em épocas subseqüentes, tomam-na como fundamental (e por vezes inseparável) à memória do grupo?
Através da metodologia da “história oral” (que conste nossa oposição à utilização deste termo, que aqui será empregado exclusivamente com fins didáticos[11]) – especialmente no que tange a histórias (e trajetórias) de vida – e principalmente, dos recursos teórico-metodológicos disponíveis no campo (histórico e sociológico) de estudos da “memória” pudemos atrelar estas questões ao cerne desta monografia. Conceitos como os de memória “individual”, “coletiva”, ou “balanceada”; “enquadramento de memória”, “projeto”, “identidade”, “silêncio e esquecimento”, “porta-voz autorizado”, etc., serão analisados e discutidos ao longo deste trabalho como forma de argumentar nossa questão, que gira em torno de nossa personagem – Paulo Geiger – como o “porta-voz” oficial da memória shomer carioca. Bem como iremos aventar um esboço do “balanceamento[12]” proposto entre a memória shomer “oficial” (ou seja, a eleita pelo coletivo como oficial e delegada ao seu “porta-voz”) à memória de outro personagem: Moysés Glat. Este foi fundador da primeira kvutzá (grupo) do movimento no Rio de Janeiro, e é um personagem que surge constantemente nas Atas de reuniões e de “fundação”. Do surgimento de gaps no que tange a criticidade com a qual o movimento constrói sua memória, que serão muito abordados no depoimento de Glat, emerge nossa necessidade (em termos historiográficos) de uma análise destas memórias em prol da história do movimento.
Porém, antes de qualquer outra análise, é necessária uma breve alusão ao nosso entendimento acerca da fecundidade metodológica da “história oral”, tão cara à nossa pesquisa.
MÉTODOS
Trabalhamos desde o início com a certeza de estarmos lidando com uma metodologia quando nos referimos à história oral. Esse entendimento vem da concepção de que se uma história estabelece e ordena procedimentos de trabalho, funcionando como élan entre teoria e prática – suscitando questões, as quais está inapta a solucionar independentemente, ou seja, sem o auxílio da teoria da história –, esta “história” está no campo da metodologia[13].
Janaína Amado e Marieta Ferreira, em sua compilação de artigos “Usos e Abusos da História Oral”[14], estabelecem de maneira clara essa colocação ao afirmarem:
“Soluções e explicações devem ser procuradas onde sempre estiveram: na boa e antiga teoria da história. Aí se agrupam conceitos capazes de pensar abstratamente os problemas metodológicos gerados pelo fazer histórico. (...) sendo uma metodologia, a história oral consegue enunciar perguntas (...); mas exatamente por ser uma metodologia, não dispõe de instrumentos capazes de compreender os tipos de comportamentos descritos (bastante comuns aliás). Apenas a teoria da história é capaz de fazê-lo, pois se dedica, entre outros assuntos, a pensar os conceitos de história e memória, assim como as complexas relações entre ambos. (...) A interdependência entre prática, metodologia e teoria produz o conhecimento histórico; mas é a teoria que oferece os meios para refletir sobre esse conhecimento, embasando e orientando o trabalho dos historiadores, aí incluídos os que trabalham com as fontes orais.”
Assim, fazendo de suas palavras as nossas, concluímos que temos não uma “nova”, “outra”, ou “diferente” história como muitos críticos tentaram invocar, por vezes de maneira bem complexa. Temos a História. Esta “história oral”, ou das fontes orais, tem para com a dita “tradicional” os mesmos compromissos em termos de etapas, fases e procedimentos do exame histórico. E essa tem, aí sim, “novas” fontes, “outros” objetivos, “diferentes” questões, e, principalmente, suscita um novo enlace entre o historiador e seu objeto.
De uma maneira geral a história oral visa estudar e entender a vida cotidiana de um elemento dentro de um grupo estabelecendo uma relação entre vida e História. Para obter sucesso em tal processo é necessário aliar história oral à histórias de vida, que, segundo Lígia M. L. Pereira[15],
“São o relato de um narrador sobre sua existência através do tempo, com a intermediação de um pesquisador. É um trabalho coletivo de um narrador-sujeito e de um intérprete. (...) apresentam melhores condições de enfrentar o aspecto lacunar das biografias, justamente pela possibilidade de abordar aspectos da vida privada valendo-se do fato de que os vestígios de que o pesquisador se utiliza não são fixos. Sendo a fonte um sujeito vivo, pode ser mais bem explorada e questionada.”
Em uma palavra, nas récit de vie há necessidade do historiador (investigador/ intérprete) em interagir como um elemento de seleção (ou “filtragem”) daquilo que lhe foi apresentado sob a forma de autobiografia (depoimento ou testemunho onde o narrador – sujeito/ depoente – seleciona e edita sua fala de acordo com a sua própria memória). É sabido (porém nunca é demais rememorar) que o historiador irá selecionar (ou filtrar) aquilo que, diante de suas prerrogativas, ou dentro do contexto histórico estudado, melhor se encaixarem. Isso figura um trabalho de fontes como qualquer outro.
Porém, ao trabalhar com “histórias de vida”, podemos nos defrontar com alguns problemas: os “acidentes”, que Pierre Bourdieu[16] nos denuncia como “ilusões retóricas”[17]. E que, para tentar evitar este equívoco, nos propõe a noção de “trajetória”. Com esta noção ele sai do âmbito exclusivo do indivíduo e o insere em seu meio, ou seja, a “trajetória” do indivíduo passa a ser avaliada e analisada de acordo com a sua atuação social frente a outros indivíduos dentro de um determinado momento histórico.
Os conceitos para histórias e trajetórias de vida nos foram de uma importância ímpar neste trabalho, uma vez tivemos por objetivo analisar histórias de vida (através de relatos biográficos) em termos significativos, ou seja, compreender sua representatividade sobre as possibilidades que tangenciam o campo social dentro do qual este personagem constrói sua memória.
Todavia, das análises de autores como Pierre Bourdieu[18] e Giovanni Levy[19], encontramos os dados e o debate que nos serviram de ponto de partida para um posicionamento propriamente nosso, ou melhor, “nosso” no que diz respeito a análise de nosso atual objeto. No primeiro caso, como mencionado anteriormente, Bourdieu ressalta que à “vida” não corresponde uma categoria ordenada, tampouco a um “(...) conjunto coerente e orientado, que pode e deve ser apreendido como expressão unitária de uma ‘intenção’ subjetiva e objetiva de um projeto (...). Essa vida organizada como uma história transcorre, segundo uma ordem cronológica que também é uma ordem lógica, desde um começo, uma origem, no duplo sentido de ponto de partida, de início, mas também de princípio, de razão de ser, de causa primeira, até seu término, que também é um objetivo.[20] Logo, para Bourdieu, a crença numa vida analisada como tal configura uma ilusão “retórica”. Essa ilusão nas biografias adviria do fato de que nenhuma vida é estática, portanto, qualquer pretensão histórica sobre um relato de vida só poderá ser efetiva se consideradas as condições em relação ao espaço social de onde esse ator nos fala. Ou seja, a história de vida conduziria a elaboração de uma “trajetória”, na medida em que, nesse discurso, poder-se-ia estipular uma série de diferentes posições sucessivamente ocupadas pelo ator em questão ao longo de sua vida.
“Tentar compreender uma vida como série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um ‘sujeito’ cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede (...). Os acontecimentos biográficos se definem como colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo considerado.” (BOURDIEU, op. cit. p.189-190)
Com isso, Bourdieu fecha sua análise caracterizando que para se compreender qualquer trajetória de vida é necessário, antes, uma compreensão do quadro social (campo sociológico ou “superfície social”) no qual essa trajetória está inserida, e segundo o qual esta se torna inteligível.
Acrescentando muito a este debate temos também a análise de Giovanni Levy. Nesta, o autor acrescenta alguns pontos interessantes à análise previamente pontuada por Bourdieu exatamente onde corrobora a noção para “ilusão” no que diz respeito às utilizações errôneas das biografias pelos historiadores. O ponto mais importante de Levy é o seu entendimento sobre “o caráter intersticial da liberdade de que dispõem os agentes”[21], bem como o funcionamento concreto dos sistemas normativos “que jamais estão isentos de contradições”[22]. Isso significa que, para Levy, todo indivíduo possui um determinado índice de liberdade que se origina das incongruências e incoerências dos seus ambientes sociais, que resultam numa busca por mudanças. Dessa forma, a importância das biografias, para este autor, residem justamente na função descritiva destas incongruências estruturais que figuram à vida de todos os indivíduos. Em suma, Levy buscou um caminho alternativo às interpretações das biografias, que parece dar margem aos indivíduos de poderem participar efetivamente das ações, o que amplia o universo de atuação destes para além das estruturas, situando-os, assim, como elementos com o poder de “agir” em suas vidas e não somente “reagir” frente às estruturas.
PANORAMA BIBLIOGRÁFICO
Ao analisar nosso objeto pudemos encontrar algumas obras que melhor nos guiaram nesse caminho, bem como abriram amplos horizontes no que tange à referências, facilitando em muito nossa tarefa. A primeira delas foi “As Origens do Nacionalismo Judaico”, onde Jaime Pinsky[23] reavalia a construção do ideal nacional para os judeus na Europa desde a remota Idade Média até as portas do século XXI. Críticas às argumentações de autores fundamentais ao estudo do sionismo, como Theodore Herzl[24], por exemplo, onde levanta questões cruciais, bem como seus pontos principais, analisando-a de forma a concluir ser cheia de falhas, equívocos, e, falsas propostas de ação – como a idéia de que Herzl foi um grande pensador para o povo judeu, quando o que ele buscava era apenas um canal de escoamento da mão de obra judaica para fora da Europa[25]. Bem como uma análise pormenorizada da obra de Dov Ber Borochov, o principal ideólogo a unir o sionismo político proposto por Herzl ao socialismo marxista de uma maneira funcional, materialista e dialética. Borochov compreendeu o marco fundador da ideologia que serviu de alicerce estrutural à fundação ideológica do Hashomer Hatzair.
Outra obra que nos foi de imenso auxílio foi a monografia de final de curso de Michel Gherman[26], “Ecos do Progressismo: história e memória da esquerda judaica dos anos 30 e 40”. Nesta, Gherman faz um levantamento minucioso acerca das influências teóricas e das diferentes vertentes da esquerda judaica no Rio de Janeiro do período em questão, buscando, assim como nós, aliar sua pesquisa a depoimentos orais. Constrói um quadro plural da situação dos judeus na Europa ao longo dos séculos XVIII e XIX, separando-os intelectualmente de acordo com suas origens, não meramente por algum determinismo geográfico, mas sim pelas estratégias de líderes que surgiram em diferentes regiões influenciados por diferentes marcos teóricos e/ou religiosos; estes poderiam ser de origem oriental, central e ocidental. Para tal empreitada, utilizou-se, dentre outros, do conceito de attractio eletiva, que já figurara nos escritos Max Weber e Goethe. Apropriado por Walter Benjamim e, sob a pena Michel Löwy[27], foi adaptado ao estudo da intelectualidade judaica na Europa.
Com isso buscou os reflexos dos fluxos de imigração destas regiões (em especial da Europa oriental) em suas estratégias de adaptação no Brasil (que foi um dos alvos principais destes imigrantes a partir da década de 20) bem como da opção pelo referencial socialista.
Um artigo publicado na revista israelense “Studies in Zionism” sob a assinatura de Dvora Hacohen[28], “Mass Immigration and the Israeli Political Sistem, 1948-1953”, nos brinda com um quadro muito preciso acerca da situação do moderno Estado Israel quando da sua fundação, em termos do boom imigracional que ocorreu sob a fundação de um comitê para imigração e absorção criado pelo Mapai[29], partido político de Israel que assumiu a responsabilidade pela mudança radical (e rápida) do quadro demográfico judaico no recém criado Estado[30]. Hacohen trabalha, também, com o fato de que o Mapai (partido de David Ben Gurion) acreditava e depositava suas esperanças na altíssima capacidade dos kibutzim de absorver imigrantes judeus, porém, com a fundação do Mapam, partido trabalhista de esquerda em janeiro de 1948[31], Hacohen afirma que os kibutzim, que já não seguiam mais a liderança do Mapai, passam a se definir cada vez mais com o Mapam, o que dá uma força muito grande ao recém fundado partido. Este é o mesmo partido irá auxiliar a fundação de “granjas” (ou pequenos acampamentos) preparatórias para a aliá dentro do movimento analisado como objeto proposto nesta monografia.
Arlene Clemesha, em sua obra “Marxismo e Judaísmo”[32], também é considerada nesta monografia como sendo de uma importância vital. A autora destaca a união de duas formas de se entender o mundo, a questão cultural judaica aliada à ideologia marxista. Ao trabalhar esta relação, a autora, consegue estabelecer um vínculo entre realidade e ideologia da “questão judaica” proposta por Karl Marx em sua obra homônima, afirmando que não se pode buscar uma “resposta” monolítica (leia-se ortodoxa) nos escritos de Marx, uma vez que a realidade, dos povos judeus (sempre plural) no caso, é histórica, e como tal muda de acordo com seu tempo histórico, assim como as “respostas” procuradas para tais questões. Elas devem acompanhar as “vicissitudes da história”.[33]
Sua obra tem uma importância muito grande no presente trabalho, pois lida com a situação dos judeus na Europa ocidental oferecendo-nos um retrato do anti-semitismo[34] (na França em especial, encabeçado pelo Caso Dreyfuss[35]) como não sendo um recurso exclusivo das direitas e suas extremas, e redundando no surgimento do movimento sionista político de Theodore Herzl, que será revisto pelo movimento Hashomer Hatzair anos mais tarde sob a já citada influência dos escritos borochovianos.
Além destas, algumas outras obras foram de fundamental importância neste projeto no que tange à compreensão do fenômeno da imigração judaica para o Brasil, e para o Rio de Janeiro em especial. A primeira obra visa um espectro mais amplo e é uma coletânea de artigos organizada por Bila Sorj (UFRJ) intitulada “Identidades Judaicas no Brasil Contemporâneo”[36]. Nesta obra os artigos assinados por Mônica Grin; Bernardo Sorj; Eva Alterman Blay; Roberto Grün; bem como da própria Bila, oferecem um livro que contribui para nosso entendimento da identidade cultural dos povos judeus dentro da sua pluralidade, visando com isso uma elucidação acerca da formação e transformação da comunidade judaica no Brasil.
De início iremos destacar o artigo de Mônica Grin, “Diáspora Minimalista: a crise do judaísmo moderno no contexto brasileiro”[37]. Neste artigo, a professora do departamento de História do IFCS/ UFRJ, delimita questões importantes no que se refere à construção da comunidade judaica ashkenatzim[38] no Rio de Janeiro, dado serem as lideranças políticas da época, em sua maioria, de tal origem. Para tal empreendimento, ela fez uso do conceito de “modernidade judaica” ou “judaísmo moderno”[39] de Bernardo Sorj, conceito que será importante na delimitação do terreno sócio-cultural ocupado pelos primogênitos de uma geração de imigrantes ashkenatzim, que nós aqui destacaremos como a geração que irá fundar a vertente carioca do Hashomer Hatzair.
Seu ponto fundamental nesta análise é o estudo da Federação Israelita Brasileira do Rio de Janeiro. Esta instituição é compreendida como sendo (em tese) uma mediadora entre dinâmicas étnico-políticas da comunidade judaica carioca. Grin defende a hipótese de que esta mediação se deu de maneira diversa, onde esta organização buscava a manutenção de um caráter plural do judaísmo (entendido sob a perspectiva moderna), na tentativa de “proteger” este judaísmo “contra os rompantes normativos tanto do sionismo, fortalecido com a fundação de Israel, quanto da ala conservadora da liderança que tentava impor, desde a década de 20, o modelo de Kehillá[40] à comunidade judaica do Rio de Janeiro.”[41]
A importância deste artigo em nossos estudos se dá no entendimento da dinâmica social, política e ideológica da comunidade judaica do Rio de Janeiro dentro do recorte cronológico das décadas de 1940-1950 (sendo que se encontraria ainda na “primeira fase”, de 1945-1960, como proposto por Grin[42]), momento do surgimento e da instalação em caráter oficial do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro.
Samuel Malamud possui duas obras também entendidas como vitais na elaboração deste trabalho: “Do Arquivo e da Memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial” [43] e “Recordando a Praça Onze”[44]. No primeiro, Malamud se preza a fazer uma contribuição à história do sionismo no Brasil. Compila um livro que traça todo o percurso da ideologia sionista desde suas origens na Europa até sua chegada no Brasil. Passa por todo tipo de instituição que, porventura, tenha se dito sionista no Rio de Janeiro, fazendo um histórico completo do período proposto à esta monografia (décadas de 1940 e 1950 no Rio de Janeiro), no que se refere a sionismo.
Busca, a reconstrução da memória da Praça Onze, local onde residiam inúmeras famílias de origem judaica, funcionavam dezenas de casas comerciais e pequenas oficinas com donos judeus, bem como algumas das principais instituições filantrópicas onde eram realizadas atividades culturais, sociais, recreativas, religiosas, etc.. Nesta mesma Praça Onze e, obviamente, seus arredores – como as ruas Senador Eusébio e Visconde de Itaúna que se estendiam, aproximadamente, da Praça da República até proximidades da Praça da Bandeira – Localizadas entre o Centro e a Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro – encontrava-se o Centro Operário Morris Vitschevisky, a Biblioteca Scholem Aleichem (Bib.S.A.) – uma das principais instituições culturais (e “redes de solidariedade”) da comunidade judaica carioca –, que, após 1928, passa a ter uma orientação “progressista”, ou em termo utilizado pelo próprio Malamud: “orientação pró-soviética”[45]; a Hatchya, dissidência da Bib.S.A. por razões político-ideológicas, que futuramente mudaria de nome para Biblioteca Israelita Chaim Nachman Bialik, e tinha associados ligados ao sionismo-socialista, inclusive os principais dirigentes da Hashomer Hatzair encontravam-se lá com freqüência, como nos informam os depoentes.
Ainda no que tange a Imigração judaica para o Brasil, a obra de Jeffrey Lesser[46] “O Brasil e a Questão Judaica” nos forneceu um estudo amplo, diverso e de uma erudição ímpares. Através desta sua ampla abrangência pudemos balisar alguns pontos sobre a imigração judaica para o Brasil, que será melhor trabalhada em nosso segundo Capítulo.
Do estudo calcado em tais obras, pudemos atrelar nosso objeto a um cenário político, cultural e social da comunidade judaica carioca muito interessante, principalmente no que diz respeito ao momento da instalação do movimento juvenil Hashomer Hatzair nesta cidade.
CAPÍTULO II:
O IDEAL QUE IMIGROU: ORIGENS E HISTÓRIA DA HASHOMER HATZAIR NO RIO DE JANEIRO
A saber, sionismo não é um desígnio moderno. Por “sionistas” entendiam-se todos aqueles que, em algum momento da história do judaísmo, voltaram suas forças para um retorno do povo judeu a terra de Zión[47]. Há notícias de movimentos de reconquista (ou “sionistas” – embora o termo aqui esteja mal colocado, pois os mesmos não se denominavam desta maneira, funcionando apenas em termos didáticos) da “Terra Prometida” desde os séculos XII ao XV[48], voltado a lutas armadas e tentativas violentas de retomada, porém, somente no século XIX esse tipo de mobilização ganhou formato político e não belicista. É preciso deixar claro que em todos os momentos da história da diáspora houve a imigração de indivíduos ou pequenos grupos para a palestina visando a sua instalação na “Terra Prometida”, mesmo que em números não muito significativos. Mas esse movimento somente ficou politicamente conhecido por “sionista” a partir do século XIX. Dessa forma, o movimento político sionista será uma “construção” da Era Moderna.
Na Europa dos séculos XVIII e XIX muitas são as formas de violência que atingem os povos judeus ali dispersos desde fins da Idade Média. Desde há muitos séculos até o momento as relações entre judeus e não-judeus na Europa tem sido, na maioria das vezes, de extrema agressividade. Isso se deu, em parte, devido ao preconceito e também às condições de vida dos povos judeus, sempre cerceados por leis restritivas ou obrigados a viver sob os muros dos “pré-guetos”, como veremos mais a frente.
Isso acarretou, inclusive, em um certo clima de “incerteza”[49] dentro do seio das comunidades judaicas na Europa (sempre divididas e muito plurais). Um receio quanto ao “ser judeu”, por parte daqueles que almejavam ser “assimilados” dentro das sociedades européias[50].
Após o triunfo da Revolução Francesa, e com o constante desaparecimento do feudalismo na Europa, muitos destes judeus que, primordialmente na Europa ocidental, ansiavam por ser “adotados” pelas nações dos países onde residiam, viram-se cada vez mais próximos deste objetivo. Essa “assimilação” não era muito comum[51], mas para algumas famílias mais abastadas, poderia significar o fim das perseguições e a tão almejada, “inserção” social num âmbito não unicamente social, como também nacional. Isso constituiria um sentimento de pertencimento pátrio que os judeus não puderam conhecer ao longo dos séculos em sua dispersão.
Na Europa oriental, os judeus eram obrigados a morar em “zonas residenciais” agrícolas – os já citados “pré-guetos” –, de onde só poderiam sair alguns comerciantes e artesãos (sob as penas da Lei), apenas durante determinados períodos do ano, onde fosse comprovado ser estritamente necessário deixar essas regiões para compra de matéria-prima ou venda de seus produtos[52]. Legados à chaga de serem eternos estrangeiros onde quer que fossem, não tinham o direito a nada. Este quadro, como vimos anteriormente, começou a mudar, e, com o avanço da industrialização e do capitalismo – em decorrência do já mencionado declínio feudal –, muitos judeus abandonaram essas “zonas residenciais”[53] e se dirigiram aos centros urbanos, localizados no ocidente europeu, produzindo um verdadeiro “êxodo rural judaico”.
À guisa de exemplificação podemos citar um caso russo, onde o Czar Alexandre II (1855-1881), destrói os shtetl[54]. Estes são substituídos pelos “guetos” (propriamente ditos). Todas as “vantagens” uma vez concedidas aos judeus, sob a forma de benefícios a estrangeiros vivendo em suas terras, são agora retiradas. Dessa forma, os judeus fogem dos campos e buscam nas cidades alguma forma de subsistir. O quadro que se instala é crítico, pois uma mão-de-obra artesanal e camponesa, sem especialização alguma, senão para com os trabalhos do campesinato, agora encontra-se na área industrial (e em vasta abundância), rumando para os novos ramos da industrialização e se dirigindo aos centros urbanos; seu custo é inferior à mão-de-obra dos operários russos. Gera-se violência: organizações paramilitares de repressão aos judeus (os pogroms) dizimaram milhares de judeus trabalhadores sob o “argumento” de estarem roubando seus empregos. Atualmente suspeita-se que muitos destes pogroms eram organizados pelos líderes do governo central na Rússia[55].
Este quadro de violência e repressão anti-judaica reflete a Europa e a sua relação com os judeus nos idos do século XIX. E, numa análise a posteriori, podemos destacar que, um dos elementos que legava aos judeus tamanha animosidade era o fato de, além do preconceito, eles serem sempre considerados estranhos em uma terra alheia, não importando qual fosse a terra, onde quer que eles estivessem, e por quanto tempo eles estivessem ali, eram sempre taxados de estrangeiros.
Esse tipo de sentimento, grosso modo, permeou a vida e as mentes daqueles que iriam constituir uma intelectualidade judaica, fruto de algumas décadas de contato entre os judeus que vinham do oriente e a cultura européia ocidental, o que possibilitou novos caminhos para o pensamento judaico, em especial pelo envolvimento com os ideais humanistas e iluministas[56]. Logo, a Haskalah (ou o “Iluminismo judaico”) passou a propagar a importância deste tipo de integração entre a cultura judaica e a européia, e temas como o resgate do hebraico (o idioma antigo), a literatura hebraica moderna, etc., levaram estes a trilhar novos rumos em termos ideológicos que, futuramente, irão, dentre outros, se materializar através do movimento sionista político moderno.
Neste momento surgem os primeiros focos religiosos, políticos e ideológicos de uma intelectualidade judaica menos beligerante, que vêm incentivar e motivar a criação do pensamento sionista moderno, como forma de solucionar o problema judeu de maneira mais coerente e efetiva.
Achad Haam (ou “um do povo” – pseudônimo de Asher Guinsburg[57]), Shimon Dubnow, Theodore Herzl, Ber Borohov e Leon Pinsker, apenas enumerando cinco dentre tantos outros, foram os principais pensadores a levantar a questão judaica e olharem-na sob o viés ideológico, político e, em alguns casos, até messiânico[58].
Iremos apresentar aqui, de forma sucinta, alguns traços dos ideários defendidos pelos pensadores citados anteriormente. Isso se deve, prioritariamente, à grande diferença dos discursos entre si – por vezes diferenças estruturais – e à sua forte influência nos debates que seriam os alicerces de fundação do que viria a ser o sionismo político militado pelos shomrim do Hashomer Hatzair na Europa, décadas mais tarde, ou, no mínimo assunto debatido em muitas de suas discussões e debates intelectuais sobre o “caminho” a se seguir, o que será imprescindível ao entendimento das bases ideológicas que permitiram a aliança entre o sionismo político moderno e socialismo.
Devemos alertar que, devido à grande intensidade de material para discussão advinda desses pensadores, iremos ater-nos somente às idéias principais e suas principais divergências, tomando como base para essa análise as obras de Jaime Pinsky – “Origens do Nacionalismo Judaico” –; Jaco Guinsburg e Carlos Ortiz[59] – “Antologia Judaica (Era Rabínica e Moderna)”; e Samuel Malamud – “Do arquivo e da memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial” –, visando com isso elucidar possíveis questões acerca deste tema. Manteremos em pauta que uma discussão muito pormenorizada do mesmo daria um tom prolixo ao presente trabalho, visto que esse não é seu objetivo primevo. Entretanto, analisar o berço do pensamento do qual proveio o movimento sionista moderno (que fundamentou a intelectualidade que criou o Hashomer Hatzair na Europa) é, no mínimo, imprescindível para o seu entendimento, visto que em suas fileiras sempre figuraram personagens altamente intelectualizados.
Achad Haam, vindo de uma origem de berço hassidista[60], tinha uma boa situação financeira e foi muito influenciado por pensadores ocidentais contemporâneos, como Spencer e Darwin, era contrário a uma união dos judeus dispersos na Palestina. Justificava seu ponto de vista a partir da sua própria origem hassidista, defendendo que a solução do problema judaico não poderia se dar de outra maneira senão no nível espiritual. Além disso, defendia ser impossível unir tantas diferenças econômicas, culturais e sociais das diversas nações em que os judeus encontravam-se dispersos num só país, num só Estado judeu[61].
É importante frisar que a situação da comunidade judaica na Europa deste final de século XIX é de divisão. Enquanto no ocidente os judeus ainda tentam a sua inserção na sociedade, no oriente as comunidades voltavam-se cada vez mais para Zión, ou seja, focos de movimentos políticos[62] de cunho “sionista” já surgiam com intento de resolver os problemas dos judeus através de uma colonização da Palestina.
Para Haam, – um homem nascido e criado no shtetl do século XIX, ou seja, conservador, tradicionalista e muito religioso –, os intelectuais judeus ocidentais, voltados para o sionismo político, estão muito distanciados das tradições religiosas que os caracterizam enquanto judeus, e isso seria uma grande ameaça ao próprio judaísmo[63]. Dessa forma propõe que uma cultura abstrata, através de um espírito judaico (manifestação da cultura da nação judaica) é a essência dos judeus desde os tempos das primeiras profecias. Estando desligada da continuidade do tempo e mantendo-se intacta através dos séculos, esta “cultura”, seria a única possibilidade de uma verdadeira redenção do povo judeu, e não a criação de um Estado judeu. Defende, também, a permanência dos valores do shtetl, e diz que um Estado judeu sem esses valores não seria nada mais do que mais uma sociedade capitalista explorada pelas grandes potências, e nunca chegaria ao “mágico” e fantástico mundo de Scholem Aleichem[64] uma vez lembrou, e que ele tanto idealizava. Perceberemos aqui uma clara crítica ao pensamento de Theodor Herzl e Leon Pinsker, que veremos mais adiante. Pois, Haam, defende um sionismo moral (ou espiritual) no lugar do sionismo político defendido por Herzl ou do sionismo prático de Pinsker. Esse tema espiritual não se fez presente para o movimento Hashomer Hatzair, mas é importante destacar as origens do pensamento moderno que permeiam o tnuá, pois o elo deste para com a cultura do judaísmo sempre foi muito forte.
Novamente se faz necessário ter em mente que este é um momento de esfacelamento dos shtetl na Europa, física e culturalmente. Os judeus jovens, nascidos ou criados fora destes, radicais e ansiosos por mudanças positivas na condição judaica, começam a questionar valores ainda muito presentes, que vinham do shtetl através dos pais ou avós. Um destes jovens era Shimon Dubnow.
Sua visão de mundo foi muito influenciada por pensadores do Haskalá[65], como Moisés Mendelsohn, Kalman Shulman, Peretz Smolenskin e alguns pensadores ocidentais como Charles Darwin, F.W. Hegel e Auguste Comte. Dubnow, enquanto maskil[66], era um questionador e defendia uma sucessão metodológica de três estágios, necessária para o pleno desenvolvimento de uma nação na História: da “tese” (ou tradição) passada de gerações anteriores em forma de dogma irrefutável e perfeito; passando a uma “antítese” (refutação total e irrestrita da tese anterior, mesmo dos temas históricos avaliados posteriormente como corretos) sua completa negação e é a libertação do dogma “tese”; e, finalmente, a “síntese” – uma teoria necessária, segundo Dubnow[67], à nova vida dos judeus que seria fruto de uma criação mais compreensiva da intelectualidade.
Argumenta, também, que a exclusividade judaica (em termos de sobrevivência) se deve, especificamente, à evolução histórico-cultural que perpassa o nível material, e vai de encontro ao espiritual. Que mesmo sendo um povo disperso, sem uma unidade territorial, e sempre perseguido, ainda assim conseguiu manter-se em condições de existência, em suas palavras: conseguiu “uma unidade na diversidade[68]”. Graças a isso os judeus permaneceram na História enquanto nação; sua força interna conseguiu sobrepujar as pressões externas e perpetuar o povo judeu na História mesmo estando tão disperso.
Dubnow pregava uma autonomia da espiritualidade judaica como resposta à realidade social dos judeus na Europa. Era um espiritualista e a pequena burguesia judaica tinha por ele um apego quase ao nível de um consolo, e segundo Pinsky:
“Dubnow não poderia imaginar que a autonomia que pregava pudesse servir como forma de manutenção de grandes minorias, para efeito de dominação de reduzidas maiorias. É quando o autonomismo se transforma em ideologia dos dominadores”. (PINSKY, op. cit., 1997, p.97).
Frente a esse “espiritualismo” como forma de solucionar o problema judeu, temos os intelectuais mais “ácidos” em suas determinações e, assumindo posições mais materialistas, que irão trazer um novo tom às discussões e congressos, como os do Bund[69], por exemplo. Vamos a eles.
Leon Pinsker, médico, russo, autor de “Auto-emancipação – um apelo ao seu povo por um judeu russo”, levanta sérias críticas e propõe uma análise da sociedade russa e de como os judeus estavam inseridos nesta, concluindo que há judeus, mas nunca houve uma nação judaica, tendo em vista a manutenção da individualidade na diáspora. Ele atribui a isso às constantes humilhações e violências (como os pogroms) sofridas pelos judeus na Rússia. Passa a defender as soluções dos problemas através da dialética “nacionalista” judaica, de que através de um “lar seguro e inviolável para o surplus dos judeus que vivem como proletários nos diversos países e são um fardo para os cidadãos nativos”[70]. Perceba que o seu clamor era por um nacionalismo judaico, um territorialismo judaico, e não o sionismo pura e simplesmente. Um “apelo”, na mais pura acepção da palavra contida no título de sua obra, ao nacionalismo, fruto de um pavor advindo do surto anti-semita que crescia na Rússia às vistas do governo central russo[71].
Numa releitura[72] da obra máxima de Pinsker, “Auto-Emancipação”, Jaime Pinsky reavalia as argumentações do autor e levanta questões cruciais, bem como seus pontos positivos, analisando-a de forma a concluir sê-la cheia de falhas, equívocos e falsas propostas de ação, e indo além: acredita que Pinsker defendia duas possibilidades: na primeira uma igualdade que só seria encontrada numa terra própria, algo mais palpável; na segunda um mundo igual para todos, irmanado e utópico. Ao contrário de Haam e Dubnow, Pinsker não visava, segundo Pinsky, a “santidade” da terra e sim a sua proteção. Seu nacionalismo é caracterizado como um “sionismo sem Zión” (por mais paradoxal que possa soar), o que o aproximava muito das propostas iniciais de Herzl, devido à sua visão de uma terra necessária aos “diferentes”, para que entre si, fossem todos iguais. Pinsker defendia uma igualdade de direitos perante os “normais”, uma vez que todas as nações têm direito a uma territorialidade sua. Isso não necessariamente queria dizer caminhar para Zión, ou para a terra prometida; para ele essa terra poderia ser em algum lugar na própria Europa. Sua esperança enquanto um “quase russo” (nas palavras de Pinsky[73]), era, na verdade, um “grito silencioso” de um judeu emancipado. Ou pior, segundo Pinsky, para Pinsker ser judeu era algo desprovido de conteúdo ou espírito, era simplesmente algo designado, classificado e (porque não?) impingido pela sociedade ao indivíduo que se quer marcar; um sinônimo de constrangimento, embaraço e pesar. Talvez Pinsker defina bem uma tradução literal para “antítese” (emprestando o termo em analogia a Dubnow), no sentido em que ele renega totalmente o sentido identitário de seu “ser judeu”, visando apenas uma resolução material para seus problemas de inserção social, dele e de outros judeus pequenos burgueses.
Porém, frente a essa releitura crítica, temos um primeiro embrião; uma experiência que, mesmo “deformada” e insuficiente em termos teóricos seria levada à frente pelo homem que foi considerado o pai do sionismo político e principal intelectual envolvido com a idealização do moderno Estado de Israel: Theodor Herzl.
Movido pelo caso Dreyfus, outrora mencionado, o jornalista vienense Theodor Herzl, passa defender a teoria de um Estado nacional judaico (Judenstaat), como solução para o que foi convencionado chamar de “problema judeu”. Ao escrever seu “Estado Judeu” em 1896, Herzl não “inventa”, ou “cria” a teoria de um Estado nacional judeu, porém a toma num debate de forma inédita e meticulosa. Inicia seu tratado com uma questão importante: atribuir a culpa do anti-semitismo e das perseguições a alguém. E quem seria esse alguém? Os próprios judeus orientais, pobres e “medievais”, advindos da decadência do shtetl diretamente do leste europeu para o ocidente, como nos explicita Pinsky[74] em sua obra supracitada, como forma de entender melhor a “questão judaica”.
Uma vez que os judeus ocidentais (aos quais ele representa e dos quais faz parte como indivíduo) da alta e média burguesia já se encontravam assimilados, porque ainda havia perseguições nesta parte da Europa? Essa questão o assombrava, e ele encontra sua resposta afirmando que a chegada maciça de judeus pobres oriundos da parte leste da Europa seria a causa. Dentro da própria comunidade judaica, ocidentais e orientais não se identificavam uns com os outros. Dessa forma, deveria haver uma forma de escoar esse “excedente” judaico para algum lugar longe (porém não muito) dos olhos europeus. Abraham Leon sugeria a Argentina, porém Herzl, após ter pensado no Canadá e até na África, preferiu o Oriente Médio: a Palestina. Isso solucionaria o “problema judeu” de forma conveniente para os europeus, uma vez que a proposta de Herzl é a de criar uma espécie de “colônia” européia na região do Oriente Médio, visando levar a “avançada civilização contra a barbárie local”[75]. Inicialmente, tal proposta não fez muito sucesso entre os judeus emancipados, nem entre judeus proletários, tampouco entre os pequeno-burgueses judeus, que visavam, antes de qualquer coisa, sua ascensão social. Daí surgiam muitas aproximações entre Herzl e Pinsker, porém não por muito tempo. Herzl foi além, e teve de rever muitos de seus próprios conceitos em prol de conseguir mais pessoal aderindo a sua campanha.
Dentro das místicas, materialismos, ideais e tantas outras formas de se expressar, como vimos anteriormente, é chegada à hora de nos perguntarmos: afinal, o que é sionismo? É a “antítese” da diáspora. Porém, ele é também forjado na Europa ocidental no formato de um movimento nacionalista por judeus emancipados para judeus do “medievo” (em palavras de Herzl[76]). É fundamental isso ter em mente, nesse primeiro momento do novo movimento. Mais tarde esse movimento foi entendido como o passo que faltava ser dado em direção a modernidade para os judeus. O final de sua era medieval de uma vez por todas. Segundo palavras de Pinsky: “o sionismo marca uma passagem”[77].
Nesse momento chegamos ao principal idealizador das teorias que sedimentariam as bases do Hashomer Hatzair no mundo inteiro: Ber Borochov.
Dov Ber Borochov (1881-1917), como também era conhecido, foi um russo criado em meio à política. Cresceu na cidade de Poltava, onde o movimento pré-sionista Chibat-Zion tinha residência, e foi influenciado pelos populistas russos; fato que o levou a militar nos quadros da incipiente social-democracia russa[78]. Porém, devido a seu discurso nacionalista é desligado do partido. Em busca de respostas para suas questões e fiel as suas raízes socialistas encontra nos escritos de Karl Marx o suficiente para conseguir estruturar e elaborar “Os Interesses de Classe e a Questão Nacional”, obra publicada em 1905 e “Nossa Plataforma”. No ano seguinte, e de acordo com esta sua “plataforma”, se dá à fundação do Partido Social-Democrata Judeu Poalei-Zion, de oposição ao partido social-democrata russo e ao Bund [79]. Esta oposição se daria, primordialmente, devido ao caráter nacionalista do Poalei Zion, que se propunha um partido sionista-socialista, o contrário das propostas internacionalistas do Bund. Outra razão para tal oposição adveio do não-rompimento entre o Bund e o partido Social-Democrata russo, que ainda se propunha a defender o operariado judeu russo.[80]
Borochov é um autor marxista e um crítico acima de tudo. Defende sua tese de que a questão nacional é algo que perpassa as relações entre homem e natureza, através da sua principal linha de pensamento: a “normalização judaica”. Nesta, segundo J. Guinsburg, em sua obra “O judeu e a Modernidade”[81], o sionismo seria uma necessidade histórico-econômica do povo judeu, na medida em que nas condições de vida da diáspora, seu processamento econômico estaria acometido de uma grave “anomalia”, decorrente da falta de uma base territorial que relegaria o trabalho judeu às indústrias secundárias e à criação de capital variável, expulsando-os, por conseguinte, da produção de capital fixo.
Nesse prisma, o proletariado judeu estaria, então, em busca não só de um local de trabalho, mas também, de um fundamento territorial que permitisse condições de produção favoráveis à criação de uma verdadeira burguesia judaica para uma luta de classes efetiva. Este lugar de trabalho encontrava-se exclusivamente em Israel. Daí a tese de Borochov[82], onde o sionismo não constitui apenas um ideal histórico, mas também, uma necessidade diária das massas judias. Por seu intermédio, elas são levadas tanto aos pré-requisitos quanto à libertação nacional do povo.
Borochov afirma, também, que só poderá haver um nacionalismo real quando a consciência das classes/nações oprimidas levá-las, através do progressismo, a uma luta pelos seus direitos como trabalhador. Dessa forma, resolvidos os problemas nacionais, não mais haveria trabalhadores estrangeiros para diminuir as fileiras da mão-de-obra nacional. Diz ele que o problema real, concreto, é a luta de classes e que a questão nacional é apenas o primeiro passo dado em direção a solucioná-lo[83].
Para Borochov essas idéias se fazem presentes em suas já citadas obras, porém, aplicadas do ponto de vista dos judeus em sua segunda obra. E ele consegue uma visão bem pluralista da coisa. Afirma que não há uma questão nacional e sim questões nacionais impingidas as várias classes produtivas judaicas. Por exemplo: a pequena burguesia (classe média) visa o “território” [84] como mercado de consumo; a alta burguesia é imperialista e visa o mercado mundial; enfim, são classes diferentes com intenções diferentes acerca de uma nação. Um pouco do individualismo gerado na diáspora, que acabou por produzir diferentes intenções entre as diferentes camadas da população judaica no que diz respeito a um Estado judeu. Em vista desse impasse, Borochov encontra-se voltado ao lumpemproletariado judaico, tido, para ele, como sua fonte de esperanças numa resolução desses problemas. Através da eliminação das antigas formas de produção que impedem os proletários judeus de se inserirem nos setores primários desta e da negação à extraterritorialidade judaica Borochov propõe duas soluções: Para o problema nacional o sionismo e para o problema social o socialismo. Estando um ligado ao outro por excelência.
Isso fica mais claro nas palavras de Pinsky, em seu prefácio à obra de Abraham Leon “Concepção Materialista da Questão Judaica”[85], onde este traça um quadro sobre a visão marxista de Borochov sobre uma sociedade de contradições, onde o socialismo, através da luta de classes, aconteceria como um desdobramento dessas contradições capitalistas. Uma vez “normalizado” territorialmente, os judeus, iriam inserir-se na luta pelo socialismo. E cito:
“(...) Para [Borochov] havia que se criar condições ‘normais’. A normalidade só poderia ocorrer dentro de um Estado nacional, razão pela qual Borochov pregava o sionismo. Uma vez no seu Estado, a luta de classes ocorreria de forma natural e o socialismo acabaria amadurecendo, assim, o sionismo criaria a condição para o socialismo.” (LEON, op. cit., 1981, p. 07)
Enfim, é a partir desses intelectuais, em especial Ber Borochov (associados aos ideais dos intelectuais socialistas soviéticos mais tarde), que o movimento Hashomer Hatzair, objeto desta pesquisa, irá se moldar e tentará unir seu objetivo sionista político à utopia socialista.
IMIGRAÇÃO E A COMUNIDADE JUDAICA NO RIO DE JANEIRO
Através do diálogo com os autores mencionados em nossa revisão bibliográfica pretendemos delimitar um quadro um pouco mais preciso acerca das condições que permitiram não apenas a consolidação do sionismo na Europa como referência política para os judeus que imigraram, bem como em sua aliança ao pensamento socialista, como também, a sua inserção no cenário brasileiro – permeando as estratégias de uma primeira geração de judeus brasileiros e cariocas, filhos de imigrantes, na criação e estruturação do movimento Hashomer Hatzair na época proposta.
Segundo palavras da socióloga Eva Alterman Blay, “a presença dos judeus não é, em geral, encontrada na historiografia brasileira. Nos livros universitários, não encontramos vestígios desta presença. É uma história oculta”[86]. Assim, é preciso entender que a imigração judaica se inicia no “Brasil” mesmo antes de sua “invenção”[87]. Esta data já do século XVI (com Gaspar de Lemos, dentre outros) – onde sabemos que este “Brasil” fora apenas um “acidente” no percurso náutico de Cabral e sua esquadra no atlântico sul – destacando-se como sendo uma história única e substancialmente rica em fatos e personagens que contribuíram no gerar e o desenvolvimento dos campos político, social, cultural e econômico deste país, e é assunto para muitos trabalhos ainda, porém, encontra-se nas sombras.
Como tal, não deve ser entendida à parte do resto da História do Brasil. Essa história não acompanha os fatos e marcos históricos que aglutinam pontos nesta malha histórica que conhecemos como a “História do Brasil”? A história dos imigrantes aqui residentes é concomitante a todos os momentos históricos nacionais, tendo repercutido especificamente nas condições sobre as quais este país se construiu no passado, e ainda o faz nos dias de hoje.
Para não fugirmos da proposta inicial de nossos estudos iremos nos ater ao movimento imigratório a partir da segunda metade do século XIX, por volta de 1850[88], quando a situação judaica no Brasil começa mudar. A imigração judaico-marroquina para a região do Amazonas[89], uma vez que fora forte e estável, passa a dar lugar para a imigração de judeus europeus (do oeste) – particularmente franceses, ingleses, austríacos e alemães (alsacianos em sua maioria). Estes, que vinham para o Rio de Janeiro e daqui partiam para outros centros urbanos e capitais como São Paulo e Minas Gerais, eram privilegiados por toda uma situação de benéfices provenientes da conquista sobre a modernidade (das formas de produção, no campo legal e político), tiveram um destino diferente dos judeus do leste europeu.[90]
Estes imigrantes judeus (provenientes do leste europeu – Polônia, Rússia, etc.) trouxeram um aparato cultural e intelectual muito específico. O idioma ídiche – escrito e falado – proveniente das regiões remotas da atual Alemanha (para onde migraram judeus poloneses na Idade Média) era um amálgama entre os caracteres hebraicos com o alemão e com influências eslavas, e é um ótimo exemplo para ilustrar essa carga étnico-cultural trazida com os imigrantes. Uma vez aqui instalados, tal idioma se tornou um elo dentro da comunidade judaica (de imigrantes oriundos do leste europeu), e era ensinado de pai para filho e de mãe para filha dentro de casa, e posteriormente em algumas escolas judaicas. Outros exemplos deste aparato foram os ideais políticos e suas concepções ideológicas, vigentes na Europa de fins do século XIX e inícios do XX.
A imigração judaica para o sul do país é um caso à parte, pois refere-se a toda uma situação própria dentro da conjuntura daquele determinado momento histórico. Os imigrantes vinham (do leste também, mas principalmente do oeste da Europa – fugindo das conturbadas condições dos centros urbanos europeus) e buscavam melhores condições de vida nos campos de lavoura de café. Havia um forte incentivo por parte das autoridades brasileiras na abertura das portas do país à imigração[91], uma vez que o tráfico de escravos tinha sido proibido nas águas do Atlântico – o que refletiria um apanhado muito grande de mãos para uma, sempre carente de trabalhadores, produção latifundiária cafeeira.[92] Ou como nos conta Monica Grin: “Podemos definir, (...), essa primeira onda migratória, subvencionada pelo Estado brasileiro, como destinada às demandas de um mercado que se constituía sob forte orientação acumulativa com a ajuda de um Estado que pouco legislava sobre demandas sociais (...)[93]”. Mas, como dito anteriormente, iremos nos ater aos imigrantes que se estabeleceram na cidade do Rio de Janeiro.
A imigração de judeus orientais (Mediterrâneo oriental e leste europeu) para o Rio de Janeiro inicia-se no final do século XIX. Questões políticas e sociais externas, como a crise gerada pela Guerra Franco-Prussiana e a violência anti-semita czarista no Império Russo, foram algumas das razões para tal. Políticas internas como, por exemplo, a de Deodoro da Fonseca que proíbe a imigração de africanos e asiáticos (em sua política de “higienização social” do Brasil[94]) também figuram entre as causas, bem como os ambiciosos programas de imigração lançados pelos governos estadual e federal entre 1870 e 1880, na tentativa frustrada de conversão do Império em uma “belle époque tropical”. A partir de 1900[95] o fluxo migratório de judeus aumenta exponencialmente e se direciona, principalmente, para São Paulo e para o Rio de Janeiro. Porém, somente pelos anos das décadas de 1910 e 1920 que se constróem bases sólidas para a identificação de uma comunidade judaica propriamente estabelecida na cidade. Isso se dá em grande parte pelo aumento significativo de imigrantes que chegam ao país após esta década. Até 1920 haviam 15 mil imigrantes no Brasil e este número quintuplicou na duas décadas seguintes[96].
Sabemos que muitas foram as causas que levaram os imigrantes judeus do leste europeu à opção pelo Brasil como rota de destino[97]. Mas, prioritariamente, foi do surgimento de políticas de restrição a imigração de judeus em países outrora conhecidos por sua receptividade aos mesmos que esta situação se efetivou. Países como os Estados Unidos da América do Norte, Canadá, Argentina, e outros, após a Primeira Guerra Mundial fecharam suas portas aos judeus. A imigração para o Brasil – sendo um país tão próximo da Argentina – tinha sua relevância. Daí o grande fluxo migratório que se dirigiu para o sul do país. Mas o Brasil vivia um momento em que sua economia estava muito forte e isso também pode ter afetado a decisão de muitos imigrantes.[98]
Dessa forma consolidam-se estruturas comunitárias judaicas no Brasil. E o Rio de Janeiro não foi exceção alguma. Associações de auxílio ao imigrante recém chegado; bibliotecas; grêmios recreativos; escolas; sinagogas; cemitérios; enfim, muitas e muito variadas instituições de celebração da memória e da tradição judaica destes imigrantes e de sua consolidada e crescente comunidade[99]. Porém, é preciso frisar, não houve, assim como não há, uma unidade. Os judeus (imigrantes) são muitos e muito variadas são, também, suas origens e formações culturais e políticas. A organização de instituições que reunissem judeus ligados aos campos da política vai além de uma mera rede de solidariedade (e/ou auxílio mútuo), assim, estas organizações não se resumiam à manutenção de sua religiosidade ou cultura milenar especificamente.
Estes focos políticos tinham suas discussões centradas na difusão de idéias de natureza sionista, comunista, socialista, progressista, etc. Estavam inseridos num quadro político de repressão e antijudaísmo sob o qual vivia o país naqueles conturbados anos entre as décadas de 1920 e o pós-1945. Nestes pontos de convergência e aglutinação social, ideológica e cultural encontraremos os primeiros focos de disseminação ideológica sionista-socialista do Rio de Janeiro.
Algumas instituições podem ser elencadas como simbólicas no que tange a um reconhecimento do berço da comunidade judaica no Rio de Janeiro. A primeira delas é o do cemitério judaico em Inhaúma, depois o Centro Israelita do Rio de Janeiro (1910), as sinagogas – em especial Shel Guemilut Hassadim (primeira sinagoga carioca) –, e o jornal Achmud (“A Coluna”) – primeiro jornal em português da comunidade judaica carioca.
O primeiro centro sionista no Rio de Janeiro foi o Tiferet Tzion (a beleza de Sion), em 1913. Organizado por Jacob Schneider tinha por objetivo a coleta de donativos em prol do Fundo Nacional Judaico (Keren Kayemet Leisrael) – único fundo financeiro de cunho sionista até então. A primeira Convenção Sionista no Rio de Janeiro data de 15 a 21 de novembro de 1922[100]. Aconteceu em função da visita de um veterano sionista do Congresso Sionista Mundial à cidade do Rio de Janeiro. Durante esta conferência foi fundada a Federação Sionista do Brasil, com sede no Rio de Janeiro, presidida por Jacob Schneider e contando com Eduardo Horowitz como 1º secretário. Essas organizações tinham um caráter de acumular fundos para campanhas sionistas de grupos menores. Porém, com o tempo, a Federação Sionista passa a se preocupar com questões relacionadas à educação dos jovens judeus nascidos no Brasil. Nesse sentido, a escola Magen David – o escudo de David – (ironicamente fundada pelo anti-sionista Raphael Cohen nos anos 20) passa, logo no seu primeiro ano de existência, às mãos de dirigentes sionistas e muda seu nome para Ginásio Hebreu-Brasileiro[101]. É importante deixar claro que esse ginásio não possuía um posicionamento político oficial, ou seja, por mais que estivesse sob a direção de sionistas, a opção por uma posição política oficial não foi assumida por parte da direção do Ginásio.
Pouco a pouco os movimentos sionistas no Rio de Janeiro foram deixando de lado o caráter “morno” de associações de auxílio e arrecadação de fundos para passarem a disputas políticas em torno das lideranças comunitárias judaicas.
A partir da década de 20 muitas instituições foram se aglomerando na antiga Praça Onze de Junho. O fluxo de imigrantes para o Rio de janeiro, como já mencionado, aumentara muito, fixando, inclusive, muitos recém-chegados nos bairros da zona norte da cidade[102]. As primeiras instituições foram a Biblioteca Scholem Aleichem (em 1914), a sinagoga Beith Iaakov (Casa de Jacó) em 1916, o Clube Juventude Israelita (em 1920), a Federação Sionista (de 1922), e o Grêmio Israelita Kadima (“avante” em hebraico) em 1923[103].
Em 1937, já no Estado Novo, todas as ações sionistas foram proibidas pelo DOPS, pois estes consideraram que os movimentos sionistas eram entidades que mantinham ligações com instituições estrangeiras, atividade vedada no Brasil após o Golpe de Estado[104]. Com isso, algumas instituições mudaram de nomes, visando a continuidade de suas atividades. Uma delas foi a Hatchya (“Renascença”, fundada em 1928 por sionistas que saíram da Biblioteca Scholem Aleichem por divergências políticas com a diretoria progressista[105]), um centro de discussões sionistas que englobava muitos jovens – em especial os envolvidos com o movimento sionista chalutziano. Entre os fundadores deste grupo encontrava-se Efraim Geiger, pai de Paulo Geiger. Esta muda seu nome para Biblioteca Israelita Chaim Nachman Bialik, ou simplesmente Biblioteca Bialik, e torna-se um centro de encontros da juventude judaica sionista e socialista carioca, muitos deles envolvidos com o Poalei-Tzion[106]. Somente em 1945 o movimento sionista carioca reencontra o direito de atuação legal no país.
Egresso deste cenário surge na cena carioca, nesse momento, um outro movimento: o tnuá juvenil Hashomer Hatzair.
ORIGENS DA HASHOMER HATZAIR
Por volta de 1913[107], na Galícia – fazendo, ainda, parte do antigo Império Áustro-Hungaro –, a união de grupos esportivos e de escoteiros judaicos resultou na fundação do Hashomer (Guardião ou Vigilante), ou apenas “Shomer” – uma espécie de grêmio esportivo/escotista. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, milhares de jovens judeus chegaram à Viena (antiga capital do Império) e dentro desta juventude muitos grupos intelectuais surgiram, com destaque para o grupo Ze’Irei Zion (A Juventude de Sion) – que mantinha cursos de hebraico e cultura judaica, além de defenderem idéias socialistas, a auto-aprendizagem e a independência da juventude como alicerces principais – muito influenciado por pensadores judeus como, por exemplo, Martin Buber, discípulo de Freud[108].
Da união destes dois grupos (ou seja, o conteúdo intelectual do Ze’Irei Zion e o senso de aventura escotista do Shomer) nasce o Hashomer Hatzair (“Os Jovens Guardiões”, ou, “A Jovem Guarda”)[109]. A característica da ausência de supervisão adulta é uma das principais e mais fortes tradições dentro do tnuá, que tem por um de seus principais lemas: “jovens guiando jovens”.
Durante a Segunda Guerra Mundial, lideranças do Hashomer Hatzair em Varsóvia foram de muita importância na liderança no “Levante do Gueto”, em 1943[110]. Em Israel, a base da Haganá (organização clandestina de defesa contra ataques palestinos na época pré-estatal) era fundamentada por membros do Hashomer Hatzair[111]. A fundação de dezenas de kibutzim (estabelecimentos coletivos – que segundo relatos de seus fundadores – eram comunidades rurais singulares dedicadas ao auxílio mútuo e a justiça social, baseados na propriedade comunal) foi consumada por membros do tnuá[112].
No Brasil, o Hashomer Hatzair irá ter sua primeira ken (sede) em 1927, em Porto Alegre. Esta foi fundada por um argentino chamado Avigdor Ariel. Porém, com a aliá deste em 1930, a sede não dura muito mais tempo. Entre 1933 e 1935 alguns shomrim (membros) poloneses vieram para o Brasil – em grande parte devido à impossibilidade de fazerem aliá a Israel, causada por medidas mandatárias do governo britânico[113] (que comandava a região na época). Aqui estes fundaram uma ken em São Paulo, porém este foi forçado a suspender suas atividades devido à repressão da ditadura do Governo Vargas durante o Estado Novo. Após algumas outras tentativas fracassadas em fixar sedes no Brasil, em 1941 estabelecem-se em São Paulo pequenos grupos judaicos sionistas, sem definições partidárias, no Centro Hebreu Brasileiro[114]. De suas fileiras saem os primeiros fundadores do Movimento como se conhece hoje em dia, além dos primeiros olim chalutzim (imigrantes pioneiros) que se encontram nos kibutzim Gaash, Brorchail e Kfar Szold, em Israel[115].
De um grupo escolar, encabeçado por alguns adolescentes entusiastas das propostas sionista-socialistas, conexões se firmaram com então incipiente movimento juvenil de São Paulo, que já se estruturava. A partir de 28 abril de 1945[116] o Hashomer Hatzair já existia enquanto uma movimentação juvenil no Brasil, porém, apenas em 25 de dezembro de 1945 ele é fundado oficialmente em São Paulo, numa grande cerimônia na capital paulista. Nesta cerimônia estavam alguns chaverim cariocas, como, por exemplo, Moysés Glat, Jorge Gandelsman, e a chaverá Lina Fichman. Que voltam de lá certos em suas intenções de construírem um tnuá no Rio de Janeiro.
Ao voltarem, os menahelim incitam a juventude intelectual judaica que se reunia da Biblioteca Chaim Nachman Bialik a seguirem os passos do tnuá paulista, porém, só estarão estruturados em torno das atividades do movimento juvenil por volta de 1946[117]. De acordo com as Atas de Fundação de suas atividades na, então, capital nacional, houve uma:
“assefá (assembléia) [que][118] realizou-se na Biblioteca Bialik com presença de quase trinta, inclusos chaverim e chaverot[119]. Exposta a finalidade da assefá, reorganização do Hashomer Hatzair, o chaver Gandelsman informou sobre a Moshavá[120] de São Paulo e as recomendações da Moatzá[121]. Passou a ordem do dia a discussão da forma pela qual seria estruturado o movimento. Manifestaram-se duas tendências: a primeira desejando iniciar imediatamente os trabalhos de kvutzot[122] e organização do ken[123]; a segunda, alegando o desconhecimento quase completo da ideologia shomrica, achou que não era possível iniciar imediatamente os trabalhos de kvutzot, pois não era possível pregar uma doutrina da qual o pregador não tinha certeza. Sendo esta a posição da maioria dos chaverim presentes, a primeira hipótese ficou completamente afastada. O chaver [Paulo][124] Geiger propôs que a exemplo da tnuá chilena, o movimento funcionasse em forma de kidmá (progressiva).” [125]
Todos os menahelim eram jovens entre os 17 e os 20 vinte anos de idade, de esquerda e sionista. Com o tempo os mais novos foram sendo “enturmados”, sempre através de jogos, canto e danças voltadas a cultura hebraica e as ideologias do movimento.
Esse primeiro momento da shomer no Rio de Janeiro é muito curioso, pois é caracterizado por um traço muito particular: sua “fundação” não acontece como, por exemplo, foi a do tnuá de São Paulo, em uma grande cerimônia. Ela se dá “gradualmente” ao longo dos anos, com o estabelecimento de pequenas kvutzot em centros de convivência da comunidade judaica e bairros cariocas, liderados pelos seus primeiros chaverim, portanto, não há data exata onde possamos delimitar uma fundação precisa. Sabemos que a partir de março de 1946, a juventude sionista-socialista, liderados pelos chaverim que estiveram em São Paulo em uma moatzá (conselho) e na cerimônia de inauguração retromencionada, que se reunia nos templos, nas bibliotecas judaicas e nas reuniões da Unificada Sionista, passaram a se estruturar em torno de reuniões, cujas Atas denotam muita atividade em torno de uma estruturação “orgânica” para o movimento. Nesse sentido, acreditamos que seja esse o “primeiro momento” da shomer no Rio de Janeiro, ou seja, um grupo muito pequeno de chaverim que buscam ordenar um “plano de trabalho” (tochnit havodá) para a efetivação do tnuá no Rio de Janeiro, porém, ainda sem uma estrutura institucional. Não havia sede oficial, não havia outros membros, não havia outra coisa senão a força de vontade e os ideais da juventude ali presente.
Assim, as primeiras medidas da hanagá (diretoria) shomer carioca serão em torno da questão: o que fazer? É importante frisar que estes chaverim possuíam a noção de que eles não configuravam ainda um tnuá, ou seja, pela simples nomenclatura entre eles (diretoria) e o movimento de São Paulo (conselho), já podemos notar uma relação hierárquica no que tange à solidez de suas atividades. De acordo com esta mesma Ata, eles se reuniram e, entre os oito membros presentes (nomeadamente, Glat, Geiger, Samuel, Adoni, Derechinsky, Ana Muller, Henna, Marguiles), ficou assim resumida sua seder haiom (pauta do dia):
“1. Kinus[126]; 2. Debate inter-organização; 3. Bistritzki[127]; 4. Secretaria; 5. Conferência (...) O chaver Adoni informou a Haganá do recebimento de duas cartas de são Paulo, cujo assunto principal é o Kinus. (...) Marguiles pediu a palavra (...) dizendo não estarmos preparados materialmente, além de não termos teses preparadas a serem postas em discussão, excistindo ainda o problema da confecção de Tochnit Havodá. (...) Em seguida, se expressou o chaver Glat para acentuar a diferença de situação entre a Moatzá de São Paulo e a Haganá do Rio, uma vez que, em São Paulo, eles já iniciaram um trabalho cultural sionista, enquanto no Rio houve apenas evolução política. (...) Gozamos de relativo prestígio e um Kinus, no momento, acarretaria apenas desilusões.” [128]
Então, as primeiras atenções destes chaverim foram voltadas à organização institucional do movimento, bem como sua preparação efetiva para uma atuação cultural em torno da militância sionista.
Os anos de 1947 e 1948 também tiveram intensas atividades na shomer carioca. Inclusive, numa Ata datada de 07 de junho de 1947[129], há menção a uma Kivutzá no Méier, cuja demolição do prédio onde funcionava o Centro Chaim Weizman, impossibilitou a realização das assefot (assembléias), o que demonstra que o movimento já vinha ganhando terreno, e em muitos bairros cariocas já vinham conjurando as kvutzot. As reuniões dos chaverim do Méier passaram a ser realizadas no Colégio Bialik, através de pedido feito oficialmente pelo Hashomer Hatzair à Comissão de pais e diretoria da escola.
O escotismo passa a figurar lugar de destaque nas Atas deste período. Isso se dá de forma a valorizar as experiências de seus precursores europeus, onde, através do contato com a natureza, das atividades recreativas, do trabalho com a terra, bem como com as atividades culturais, tem-se um efetivo controle sobre a “evolução política”[130] de seus membros.
Também passam a figurar destaques nestas Atas os nomes daqueles que ficariam encarregados das seções internas do movimento; assim como surge a necessidade de se instalar uma sede oficial para o movimento, que passou a ser o Colégio Hebreu-Brasileiro, na Tijuca:
“(...) O chaver Akiba ficou encarregado do curso de escotismo. O chaver Glat ficou encarregado de fornecer aos Menahelim material para sichot e indicar a maneira de ministrá-las. (...) Felberg para a parte cultural. (...) Lida a carta com instruções sobre a atuação do chave Schultz no Executivo da Organização Sionista Unificada do Brasil (O.S.U.B.). (...) O chaver Jacob Felberg deverá aprontar o relatório sobre a primeira assefá-o-ken; o chaver Geiger sobre o tiul de Lag Baomer; e o chaver Glat sobre sua viagem a São Paulo.”[131]
Com isso temos a primeira assefá-o-ken (reunião na sede), que já se encontrava estabelecida no Colégio Hebreu-Brasileiro. As atividades oficiais do movimento se davam aos sábados no pátio deste colégio. Também percebemos que o movimento abre suas portas às crianças mais novas, pois, uma vez estabelecidos num colégio ficava muito mais fácil angariar pessoal para seu quadro. Quanto a isso temos:
“(...) estudada a possibilidade de formação de Gdud de Benei Aiar[132] (...) de formar uma kvutzá na classe de admissão do Hebreu-Brasileiro. (...)É analisada a participação dos benei aiar na Moshavá. As informações e esclarecimentos a serem dados aos pais dos chanichim. É designada uma hanalá responsável pela preparação da Moshvá, constituída pelos chaverim: Turnovsky, Glat, Áurea, Henna e Ruth. O chaver Glat informa sobre a venda de rifas para financiar a Moshavá. Sábado serão distribuídos os endereços dos chanichim a serem visitados. O chaver Geiger controlará as visitas (...) a venda de rifas será controlada pelo chaver Glat (...).”[133]
Aqui pudemos notar que havia “adultos” que, embora não fizessem parte do movimento juvenil, por razões óbvias, ajudavam os jovens em suas atividades por lhes passar suas experiências dos seus tempos no shomer, alguns eram imigrantes poloneses, o nome “Turnovsky” aparece sob a forma de “shomer da Polônia”, e ele chega a ser mencionado no depoimento de Moysés Glat, como veremos mais a frente.
“(...) O chaver Turnovsky propõe a divisão da Shichvá em: bogrim e tzofim-bogrim, devido ao grande número de chaverim, à sua heterogeneidade e desnível intelectual. Felberg apóia a divisão. Glat e Pinchus manifestam-se contra a divisão. (...) com a maioria dos chaverim se manifestando contra a divisão, o projeto é abandonado.”[134]
A partir de 1948 há um increase significativo nas atividades culturais e políticas exercidas dentro do movimento juvenil. Se nas Atas datadas de 1946 e 1947 as atividades giravam em torno de 4 ou 5 tópicos voltados a temas organizacionais (e /ou administrativos dos grupos), agora, em 1948, encontramos Atas repletas de tópicos de discussões, girando em torno de 14 ou 15 tópicos dos mais variados níveis, desde os sempre presentes temas de organização interna passando pelas publicações, cursos de psicologia, encontros com membros do partido Poalei Tzion Linque[135].
A primeira ken (fora os encontros do Colégio Hebreu-Brasileiro) foi inaugurada em 1948. De acordo com Atas datadas entre 24 e 29 março do mesmo ano o chaver Leão conseguiu a locação para a primeira sede oficial do Hashomer Hatzair, que se encontrava na Rua Carlos Vasconcelos, na Tijuca.
Outro ponto que chamou nossa atenção foi o fato de que a proposta mais enfatizada ideologicamente no movimento não se apresentara até o momento nas Atas: a aliá. A imigração para a região da Palestina ainda não era uma constante nas Atas neste primeiro momento, talvez ainda houvesse muito receio dos chanichim quanto a acolhida da Palestina. Porém, o quadro se inverte a partir de 14 de maio de 1948. Com a declaração de independência do moderno Estado de Israel o movimento passou a se fechar em torno da idéia da aliá. Em termos simbólicos isso equivaleria dizer que, a partir deste momento, o tnuá fechou um “modelo” daquilo que representaria algo maior para os jovens ali presentes. Como se tudo o que eles fizeram até então não tivesse passado de esforços aleatórios, desprovidos de um sentido, ou um objetivo final concreto, palatável. Não que a imigração para o kibutz não figurasse em suas propostas. Mas o que pudemos perceber foi que, até então, suas atenções estavam mais voltadas a organização interna e institucional do tnuá.
Com isso temos que todas as atividades, agora, buscam uma “complementaridade”, em termos de uma preocupação com a realização de um objetivo comum a todos os membros: chegar a Israel, fazer a aliá e mais do que isso, construir o Estado ideal dentro dos preceitos socialistas, com a vida num kibutz. Entre maio e dezembro de 1948 as Atas passam a retratar melhor o quadro de ação que se instala no âmbito do movimento juvenil:
“(...) Akiba e Felberg irão ao local (Queimados) e Geiger falará antes com o irmão do proprietário. O programa será elaborado na segunda-feira em detalhes pela Haganá. Far-se-á o exame de bogrim e bogrim tzerim. Programa: Tzofiut, Kibutz Artzi e formação do Hashomer Hatzair. (...) Jan apresenta o relatório da visita que fez com Leão a fazenda do sr. Podcameni em Paraíba do Sul. O local satisfaz a todos os requisitos da Moshavá. A hanalá da moshavá já iniciou os trabalhos técnicos e levantamento financeiro. Os madrichim devem trazer na próxima semana uma relação dos chanichim que pretendem ir. Os menachelim devem começar a visitar os pais dos chanichim.”[136]
De fato, o movimento juvenil se multiplicou e em questão de alguns anos já possuíam mais duas sedes fixas no Rio de Janeiro: uma em Madureira e outra no Flamengo. Esse crescimento pode ser associado ao clima de otimismo voltado ao sionismo pós-Independência. Mas, por outro lado, também está irremediavelmente atrelado à relação contínua do tnuá com a comunidade judaica carioca. Comemorações religiosas, rifas, doações em prol do K.K.L.[137], Caf Tamuz[138], etc. Muitas formas diferentes de interação entre o movimento juvenil e a comunidade se deram, e geraram alguns saldos positivos. Uma das atividades que mais se destacavam era o “Dia dos Pais”. Neste, havia todo um cuidado com a programação e com as relações entre os pais e os seus filhos shomrim. A intenção era amenizar um pouco o “clima tenso” entre pais e filhos, uma vez que a proposta shômrica era a de romper com o “tradicionalismo do shtetl” vindo na bagagem cultural com os imigrantes europeus, e se rebelar contra o “conformismo” e a assimilação. Ora, isso significava para muitos, literalmente, se rebelar contra seus pais. Além deste ponto, há que se considerar a questão da “auto-educação”, que alicerçava firmemente a atitude dos jovens militantes, e desagradava profundamente seus pais. As atividades com os “pais” seriam uma forma de aproximar os adultos dos ideais defendidos por essa juventude, e talvez, encorajar uma aliá em família.
Como visto, neste breve trabalho com nossas fontes primárias, muito ainda se pode saber a respeito deste movimento. Sua natureza e a força dos ideais de seus fundadores são de proporções únicas, tendo sido muito difícil encontrar um outro movimento como paralelo. Os nomes de Glat e Geiger se fazem muito presentes, corroborando a relevância e a liderança destes shomrim dentro destes primeiros anos do tnuá carioca. Isso nos cativou a buscar em seus depoimentos alguns paralelos, bem como novos elementos acerca desta história tão curiosa e ao mesmo tempo intrigante.
Porém, antes de seguirmos aos depoimentos – que darão conta de alguns pormenores, não apenas desta “fundação”, como também das minúcias que envolveram seu cotidiano, seus ideais, sua “revolução” – faz-se necessária uma análise sobre os conceitos e funções analíticas acerca dos usos da “memória”, em especial sob o escopo de um trabalho historiográfico.
CAPÍTULO III:
MEMÓRIA E HISTÓRIA: CONCEITOS E FUNÇÕES
Ao se trabalhar com a história oral vemo-nos diante de alguns dilemas de cunho ético e/ou político. Ao se entrevistar um sujeito (indivíduo) e buscar em seu(s) depoimento(s) uma reminiscência de seu passado, ação essa que produz para o entrevistador (no caso o historiador) um produto de análise riquíssimo e muito instigante, a recíproca, assim o tememos, pode não ser sempre verdadeira. Pois colher um depoimento e, mesmo dentro de condições extremamente favoráveis, elaborar um trabalho analítico sobre a memória – agora destrinçada e esmiuçada pelo pesquisador – pode ser um feito, deveras, complexo. No limite, esta situação pode nos apontar a uma memória desprovida de um reconhecimento por parte do(s) depoente(s) – como já nos apontou Michael Pollak em seus artigos “Memória, Esquecimento, Silêncio” e “Memória e Identidade Social”[139]. Isto, por conseguinte, acarreta em uma certa “tensão” entre o historiador, voltado à escrita de uma história verossímil, e a memória “identitária” deste(s) depoente(s). Daí o dilema.
Portanto, como podemos entender a memória destes depoentes, de forma a trabalharmos com ela e, ao mesmo tempo, preservá-la enquanto tal, ao “operarmos” uma intervenção historiográfica? Antes de adentrarmos nosso debate acerca da memória, exclusivamente proposta (já no título) para o presente capítulo, iremos, de início, nos ater a um primeiro ponto relevante: que, para responder a tal questionamento, é preciso entender memória e história diferentemente do proposto por aqueles que as definem como sendo duas instâncias independentes e imiscíveis, ou seja, como se fossem de “naturezas” antagônicas. Mas como assim?
A tensão entre memória e história vem permeando o universo dos historiadores que trabalham as fontes orais há muito tempo, tomando forma no debate “entre os desenvolvimentos teóricos que questionaram a memória e a identidade, e o compromisso com a prática democrática e credenciada”, segundo palavras de Alistair Thompson[140].
Já outros historiadores, como Pierre Nora e François Dosse, por exemplo, tomam esta relação pelo extremo mais rigoroso: separando memória e história de maneira irreconciliável. Para François Dosse[141], em primeira instância, a memória constitui:
“(...) tudo aquilo que flutua, o concreto, o vivido, o múltiplo, o sagrado, a imagem, o afeto, o mágico, enquanto a história se caracteriza por seu caráter exclusivamente crítico, conceitual, problemático e laicizante”.
A separação destes dois universos se daria, para este autor, na medida em que a memória seria um elemento componente de algo vivido, e a história permaneceria amarrada aos grilhões do tempo, compassada por um calendário rigoroso e racional.
Pierre Nora[142], ao analisar o mesmo ponto, não o faz de maneira muito diversa. De modo a balizar a construção do seu conceito para lieux de mémoire especificamente através desta separação, este historiador nos conta que:
“Nossa relação com o passado, ao menos do modo como ele se revela através das produções históricas, as mais significativas, é completamente diferente daquela que se espera da memória. Não mais uma continuidade retrospectiva, mas o colocar a descontinuidade à luz do dia. Para a história-memória de antigamente, a verdadeira percepção do passado consistia em considerar que ele não era verdadeiramente passado. Um esforço de lembrança poderia ressuscitá-lo: o presente tornando-se, ele próprio, à sua maneira, um passado reconduzido, atualizado, conjurado enquanto presente por essa solda e por essa ancoragem. (...) Para que haja um sentimento do passado, é necessário que ocorra uma brecha entre o presente e o passado, que apareça um “antes” e um “depois”. (...) É esta relação que se quebrou.”
Mesmo discordando em parte desse argumento, por motivos que serão apresentados mais adiante, consideramos importante frisar a posição deste autor que, ao longo das últimas décadas do século passado e ainda hoje, é muito presente em trabalhos relacionados aos estudos da memória – bem como seu conceito para “lugares de memória” –, de forma que não poderíamos deixar de mencioná-lo aqui.
Acreditamos ser mister uma separação efetiva e irremediável entre memória e história. Isso se dá pela nossa crença que define que a memória é, assim como a história, uma forma de seleção do passado. Uma das razões para isto se deu por nos mantermos alertas quanto à importância vital das fontes orais para o presente estudo, o que implica conseqüências diretas ao nosso entendimento da relação entre memória e história. Os depoentes, através de seus relatos, são “fontes” pois nos servem como fonte de registro para as experiências de um determinado grupo de indivíduos. São essas “fontes humanas”, ou “fontes vivas”, que possibilitam demonstrar o quadro extremamente plural de visões a respeito de um determinado ponto. São suas memórias que, no presente estudo, compõem o ponto de partida para os que pretendem escrever uma história.
Então, em nome de uma separação entre memória e história, temos que, mesmo para fins analíticos, esta implicaria em um reconhecimento de duas instâncias antagônicas. Nora explica que:
“Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história uma representação do passado.” (NORA, 1993, p. 9)
De fato não são e nem se propõem a ser sinônimos; não é este o ponto defendido por nós aqui. Porém, daí a buscar o rompimento de relações entre ambas é demasiado forte. É neste ponto que nossa discordância instaura-se, exatamente onde o rigoroso divórcio que os autores fazem, entre ambas, vem a tona. As definições para memória de Nora e Dosse (conforme citado anteriormente), em nosso entendimento, são importantes: “A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quanto grupos existem [143]”, diz Nora; todavia, são insuficientes se analisadas exclusivamente por si sós. Isso se dá, pois, esta noção vincula uma existência da memória a um grupo social como seu portador, e, atribuindo uma “universalidade”[144] à história, estes autores constróem suas linhas de raciocínio a partir daí. No caso de Pierre Nora, em especial, este quadro nos soa tão forçoso quanto sua romanesca “vitimização” da memória frente à sua “nêmesis”, ou antítese: a história.
Podemos notar, no discurso de Nora, que sua preocupação caminha em direção a função da disciplina histórica quanto à transmissão de uma memória nacional francesa. Isso remonta à sua formação como historiador da prestigiosa École des Annales, na qual o projeto sócio-político nacional francês se fez muito presente, ainda que de uma certa maneira “não-dita[145]”. Quando Nora nos fala que “atualmente” “não se celebra mais a nação, mas se estudam suas celebrações”[146], ele nos pinta um quadro onde as próprias celebrações nacionais tornam-se lugares de memória e, mais ainda, quer mostrar que em vez de cultuar a nação, se opera, para ele, uma desconstrução dela, ou seja, se estudam seus mecanismos de legitimação. Logo, para este autor, a memória nacional está laicizada; ela virou “história”.
O autor eleva sua preocupação quanto à separação dos sentidos contidos na noção francesa para “história” ao extremo ao partir da diferenciação entre história vivida – à qual ele remete à noção de “memória”, e que os alemães definem por Geschichte – e a operação intelectual que torna esta inteligível – Histoire, também para os alemães –, uma vez que não há, na língua francesa (e nem na língua portuguesa – devo acrescentar) uma diferenciação na grafia entre ambas[147]. Esta preocupação advém de sua diferenciação entre as funções da História e da Memória, assim como Dosse, mas, principalmente, de seu posicionamento por uma separação radical entre ambas. Isso, de um certo ponto de vista, será um dos elementos que, dentre outros, fundamentará o desenvolvimento de seu conceito para “lugares de memória”, que deu origem a uma compilação de sete volumes de obras completas relacionadas ao tema.
Contudo (nunca é demais frisar que), separá-las efetiva e completamente como duas “substâncias imiscíveis”, ou, no limite, como Nora o fez inúmeras vezes em seu discurso, “assassinar” a memória pelas “mãos” da história, pode levar-nos a equívocos graves (senão a aporias) quando da escrita da História. Pois antes de se questionar acerca do “quê” seria uma ou outra, e do lugar que uma ou outra ocupa, este deveria se preocupar, antes, com “quem faz” uma e outra; quem está envolvido neste processo. Neste ponto sou levado pelo fluxo da brilhante hipótese de Michel De Certeau sobre a “Operação Histórica” que delimita bem esse ponto aqui exposto. Pois tanto a história quanto a memória não são dados naturais, elas são construções “operadas” por um (ou mais) indivíduo(s). E (a intervenção aqui é nossa) assim como a memória pode ser tão plural quanto o grupo de indivíduos existentes, assim o compreendemos, também, a história. E, principalmente, a história que lida com as fontes orais.
Entrementes, se a memória é “sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente”, como afirma Nora, assim o é, em nosso entendimento, a história. E, se a história é “a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais, uma representação do passado”, assim o é, também, em nossa ótica, a memória – mesmo que seus agentes (ou atores) localizem-se (e “operem”) em diferentes “lugares”[148], o que, por si só, já pode ser um argumento para desbancar qualquer pretensão universalista, para qualquer uma das duas categorias. Ou seja, ambas estão sujeitas a mutações e reinterpretações simbólicas por outros indivíduos (aqui se situam os historiadores, por exemplo), que atuam, ou operam, de outros lugares sociais, espaciais e temporais.
Nosso ponto aqui defendido (uma relação positiva entre memória e história) pode ser, ainda, melhor entendido segundo palavras de Henry Rousso[149], que afirma:
“(...) A questão ritual das diferenças entre história e memória parece agora um tanto ultrapassada. Primeiro porque é hoje pacífico (ou assim esperamos) que opor de um lado a reconstrução historiográfica do passado, com seus métodos, sua distância, sua pretensa cientificidade, e de outro as reconstruções múltiplas feitas pelos indivíduos ou grupos faz tão pouco sentido quanto opor o “mito” à “realidade”. A tarefa dos historiadores é pois dupla. Por um lado, e essa exigência é fundamental, cumpre-lhes satisfazer a necessidade de estabelecer ou restabelecer verdades históricas, com base em fontes de informação tão diversas quanto possível, a fim de descrever a configuração de um fato ou a estrutura perene de uma prática social, de um partido político, de uma nação ou mesmo, hoje em dia, de uma entidade continental (pensamos aqui em novas histórias da Europa), em suma, fazer uma história positiva (...). Por outro lado, (...) têm que expor e explicar a evolução das representações do passado, como sempre se tentou escrever a história dos mitos e das tradições que são as formas mais evidentes da presença do passado.(...) o próprio fato de escrever uma história da memória significa, por definição, que se ultrapassa essa oposição sumária entre memória e história, pois isso equivale a admitir que a memória tem uma história que é preciso compreender.”
Ou então, à guisa de um fechamento para este ponto inicial, tomo por minhas as palavras de outro sábio intelectual: o filósofo Ernst Cassirer. Em suas conjecturas sobre a história – elencadas em sua obra intitulada “Ensaio sobre o Homem”[150] – este pensador denota as características componentes do que é um objeto de análise para a história e, mais precisamente, para os historiadores – aqui extremamente pertinente ao nosso debate –, uma vez que este explicita o seu apreço pelo exercício semiótico do historiador ao interpretar os símbolos (indícios, “pistas”) do passado, atuando na realidade do seu presente histórico, trabalhando num esforço de “lembrança”, ou seja, num exercício “mnemônico”. Tomo-o como outra “voz” favorável a esta ligação possível entre memória e história que pretendemos aqui. Cito-o:
“(...) com o historiador o caso é diferente. Seus fatos pertencem ao passado, e este foi embora para sempre. Não podemos reconstruí-lo; não podemos despertá-lo para uma nova vida em um sentido apenas único e objetivo. Tudo o que podemos fazer é “lembrarmo-nos” dele – dar-lhe uma nova existência ideal. A reconstrução ideal [[151]], e não a observação empírica, constitui o primeiro passo na direção do conhecimento histórico. (...) O historiador, (...), vive em um mundo material. No entanto, o que ele encontra logo no início de sua investigação não é um mundo de objetos físicos, mas um universo simbólico – um mundo de símbolos.”[152]
Assim, tomando de empréstimo essa discussão, ampliamos esta responsabilidade do historiador para com a leitura dos símbolos, tanto para com a história quanto para com a memória. Pois se a história não pode prever eventos futuros, ela tem como função primeva trabalhar com o passado, e, mais ainda, dar um “sentido” (ou uma nova dimensão em termos de compreensão) desse passado da vida humana – que, no limite, compõe um amálgama de “elementos que implicam e explicam uns aos outros”[153]. Entendemos, portanto, que a memória é, em si, uma construção histórica, social e individual. E aqui encerramos com a seguinte colocação: “a recordação não significa simplesmente um ato de reprodução. É uma nova síntese intelectual – um ato construtivo. Nessa reconstrução [ideal][154], a mente humana move-se na direção contrária à do processo original.”[155] Em suma, se para fazer história é preciso excitar a memória (lembrança ou recordação) num exercício para uma nova síntese intelectual; uma separação rigorosa e irremediável entre ambas é, segundo nosso entendimento, mister.
Uma vez explanada nossa ótica sobre a relação entre memória e história, acreditamos ser este o momento para algumas intervenções conceituais. A partir de agora iremos esmiuçar alguns conceitos referentes à nossa noção para memória, bem como à suas funções, que serão aplicadas mais a frente quando da análise dos depoimentos de Paulo Geiger e Moysés Glat.
MEMÓRIA “BALANCEADA”
Para Arno e Maria José Wehling, em sua obra “Memória e história. Fundamentos, convergências, conflitos”[156], o final do século XIX e o início do XX marcam o começo de uma transição da memória individual para memória social (ou coletiva). Ainda em fins do século XIX as primeiras definições para estas apareceram na obra “Matéria e Memória”, de 1896, sob a pena de Henri Bérgson[157]. Outro importante precursor destes debates foi o sociólogo francês Émile Durkheim[158], que, alguns anos mais tarde, também pôde contribuir para os estudos acerca da relação entre o individual e o coletivo com sua obra “Representações individuais e representações coletivas”, datada de 1898.
Contudo, foi segundo o ritmo ditado pelos escritos de Maurice Halbwachs que o conceito para “memória coletiva” foi devidamente aceito e consolidado no meio acadêmico. Este se deu através da relação exposta por ele entre memória individual e memória coletiva, anteriormente debatida por Bérgson. Em seu primeiro livro reconhecidamente atento a estas questões, “Le Cadre Sociaux de Memoire” [159], Halbwachs objetou demonstrar como a institucionalização social da memória pode ser encarada como a construtora da identidade cultural de um grupo[160].
Neste sentido, de acordo com “Memória e Identidade Social”, de Michael Pollak – outro estudioso do assunto que, mesmo décadas mais tarde, ainda corrobora, mesmo que de maneira muito menos radical, o regime de coletividade da memória proposto por Halbwachs – defende que:
“a priori, a memória parece ser um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice Halbwachs, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente (...)” (POLLAK, 1992, p. 201)
Com isso, entendemos que é de acordo com tais definições que se estabeleceram os cânones do atual debate acerca dos trabalhos histórico-sociológicos de análise da memória, ou seja, entendê-la como uma construção não somente individual, mas, prioritária e obrigatoriamente, coletiva. No entanto, nosso debate não se encerra por aí. Ao invés disto, é exatamente neste ponto onde ele se inicia.
A partir de sua segunda obra, no que tange às questões sobre memória, Maurice Halbwachs, em A Memória Coletiva[161], postumamente publicada em 1948, denota um apreço muito grande pelo estudo deste tema, incitando que, conforme dito anteriormente, mesmo parecendo ser um fenômeno construído individualmente, a memória é resultado de uma “construção social coletiva”. E afirma em relação às “suas” lembranças:
“Outros homens tiveram essas lembranças em comum comigo. Muito mais, para eles, me ajudaram a lembrá-las: para melhor me recordar, eu me volto para eles, adoto momentaneamente seu ponto de vista, entro em seu grupo, do qual continuo a fazer parte, pois sofro ainda seu impulso e encontro em mim muito das idéias e modos de pensar a que não teria chegado sozinho, e através dos quais permaneço em contato com eles.” (HALBWACHS, 1990, p.27)
Segundo Henry Rousso[162], em seu outrora mencionado artigo “A Memória não é mais o que era”, este fenômeno seria uma “reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado”. E que este passado “nunca é aquele do indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social, nacional”. Assim, mesmo que Halbwachs rejeite, ou nem mesmo se coloque frente a tal questão – a de uma idéia para um plano psíquico como a que Rousso propõe (este também escreve décadas mais tarde a Halbwachs) –, o historiador [LB1] francês acaba corroborando a posição defendida por Halbwachs no que se refere ao contexto social da (re) construção da memória, que, por sua vez, acrescenta:
“(...) No desenvolvimento contínuo da memória coletiva, não há linhas de separação nitidamente traçadas, (...) mas somente limites irregulares e incertos. (...) O presente não se opõe ao passado (...). Porque o passado não existe mais (...). A memória de uma sociedade estende-se até onde pode, quer dizer, até onde atinge a memória dos grupos dos quais ela é composta. (...) Em todo caso, uma vez que a memória de uma sociedade se esgota lentamente, sobre as bordas que assinalam seus limites, à medida em que seus membros individuais, sobretudo os mais velhos, desapareçam ou se isolem, ela não cessa de se transformar, e o grupo, ele próprio, muda sem cessar. É, aliás, difícil dizer em que momento uma lembrança coletiva desapareceu, e se decididamente deixou a consciência do grupo, precisamente porque basta que se conserve numa parte limitada do corpo social, para que possamos encontrá-la sempre ali.” (HALBWACHS, 1990, p. 84)
Nesse sentido, tendo em vista que para estes autores a memória é uma “reconstrução coletiva”, evidenciada, dentre outros, por fatos sociais – uma nítida herança durkheimiana em seus estudos – e monumentos, podemos perceber o imenso apreço acadêmico pela noção de Halbwachs para memória, que parece ditar o ritmo nestes debates, dando a entender que esta é, e sempre será, exclusivamente coletiva.
Mesmo atribuindo novas concepções, novos olhares e perspectivas aos estudos sobre memória, quando analisada em termos acadêmicos, sociológica e historicamente – é preciso deixar claro –, esta tende a manter, o que nos parece ser, um verdadeiro dogma canônico (originado no século XIX): seu caráter única e exclusivamente social, ou coletivo.
O “mal-estar” causado por esta aceitação “coletiva” (se nos couber aqui o trocadilho) das academias nos apareceu durante as leituras de um grande número de intelectuais que voltaram seus estudos a uma “reconstrução” da memória desde o proposto por Halbwachs: M. Pollak, René Remond, H. Rousso, Jean-François Sirinelli, apenas elencando alguns poucos dentre muitos outros, que mesmo trazendo novos conceitos aos debates – alguns, inclusive, serão por nós analisados aqui doravante, e são, deveras, muito profícuos e virtualmente imprescindíveis ao presente estudo – mantém intacta a asserção de Halbwachs sobre a memória conforme o dito supracitado. Assim, é com Michael Pollak, que menciona a posição de Halbwachs frente à existência de “pontos de contato” entre a memória individual e a memória de outros como forma de reconstruir uma memória coletiva; onde a “negociação” entre elas é algo feito apenas de maneira a conciliar a memória individual às memórias coletivas[163]. No entanto, Pollak se aproxima mais de nossas propostas do que Halbwachs, ao tratar a noção de negociação de maneira diferente da deste. Pollak, então, diz que:
“Ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de negociação [o grifo aqui é nosso], de transformação em função dos outros. A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros. Vale dizer que a memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas [idem], e não são fenômenos que devam ser compreendidos como essências de uma pessoa ou de um grupo.” (POLLAK, 1992, p.203)
Porém, este é o mais próximo que este autor consegue chegar de nossas atuais asserções. Seria de se supor que iríamos, a partir de agora, debater o caráter individual da memória, em contraposição ao exposto anteriormente. Bom, em parte sim. Mas, primordialmente não. Iremos nos ater, exatamente, a esta “negociação” que Pollak cita de maneira despretensiosa em seu artigo, e a partir dela iremos buscar balizar nossos estudos posteriores.
Iremos nos posicionar, desde já, da seguinte maneira: ao focalizarmos nossa atenção ao indivíduo, única e exclusivamente, por mais sedutor que possa parecer, frente às constantes valorizações do caráter coletivo da memória, isto poderia, também, induzir-nos ao mesmo problema que levantamos anteriormente. Aqui, cremos, surge o link que conduzirá ao nosso próximo ponto desta monografia em termos teóricos: nossa proposta para um estudo que não seja nem por uma memória coletiva (exclusivamente), nem por uma memória individual pura e simplesmente, mas sim por uma memória “balanceada”. Noutras palavras, buscamos uma forma de “negociação” mais positiva e diferenciada entre estas. Mas, “balanceada” em que sentido?
Norbert Elias, em sua obra A Sociedade dos Indivíduos[164], constrói um quadro conceitual para delimitar como podemos entender a relação entre o indivíduo e o coletivo (a sociedade). De início, destrincha as características e os limites das sociedades que supervalorizam a função dos indivíduos nos rumos destas, bem como nas sociedades que não entendem o indivíduo como agente nos processos de mudança dos rumos sociais.
“Toda sociedade humana consiste em indivíduos distintos e todo indivíduo humano só se humaniza ao aprender a agir, falar e sentir no convívio com outros. A sociedade sem os indivíduos ou o indivíduo sem a sociedade é um absurdo.” [aqui o grifo é nosso] (ELIAS, 1987, P.67)
Um de seus pontos fundamentais consta em analisar o porque destas categorias terem de ser entendidas separadamente, e qual delas seria a mais “valiosa”, de acordo com o que ele pretende contra-argumentar. Elias está estabelecendo sua posição diante do debate teórico-ideológico, travado entre os “socialistas” e os “capitalistas” (individualistas). Mas é para além deste debate que nossa análise de sua obra nos leva. Isso se dá devido à profundidade de seu entendimento para as concepções de “indivíduo” e “sociedade”.
“A questão relativa à natureza da relação entre o que se classifica de ‘indivíduo’ e de ‘sociedade’ é obscurecida pela questão de qual das duas coisas é mais valiosa. E como, no conflito de ideais, uma costuma receber valoração bem superior à outra, sendo amiúde considerada positiva, enquanto a outra é negativa, os dois termos são usados como se se referissem a duas coisas diferentes ou duas pessoas diferentes. Fala-se de ‘indivíduo’ e ‘sociedade’ do mesmo modo que se fala de sal e pimenta, ou de mãe e pai. No pensamento e no discurso, usamos dois conceitos pelos quais se classificam os fenômenos humanos, a partir de dois planos de observação inseparáveis, como se eles se referissem a duas entidades, diferentes, uma das quais pudesse existir sem a outra. Isso, essa idéia da existência separada das duas coisas, de indivíduos que existem, em algum sentido, além da sociedade, ou de sociedades que existem, em algum sentido, além dos indivíduos, constitui, na verdade, um dos pressupostos tácitos comuns a ambos os contendores na luta entre ‘individualistas’ e ‘coletivistas’ (...)” (ELIAS, 1987, P.76)
Todavia, mesmo que este embate (no campo das ideologias) não conste de nossa discussão atual, é preciso abstrair e perceber que este também não configura o ponto nodal para Elias. É exatamente aí onde nos atrelamos ao autor.
De todas essas elucubrações acerca das disputas ideológicas constantes dentro do quadro histórico e social de sua época, o sociólogo alemão tece uma conclusão: estes conceitos (“indivíduo” e “sociedade”) são termos históricos que definem e classificam fenômenos humanos e, como tal, figura-se em um erro aceitar acriticamente, ou seja, sem um devido questionamento, uma natureza “antitética”, ou até mesmo uma existência separada para os dois estatutos, pressuposta para os mesmos.[165]
Após uma longa e detalhada análise acerca dos processos que levaram à construção das noções para “indivíduo” e “sociedade” – desde origens morfológicas nos distantes idiomas clássicos, passando por seus diferentes usos sociais, assumidos pelos mesmos nas diferentes atribuições que estes tomam ao longo da história, e checando, através de uma densa análise epistemológica, a “história” destes conceitos –, Elias conclui que a relação “indivíduo-sociedade” compõe um quadro muito mais complexo do que o senso comum deixa transparecer. Conceitos como “indivíduo” e “sociedade”, referindo-se o primeiro ao ser humano singular – como se fosse um ser alienado do mundo, externo a qualquer realidade, existindo em completo isolamento –, e a segunda como um mero acúmulo (ou aglomeração desestruturada) de muitos indivíduos (segundo a noção para o mesmo explanada acima), ou ainda, esta como uma entidade “para além” dos indivíduos, impossível de se categorizar ou teorizar satisfatoriamente, são apresentados e discutidos ao longo de sua obra constituindo um importante tratado acerca destas categorias.
Nesse sentido, temos um quadro problemático exposto por Elias no qual ele demonstra que: para pensarmos a relação entre o “indivíduo” e a “sociedade” seria necessário, antes de mais nada, rever os próprios conceitos que se construíram para eles, de forma que estes conceitos deixem de significar duas categorias ontologicamente diferentes.
O objetivo de Elias fica claro. Seu goal é: libertar o pensamento da compulsão de compreender os dois termos de maneira antitética.
Sendo sua obra uma compilação feita ao longo de uns bons 50 anos[166], organizada segundo a iniciativa de Michael Schröter, A Sociedade dos Indivíduos traz, subjacente à sua estrutura, concepções diferentes acerca do processo de formação das idéias – o que pode ser entendido, dentre outras, pelo simples fato de ter sido elaborada ao longo de tantas décadas.
Sua abordagem reflete, portanto, mudanças na maneira como a sociedade é compreendida e, também, na maneira como as diferentes pessoas que a constituem entendem a si mesmas (auto-imagem) como indivíduos únicos, e, também, como se vêem enquanto peças na composição de um todo social – que Elias nomeia por habitus dos indivíduos.
Para tal empreitada o sociólogo alemão emprega o conceito de uma “balança”: a balança nós-eu. Este conceito estabelece que a relação entre a identidade-eu (do indivíduo para consigo mesmo) e a identidade-nós (do indivíduo para com seu Habitus) não são imutáveis. Muito pelo contrário, estão sujeitas a todo tipo de transformação inerente ao campo do humano. Dessa maneira,
“Para onde quer que nos voltemos, deparamos com as mesmas antinomias: temos uma certa idéia tradicional do que somos como indivíduos. E temos uma noção mais ou menos distinta do que queremos dizer ao pronunciar o termo ‘sociedade’. Mas essas duas idéias – a consciência que temos de nós como sociedade, de um lado, e como indivíduos, de outro – nunca chegam a coalescer inteiramente. (...) O que se entende por ‘indivíduo’ e ‘sociedade’ ainda depende, em grande parte, da forma assumida pelo que as pessoas desejam e temem. Trata-se de algo amplamente condicionado por ideais carregados de sentimentos positivos e antiideais carregados de sentimentos negativos. As pessoas vivenciam o ‘indivíduo’ e a ‘sociedade’ como coisas distintas e freqüentemente opostas (...) porque as pessoas associam estas palavras a sentimentos e valores emocionais diferentes e, muitas vezes, contrários. (...) A idéia que ele [o emprego das palavras ‘indivíduo’ e ‘sociedade’] sugere, a imagem de duas entidades diferentes, separadas por um extenso abismo ou por uma antítese insuperável, responde, em larga medida, por todas as intermináveis discussões sobre a questão de quem ‘chegou’ primeiro, o ‘indivíduo’ ou a ‘sociedade’ (...) ” (ELIAS, 1994, P.67 - 77)
Uma vez instaurado o problema, Elias passa a buscar um pressuposto que fundamente a análise das estruturas mais básicas do homem: a autoconsciência. Isso significa que, em qualquer situação onde os seres humanos encontrem-se vivendo sob um regime de coletividade, o elo primevo que os mantém unidos, segundo entendimentos do autor, é a imagem que eles têm de si mesmos (não só no presente – enquanto indivíduos únicos – como também em todas as épocas – enquanto membros de uma comunidade social maior). Esta autoconsciência seria o “porto seguro” no qual todos ancorariam suas vidas ao navegar pelos mares do medo e da incerteza.
O problema é que esta autoconsciência é mutável e Elias se viu, assim, tendo de buscar um elo entre o que ele pretendia demonstrar e essa transição. Fê-lo magistralmente. Num exercício epistemológico de proporções ímpares, Norbert Elias delimitou um quadro com as principais questões que permearam os caminhos da epistemologia ao longo dos séculos justamente buscando novas formas de se conscientizar acerca do homem. Deu um passeio através das teorias de Descartes, Vico, Kant, Hegel, Hume, dentre outros, delimitando como a construção dessa “autoconsciência” se deu lentamente e de maneira gradual e processual. Passando de um momento ao outro dentro desta construção, afirma o autor, estas autoconsciências nunca estiveram “erradas”. Ao invés disto, estas – sempre que uma determinada “consciência” era construída, em algum momento histórico, por mais insatisfatória que fosse para explicar uma realidade geral – eram a expressão de uma experiência dos membros dessas sociedades onde elas foram construídas, e por quem foram construídas: por homens imersos em seu tempo.
Para o autor a individualização foi um processo lento e gradual que não pode ser separado dos outros processos da esfera humana, como, por exemplo, a crescente diferenciação das funções sociais e o controle cada vez maior das forças naturais não humanas. O ego do indivíduo age cada vez mais fortemente – o desejo de se destacar dos outros –, algo que caracterize-o como indivíduo e distingua-o dos outros indivíduos; que lhe permita conquistar ou se transformar em algo excepcional, grandioso, nessa competição entre indivíduos. Este processo foi aumentando sua força e sua presença no cotidiano das sociedades (o “logicamente” dos indivíduos que compõem estas sociedades) a medida que a lógica do capitalismo nas sociedades onde o industrialismo avançava a largos passos tornava-se cada vez mais forte.
Neste sentido, desta dualidade onde lado a lado coexistem o desejo de ser alguém por si e o desejo de estar inteiramente inserido na sociedade, retomamos o seu conceito de uma “balança” entre ambos, pois
“A identidade eu-nós (...) é parte integrante do habitus social de uma pessoa e, como tal, está aberta à individualização. Essa identidade representa a resposta à pergunta ‘Quem sou eu?’ como ser social e individual. (...) A resposta mais elementar [nas sociedades nacionais] à pergunta ‘Quem sou eu?’ é o nome-símbolo com que ele é registrado ao nascer. (...) esse tipo de nome, com seus dois componentes de prenome e sobrenome, indica a pessoa tanto como indivíduo singular quanto como membro de determinado grupo, sua família. O nome dá a cada pessoa um símbolo de sua singularidade e (...) também (...) indica quem se é aos olhos dos outros. (...) Também por esse prisma, vemos o quanto a existência da pessoa como ser individual é indissociável de sua existência como ser social.” (ELIAS, 1994, p.151)
Sob esse prisma, por exemplo, a forma dupla do nome de um indivíduo pressupõe a sua dupla identidade, ou seja a sua identidade eu-nós. Ora, será um equívoco se supormos que um homem de 74 anos é exatamente o mesmo indivíduo de quando possuía 7 anos de idade. Se o fizéssemos teríamos que abandonar todo o processo de desenvolvimento desta pessoa em termos de personalidade, constituição biológica, social, profissional, etc... Esse processo é contínuo e de sua continuidade advém a construção da identidade de uma pessoa; construção contínua, também, que está sujeita à sua autoconsciência eu-nós. E essa continuidade, segundo Elias, está ligada a faculdade humana mais importante para esse quesito: a memória.
Nas palavras do autor:
“(...) a continuidade da seqüência processual como outro elemento da identidade-eu está entrelaçada, (...), com outro elemento da identidade-eu: a continuidade da memória. Essa faculdade é capaz de preservar os conhecimentos adquiridos e, portanto, as experiências pessoais de fases anteriores como meio de controle ativo dos sentimentos e do comportamento em fases posteriores numa medida que não tem equivalentes nos organismos não-humanos. A imensa capacidade de preservação seletiva das experiências, em todas as idades, é um dos fatores que desempenham papel decisivo na individualização das pessoas.” (ELIAS, 1994, p. 154)
Nesse ponto nossa discussão retoma os contornos pertinentes à presente monografia. Pois o que o autor trata, nesta parte de seu asserção, é fundamental para o trabalho de análise e entendimento das funções da memória nos campos histórico e sociológico. Elias enfatiza que nenhuma memória é pura abstração, ou seja, toda memória possui um substrato orgânico, concreto. Essa peculiaridade da constituição humana caracteriza o fundamento do que pretendemos discutir aqui. Ou seja, a identidade-eu das pessoas está dependendo, em larga medida, não somente das contribuições externas (ou coletivas) que lhes são passadas através do contato humano no universo social, mas, também e, concomitantemente à capacidade de se se perceberem enquanto unidades orgânicas complexas, dotadas dessa auto-consciência, que permite uma representação delas mesmas como imagens espaço-temporais em meio a outras “imagens” semelhantes.
Nesse âmbito, Elias dá ênfase ao caráter processual propedêutico da formação e desenvolvimento das pessoas. Com isso afirma que
“a identidade da pessoa em desenvolvimento repousa, acima de tudo, no fato de que cada fase posterior emerge de uma fase anterior, numa seqüência ininterrupta. O controle genético que dirige o curso de um processo é, ele mesmo, parte desse processo. E o mesmo se aplica à memória [o grifo aqui é nosso], seja ela consciente ou inconsciente.” (ELIAS, 1994, p.156)
Dessa forma, assim como para cada indivíduo a capacidade que este tem de ser, ao mesmo tempo, um “eu”, “nós”, “você”, “ele(a)”, etc.., ou seja sua capacidade de ser um e muitos, um ser uno e plural, a construção da memória, enquanto processo do nível humano, componente destes indivíduos, de suas identidades e de suas autoconsciências, também deve ser entendida como tal.
A capacidade de transmissão dos símbolos de uma geração para outra (em grande escala) é ao mesmo tempo apreendida coletivamente e individualmente. Logo, a forma como esta memória é interiorizada, assimilada, interpretada, e transmitida advém, em grande parte, de características individuais e coletivas balanceadas por cada pessoa ao longo de suas vidas. Negar a importância deste balanceamento no processo de construção mnemônica seria o mesmo que negar a natureza idiossincrática das constituições sociais humanas. Esse balanceamento da memória, é preciso deixar claro, é mutável e, assim sendo, pode variar de acordo com o momento em que se está elaborando uma recordação; ao fazê-lo, um depoente, por exemplo, poderá “re-balancear” suas lembranças coletivas e individuais (permeadas por outros elementos que iremos analisar pormenorizadamente mais à frente) de inúmeras maneiras, até chegar a uma recordação que, a ele, faça sentido no presente momento da transmissão dessa memória.
Em suma, o habitus social dos indivíduos tem muitas camadas. “A utilidade do conceito de uma balança nós-eu [grifo nosso] como instrumento de observação e reflexão talvez possa ser ampliada se prestarmos alguma atenção a esse aspecto multiestratificado dos conceitos-nós. Ele se equipara à pluralidade dos planos interligados de integração que caracterizam a sociedade humana em seu atual estágio de desenvolvimento.”[167]
Em resposta à questão supracitada (balanceada em que sentido?), temos por esse conceito/instrumento de Elias profundo interesse quanto ao tratamento e análise da memória, suas funções e seus conceitos. Essa faculdade humana, a nós tão cara quanto a Elias, deve ser entendida de maneira a se possibilitar uma concordância entre as partes responsáveis pelo trâmite da mesma. Esta pode ser “ensinada” a alguém pelo coletivo no qual este indivíduo se encontra imerso (que pode ser a família, os amigos, um grupo político, etc...), que de uma forma bem pessoal e única, irá transformá-la em algo diferente daquilo que lhe foi transmitido. Uma outra noção que irá nos habilitar a enxergar mais nitidamente o proposto será a noção de “projeto”, do antropólogo Gilberto Velho, que será analisada em seguida. Essa categoria depende da noção de indivíduo discutida aqui, pois lida exatamente com a construção da memória de um indivíduo, ou seja, sua seleção mnemônica individual, através de um “projeto” de vida estabelecido por este para si mesmo, seja em relação à sua posição individual no coletivo, ou do coletivo em sua vida pessoal. Esta noção, no presente trabalho, seria impossível de ser trabalhada sem a nossa intervenção sobre a relevância do indivíduo (como agente) no processo de balanceamento da memória, junto ao coletivo.
Portanto (e aqui encerraremos a discussão sob o balanceamento da memória), entender a memória é ao mesmo tempo um exercício de compreensão do coletivo e do indivíduo. Nem um nem outro existem de maneira separada, ou melhor, um não existe sem o outro. A memória é parte deste universo relacional, não apenas como produto mas, como nos mostrou Elias, como parte constituinte de um todo idiossincrático. Daí a memória ser coletiva e individual, obrigatoriamente. E é preciso atentar ao fato de que esse processo não se dá de maneira simples, nem tão pouco estanque. Entender como se dá o equilíbrio (ou desequilíbrio) entre estas instâncias coletivas e individuais na memória, de acordo com a instrumentalização de uma “balança”, analisada aqui através dos discursos que iremos exercer mais a frente, é o caminho proposto para viabilizar nossos estudos a partir de agora. Essa balança, novamente segundo Elias, está sob constantes mudanças e constitui o universo identitário dos indivíduos e das sociedades. A memória balanceada, agora já segundo nosso entendimento, deve ser uma constante, pois irá constituir um elemento de análise teórica quando ao trabalhar a transmissão de uma memória. Através desta podemos ter um espectro mais claro acerca das funções daquela memória que se pretende passar adiante. De acordo com esta preocupação, em se “balancear” o individual com o coletivo (em termos mnemônicos), poderemos estabelecer de maneira mais concisa as funções daquela memória em termos simbólicos, tornando-a inteligível a todos que não compartilharam de suas experiências ao longo de sua história.
PROJETO, IDENTIDADE E ENQUADRAMENTO
A partir de agora iremos trabalhar com noções de dois autores extremamente importantes para o presente trabalho: Gilberto Velho[168] e, novamente, Michael Pollak. Ambos lidam com a questão da identidade, porém iremos iniciar nosso debate estabelecendo a relação entre memória e projeto na constituição de uma identidade, segundo o proposto por Velho, para daí seguirmos à discussão de Pollak.
Em “Memória, Identidade e Projeto”, Gilberto Velho é por nós apropriado aqui como sendo uma espécie de seqüência lógica e cronológica, pois escreve um ano após, ao discurso iniciado por Elias no ponto analisado anteriormente. Isto é obviamente não intencional para Velho, sendo fruto de nossas elucubrações única e exclusivamente; porém, é muito pertinente ao presente estudo. Velho, analisa o embate entre indivíduo (cada vez mais imbuído de suas características enquanto sujeito) e as unidades “englobantes e encompassadoras”[169], como a família, a nação, partido político, igreja, etc.., e afirma existir uma tensão entre estas diferentes configurações de valores constituindo uma das características seminais das sociedades modernas: a dicotomia entre “o” sujeito e “os” indivíduos.
Temos por encerrada esta discussão, ao menos na presente monografia, uma vez que este debate foi por nós trabalhado anteriormente, portanto iremos analisar o ponto que segue a este quadro inicial colocado por Velho: a relação entre memória e projeto.
A memória constitui um fator importantíssimo no processo de construção de uma identidade. Porém, ela “é fragmentada; (...) e o passado é descontínuo”[170]. Isso implica que a consistência e o significado destes para um indivíduo estarão articulados a um “projeto” (ou mais) deste mesmo indivíduo. Ou seja, para que passado e memória possam articular-se de maneira inteligível para um indivíduo este (consciente ou inconscientemente) dá-lhes um sentindo, um fio condutor, atrelando-as uma a outra através de um projeto. Por mais que esse projeto seja um elemento constituído no indivíduo, é importante destacar, ele existe no universo da intersubjetividade, o que significa que, em outras palavras, ele é voltado a uma “negociação da realidade com outros atores, indivíduos ou coletivos”[171]. Ou ainda
“O projeto não é abstratamente racional, (...), mas é uma deliberação consciente a partir das circunstâncias, do campo de possibilidades, em que se está inserido o sujeito. Isto implica em reconhecer limitações, constrangimentos de todos os tipos mas a própria existência do projeto é a afirmação de uma crença no indivíduo-sujeito. A identidade, por conseguinte, depende desta relação do projeto do seu sujeito com a sociedade, em um permanente processo interativo. Sem dúvida, um sujeito pode ter mais de um projeto, mas, em princípio, existe um principal ao qual estão subordinados os outros que o têm como referência.” (VELHO, 1988, p.125)
Em uma palavra, a noção de projeto está arraigada em uma idéia de indivíduo-sujeito. Porém, não podemos confundir esta colocação apenas como uma negação do coletivo em função deste, muito pelo contrário. Como defendido anteriormente, este conceito de projeto define bem a importância de se considerar estas instâncias (indivíduo e sociedade) de maneira concomitante, e, quando da construção de uma memória identitária, em um constante balanceamento. O projeto e a memória associam-se e articulam-se de modo a tornar inteligível a vida de um indivíduo, suas ações passadas e presentes. Dito de outra forma, ao associarem-se (memória e projeto) como visões retrospectivas e prospectivas, respectivamente, deste mesmo indivíduo, a própria identidade social do mesmo (sua autoconsciência, segundo Norbert Elias) se constituirá dentro de uma conjuntura para sua vida: uma trajetória sua. Portanto, o(s) projeto(s), como proposto por Velho, irá(ão) compor um (ou mais) elemento(s) constituinte(s) da identidade deste indivíduo.
No que tange a identidade, nossos olhares se voltam para a discussão tomada por Pollak em seus, outrora citados, artigos “Memória e Identidade Social” e “Memória, Esquecimento, Silêncio”, além da discussão iniciada por Velho. No primeiro artigo iremos deter nossa atenção à noção estabelecida para identidade por Pollak, que, em função da memória,
“Se podemos dizer que, em todos os níveis, a memória é um fenômeno construído social e individualmente, (...), podemos também dizer que há uma ligação fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade. (...) Aqui o sentimento de identidade (...) é o sentido da imagem de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros.” (POLLAK, 1992, p. 203)
Assim, Pollak esquematicamente propõe, também, que nessa construção da identidade individual há três elementos essenciais:
1. “A unidade física”: sentimento de pertencimento a um universo de fronteiras físicas, por exemplo, enquanto pessoa de carne e osso; ou enquanto membro de uma família, de um grupo e amigos;
2. “A continuidade temporal”: ou seja, um tempo psicológico; de sua imersão num processo de progressão cronológica; e, finalmente,
3. “O sentimento de coerência”: significa que do somatório de todos os diferentes tipos de características reunidas na formação de um indivíduo são unificadas por um único ser.
Com isso em mente, no que diz respeito a relação entre memória e identidade, Pollak conclui que nenhuma imagem (ou representação) individual ou coletiva é essencial ou estanque. Estas representações identitárias compõem fenômenos construídos através da relação entre indivíduos, o que quer dizer que eles são também fatores de desígnio de sentimentos de continuidade e coerência, não somente no âmbito dos indivíduos como, também, para o coletivo.
No que concerne a esta monografia, iremos destacar mais um elemento componente de suas teorias: a noção para um “enquadramento” da memória. Este conceito será muito importante para a composição de uma história que se pretende oficial e, por conseguinte, para a construção de uma identidade social, seja ela de natureza individual, coletiva ou o fruto do balanceamento entre ambas.
Este conceito surge quando incitado por Henry Rousso[172], em suas asserções sobre a fecundidade acerca de um termo tão vago quanto “memória coletiva”. Esta noção é melhor trabalhada por Pollak quando este nos afirma que
“A memória (...) que se quer salvaguardar, se integra, (...), em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividade de tamanhos diferentes (...). A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis. (...) Manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em comum, (...), significa fornecer um quadro de referências e de pontos de referência. (...) todo trabalho de enquadramento de uma memória de grupo tem limites, pois ela não pode ser construída arbitrariamente. (...) O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história.” (POLLAK, 1989, p. 11)
Assim, o constante exercício de reinterpretação do passado se dá em função dos constantes embates entre o presente e o futuro que se pretende, um futuro “projetado”. No caso, se essa memória se alimenta do material fornecido pela história, esta, por sua vez, não pode, simples e radicalmente, mudar a direção de um discurso que era vinculado a sua imagem, principalmente nos casos de uma memória da ordem de um partido político, por exemplo. Pois se os atuais membros (indivíduos) não se identificarem mais com as características que, muitas vezes, os levaram a compor os quadros de um determinado movimento político (como o Hashomer Hatzair, como veremos mais a frente) estes poderão perder sua identidade dentro do grupo.
Em suma, o trabalho de enquadramento da memória é uma reorganização (no presente) da chama de uma memória que se pretende manter acesa para um futuro. Pois, assim como a memória de um grupo que se pretende preservar, as identidades de seus integrantes (indivíduos-sujeito) estão arraigadas a ela, uma vez que suas memórias individuais se encontram em constante balanceamento com essa memória social, sendo, portanto, extremamente delicado esse trabalho de análise para o pesquisador. Com isso, mesmo sob o cunho exclusivamente analítico, poderíamos acabar por desestruturar todo um processo de balanceamento de uma memória identitária das pessoas envolvidas com este movimento, por exemplo. E isto seria desatroso para ambas as partes. Em uma palavra: “o que está em jogo na memória é também o sentido da identidade individual e do grupo[173].”
Um outro ponto merece a nossa atenção: as memórias (sejam elas de quais forem) quando tornadas públicas, ou exteriorizadas por algum indivíduo, não são constituídas apenas por lembranças. Elas também configuram silêncios, ou, nas palavras de Pollak[174], “não-ditos”. Sim, pois se toda memória é seletiva, pressupõe-se que seja inadmissível uma compreensão total e absoluta de tudo que se viveu até o momento da transmissão desta memória. Assim sendo, a própria seleção (e ordenação) desta memória implica um “silenciar” sobre outras lembranças. Esse “silêncio” irá figurar um “não-dito” dessa memória.
Michel Pollak trabalhou esse ponto muito bem no que se refere à sua complexidade, pois muitas são as nuanças acerca dos “silêncios”, que podem variar de acordo com o caso em questão. A nós caberá, aqui, expor o conceito central de “silêncio” e sua relação para com o “esquecimento” definitivo, seguindo os passos de Pollak.
Silêncio é seleção. É deixar para trás, ou então deixar guardado dentro de uma “caixinha” na cabeça. Silenciar sobre algo implica uma escolha (muitas vezes consciente). O silêncio e o esquecimento não são a mesma coisa. Enquanto o primeiro é lembrança, guardada como segredo, ou reprimida; trauma de infância; ausência de uma escuta; ou coisa que o valha, o segundo é a “morte” da lembrança. Enquanto silêncio, uma lembrança pode ainda vir à tona e tornar-se memória, pois a linha que separa o silenciar do proferir é tênue e está em constante deslocamento. Agora, quando uma lembrança cai em esquecimento definitivo, isso significa que ela estará perdida para sempre.
Concluindo, se entendermos projeto, identidade e enquadramento da memória de uma maneira “balanceada”, perceberemos como estes conceitos se adequam a proposta de nosso atual estudo. Pois, se a memória que se pretende preservar é uma faculdade humana em constante balanceamento, ela está então, com isso, vinculada a indivíduos dotados de projetos específicos para com esta. Disso temos que a “responsabilidade” para com as identidades não só do movimento político, por exemplo, em si (enquanto coletivo), mas como para com as identidades dos indivíduos que o compõem e estão afetivamente ligados a ele, estão em jogo também. De acordo com o trabalho de análise dessas memórias identitárias poderemos perceber qual é o projeto que delimita um determinado enquadramento para esta memória. O projeto e o trabalho de enquadramento caminham lado a lado num presente que está lidando com a chama dessa memória que se pretende manter acesa.
Porém, esta responsabilidade não se encontra nas mãos de qualquer um. É preciso um respaldo político muito grande frente ao coletivo para determinar esta operação. É destes indivíduos que iremos tratar a seguir.
PORTA-VOZ OFICIAL (OU AUTORIZADO)
Dando seqüência a nossos estudos, temos então que dentro de um trabalho de enquadramento da memória (como visto anteriormente) se dá, necessariamente, uma seleção, uma construção. Com isso, fica a questão: quem realiza esta construção? Ou ainda: é algo que qualquer um pode fazer? É em busca das respostas a estas questões que iremos seguir adiante.
Destarte, incitados pelo proposto por Pollak em seu já mencionado artigo na Revista Estudos Históricos, onde este afirma que um trabalho de enquadramento requer "atores profissionalizados”, ele nos conta que
“Esse papel existe também, embora de maneira menos claramente definida, nas associações de deportados ou ex-combatentes. (...) Pode-se perceber isso quando se aborda, no contexto de uma pesquisa de história oral, os responsáveis por tais associações. (...) Esse trabalho de controle da imagem da associação implica uma oposição forte entre o ‘subjetivo’ e o ‘objetivo’, entre a reconstrução de fatos e as reações e sentimentos pessoais. A escolha das testemunhas feita pelas responsáveis pela associação é percebida como tanto mais importante quanto a inevitável diversidade dos testemunhos corre sempre o risco de ser percebida como prova da inautenticidade de todos os fatos relatados” (POLLAK, 1989, p.10)
Com isso, Pollak nos diz que, nesse caso, o controle da memória e, por conseguinte, da identidade social deste coletivo se prende a um determinado número de “testemunhas autorizadas” que, previamente selecionadas pelo coletivo, irão compor um seleto grupo de “porta-vozes” oficiais de uma memória que se pretende manter. Em nossa atual pesquisa esse papel será desempenhado por Paulo Geiger.
Assim, podemos perceber que a memória não é um dado que “paira no ar”, ao invés disso, é detentora de um substrato de materialidade, que se encontra nos indivíduos. A memória é um componente dos indivíduos, tanto como sujeitos quanto como membros de um (ou mais) grupos de indivíduos. E, nesse âmbito, ela é tão diversa e plural quanto os diferentes indivíduos constituintes das sociedades o podem ser.
De volta a questão: é algo que qualquer um pode fazer? Sim, mas ao mesmo tempo, não. Qualquer um pode deter a memória que quiser, ou ainda, transformar as memórias lhe passadas da maneira que melhor lhe aprouver. Então, nesse caso, a resposta seria “sim”. Porém, e aqui tratamos do assunto pertinente a atual monografia, se esta memória for o resultado de um trabalho de um enquadramento social, cujo objetivo (“projeto coletivo”?) final é uma identidade social de pertencimento, para além de um indivíduo isolado, e sim em termos de um grupo maior – às vezes permeados por algum trauma coletivo que os mantenha unidos enquanto coletividade (como no caso das associações de sobreviventes do holocausto, por exemplo) – então a resposta será um taxativo não.
Michel Foucalt, ao analisar a relação entre as práticas discursivas e os poderes que as permeiam, em seu “discurso” inaugural ao assumir a cátedra vacante no Collège de France – por ocasião da morte de Jean Hyppolite – em 1970[175] nos brinda com um exímio trabalho onde discorre sobre os diversos procedimentos que limitam, tolhem e cerceiam os discursos nas sociedades (em especial a francesa), concluindo, grosso modo, que o discurso é o poder. Quem luta pelo direito de se expressar através de um discurso “verdadeiro”, luta pelo poder de exercer a “sua” verdade, ou a “verdade” em seu discurso.
Com isso, Foucault nos traz uma outra informação:
“Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar é a interdição. Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se compensam, formando uma grade complexa que não cessa de se modificar.” (FOUCAULT, 1996, p.09)
Logo, para além das obviedades, fica claro que para se falar sobre determinado assunto (ou, o que cremos que seria o mais correto na análise do texto de Foucault, para se ser ouvido e reconhecido enquanto agente de um discurso) é preciso deter um determinado “poder”. Esse poder, em nossas pesquisas, é o poder delegado ao “porta-voz oficial”, ou às “testemunhas autorizadas” de uma memória. Pois, qualquer discurso outro, ou seja, que se encontre fora de uma “normalidade”, ou de uma determinada “ordem” estabelecida sobre tal assunto (por exemplo, a memória sobre a fundação e o estabelecimento do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro, bem como de suas propostas e objetivos) será ignorado ou recalcado nas masmorras do esquecimento. Em suma, é preciso poder discursar para se ser ouvido e reconhecido. Falar apenas não é o bastante.
Assim, temos por obrigatória uma análise um pouco mais aprofundada sobre o conceito de porta-voz autorizado.
E com isso em mente, encontramos nos escritos de Pierre Bourdieu, autor que trabalhou em seu texto “A Economia das trocas Lingüísticas: o que falar quer dizer”[176] exatamente essa faceta dos discursos, um ótimo referencial.
Neste, trabalha de modo a contribuir às ciências sociais por estudar uma maneira “mais ou menos” autorizada de ver o mundo social, levando em conta as diferentes estratégias, os rituais coletivos, a luta simbólica que permeia o cotidiano dos grupos sociais, os enfrentamentos sobre visões políticas, etc.. E ainda
“Em meio à luta para a imposição da visão legítima, na qual a própria ciência se encontra inevitavelmente engajada, os agentes detêm um poder proporcional a seu capital simbólico, ou seja, ao reconhecimento que recebem de um grupo: a autoridade que funda a eficácia performativa do discurso é um percipi, um ser conhecido e reconhecido, que permite impor um percipere, ou melhor, de se impor como se estivesse impondo oficialmente, perante todos e em nome de todos, o consenso sobre o sentido do mundo social que funda o senso comum. (...) o porta-voz dotado de poder pleno de falar e de agir em nome do grupo, falando sobre o grupo pela magia da palavra de ordem, é o substituto do grupo que existe somente por esta procuração. Grupo feito homem (...) ele recebe o direito de falar e de agir em nome do grupo, de ‘se tomar pelo’ grupo que ele encarna, de se identificar com a função à qual ele ‘se entrega de corpo e alma’, dando assim um corpo biológico a um corpo constituído.” (BOURDIEU, op. cit. p. 82-83)
Como dito anteriormente, não é qualquer um que pode exercer esse papel. Pois esse poder não lhe é inato. Ele lhe é delegado. Seria um equívoco, portanto, creditar o poder das palavras às palavras, visto que a linguagem é apenas uma representação simbólica de um discurso institucional, mas estas palavras devem ser recitadas por alguma pessoa que detenha uma importância chave para que o discurso tome a forma e legitimidade esperadas. A solenidade do discurso autorizado não se encontra, como nos denota Bourdieu, nas palavras e sim em quem às pronuncia[177]. E mais ainda, é preciso sublinhar que “o poder das palavras reside no fato de não serem pronunciadas a título pessoal por alguém que é tão-somente ‘portador’ delas. O porta-voz autorizado [grifo nosso] consegue agir com palavras em relação a outros agentes e, por meio de seu trabalho, agir sobre as próprias coisas, na medida em que sua fala concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo que lhe conferiu o mandato e do qual ele é, por assim dizer o procurador”.(BOURDIEU, op. cit. p. 89)
Logo, para que um porta-voz seja eficaz é preciso que sua fala seja reconhecida como de direito, ou seja, a eficácia simbólica do seu discurso repousa na crença social (ou coletiva) depositada no ministério de quem exerce o discurso. Para Bourdieu, o porta-voz, por assim dizer, constitui o grupo ao mesmo tempo em que é constituído por ele. Esta categoria de pensamento é o elo que se encaixa perfeitamente à nossa noção para um balanceamento entre indivíduo e coletivo, previamente analisada. Pois o coletivo só existe na medida em que é reconhecido, que tem visibilidade, através de seu(s) porta-voz(es). E o porta-voz, por sua vez, só existe na medida em que representa um coletivo, na medida em que recebe uma delegação do grupo para falar em nome do coletivo.
Com essas categorias, acima explanadas, cremos ter um quadro teórico bem sólido sobre o qual nos debruçaremos a seguir quando da análise dos depoimentos propostos, enquanto estudo de caso. Neste, iremos centrar nosso foco em duas figuras que são de uma representatividade muito grande no que tange ao movimento Hashomer Hatzair: primeiramente, Moysés Glat, e depois Paulo “Pinchas” Geiger.
CAPÍTULO IV:
DEPOIMENTOS: SOBRE “VOZES” E “PORTA-VOZES”
PRÓLOGO
Antes de iniciarmos nossa análise dos depoimentos, iremos tomar alguns parágrafos em prol de uma ressalva que, antes de qualquer coisa, será muito importante sublinhar: é vital a presente monografia ter-se em mente que não estamos buscando um “embate ideológico” entre estas personagens. Muito pelo contrário, buscamos um encontro de suas memórias, um “balanceamento” (se couber o trocadilho) em prol da escrita de uma história do movimento Hashomer Hatzair carioca. Nosso papel enquanto historiadores será o de “filtrar” o que estará sendo colocado nos anais. Selecionamos de seus depoimentos aquilo que melhor se adequou a nossas prerrogativas para a atual monografia. Lembramos que toda seleção implica, necessariamente, num descarte. E, certamente, deixamos de lado certos traços em função das prerrogativas mesmas, destarte incitadas já em nossa “Apresentação”.
Nosso respeito e consideração tanto pela memória dos depoentes, quanto pela história do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro foram sempre forças motrizes na manutenção do trâmite deste projeto que, através de caminhos (por vezes) sinuosos, se manteve firme e forte em seu direcionamento até o presente momento, e que se pretende manter dessa forma ainda por mais algum tempo. Como citado anteriormente, esta é apenas uma “introdução” aos estudos sobre a memória deste movimento, por nós aventada na medida em que temos em mente sua continuação em um futuro bem próximo.
Uma vez elucidado este ponto, iremos iniciar nosso estudo dos depoimentos.
DEPOIMENTOS
Moysés Glat[178] nasceu em 1928, no Rio de Janeiro, filho de pai liberal, culto, um pouco religioso e imigrante da Polônia. Ele nos diz que saiu de casa aos dezenove anos após ter brigado com seus pais – o que era muito comum aos primeiros shomrim da época. Nada nos conta sobre sua mãe. À época, nos anos que seguiram o término da Segunda Guerra Mundial, houve, segundo Glat, uma forte expressão pró-soviética no Brasil, o que fortaleceu os quadros socialistas no país. E, ao mesmo tempo, uma forte reação pró-nacionalista dos judeus sobreviventes ao shoah[179]. Estes se voltam à construção do Estado de Israel, enquanto aqueles estão mais preocupados com a estabilização do socialismo no Brasil. Tanto assim, que havia militantes freqüentando as escolas em busca de novos quadros, outros já eram professores e “militavam” (ou em termos mais eufêmicos: “cooptavam” quadros) em sala de aula.
“Logo após a II Guerra Mundial, 1945, houve uma forte expressão em favor do socialismo e em torno da Rússia, [...] e ao mesmo tempo uma evocação nacionalista por parte dos judeus sobreviventes. Que se voltam a Israel e fazem o Estado.(...) Mas, como velhos socialistas, nós queríamos organizar um estado sionista, que fosse socialista. Nós queríamos isto!” [180]
O “problema” foi que os “comunistas” queriam fazer um trabalho de âmbito político e, inicialmente brasileiro, no sentido de estar ligado à política brasileira e sem um trabalho voltado à educação, o que logicamente deixava-os de fora de qualquer luta nacionalista, ou em prol de um nacionalismo judeu. Isso se dava devido a suas prerrogativas internacionalistas. Os comunistas estavam mais preocupados com o fortalecimento do “Partidão” aqui no Brasil e com a chegada da “revolução”. Assim, eles foram tentando encontrar lugares para militância, procuravam aumentar seus quadros, inclusive entre a juventude judaica carioca. Entretanto, Glat nos conta que:
“Foi lá no ginásio Hebreu Brasileiro que os comunistas entravam de sala em sala ensinando matemática, e a gente formava os grupinhos. (...) Havia um grupo que achava que nós tínhamos que fazer um trabalho político, brasileiro e socialista; sem trabalho de educação e sem necessariamente ter que ir a Israel. Então, já tínhamos uma estrutura, e como os comunistas judeus já estavam enturmados em nosso grupo, tomaram logo os postos principais. (...) Queriam nos transformar em uma célula comunista! Houve uma infiltração de judeus que já eram comunistas, e queriam fazer uma célula na Unificada Juvenil, assim como queriam fazer uma célula numa escola, uma célula numa fábrica, etc.. Era um acesso para quem queria fazer uma célula comunista, está certo? Houve essa aproximação, que não chegou bem a ser uma aproximação. (...) De lá saíram as histórias. Os velhos cantavam, contavam as histórias da Europa, tinha conferências, aos domingos tinha as ‘domingueiras’. De lá nós saímos para fazer o Hashomer. Nós nos encontramos com estas pessoas. Obviamente elas estavam mais preparadas que a gente. Nós entramos livres, eles entraram articulados, estavam com o objetivo já determinado (...).”[181]
Moisés estudou no, atualmente extinto, ginásio Hebreu Brasileiro, e nos contou que ali se encontrou o “berço” do Hashomer Hatzair aqui no Rio de Janeiro, e isso se dera basicamente por uma razão: sendo uma escola e, consequentemente, um lugar social de encontro dos filhos de imigrantes judeus à época, figurava um ponto de excelência para tal proposta juvenil. Afirma, também, que havia outros judeus de fora deste colégio (que só atendia até o final do nosso atual ensino médio – na época o “ginasial”), que faziam parte da “Unificada” – grupo juvenil sionista que se reunia nos porões dos templos e em bibliotecas. Dentro destes grupos externos ao colégio, Moysés e seus colegas iam “cantar o pessoal para a esquerda”[182]. Assim, pelos idos de 1946, foi surgindo o tnuá no Rio de Janeiro, contudo, seu nascimento foi se dando aos poucos.
“(...) em São Paulo, havia o que nós chamávamos de ‘Shomrim à Polônia’. São os ‘velhos’ que haviam pertencido ao Hashomer Hatzair na Polônia, vieram e queriam fazer Hashomer Hatzair aqui na América. Fizeram uma tentativa em 1936, e não deu certo. Logo depois da guerra [Segunda Guerra Mundial] eles voltaram novamente a fazer. Foram eles, na verdade, que perseguiram a gente, para poder fazer Kivutzot, quer dizer, grupos, pensar em aliá, ir para Israel, pensar mesmo em ir para o kibutz, pensar em tudo isso. Eu tinha um professor que num café da esquina me contou a história do Hashomer Hatzair dele na Polônia. E eu me empolguei com a história e disse: tudo bem, vamos entrar na educação também! Aí, eu entendi que o processo educativo seria realmente o caminho mais certo para levar ao kibutz. Se você falar com uma criança de sete ou oito anos os princípios de Shomer, não ia ter graça nenhuma. Essa criança tinha que, em várias fases, se identificar com o movimento e imbuir-se do espírito nacionalista, sionista, do espírito do kibutz, aquelas canções e as danças, eram de uma alegria inigualável. Lembro-me como na independência de Israel, em 1948, foi um carnaval que não tinha mais tamanho, em casa, depois na rua. Depois teve uma festa no campo do América (...). Bom, aí sim, alguns colegas que toparam ir e nós começamos a criar os Kvutzot; seria a primeira estrutura da formação para o Hashomer Hatzair.” [183]
Aqui, Glat nos relata dois pontos importantíssimos: a instituição e o porquê da proposta pedagógica do movimento, bem como a razão para esta iniciativa ter se dado após a independência de moderno Estado de Israel. Primeiramente, ideologias à parte, este era um movimento que se dispunha a trabalhar com a educação de jovens, e estes “jovens” se iniciavam no movimento muito cedo, alguns com sete ou oito anos de idade. Como lidar com temas tais como “sionismo político” ou “socialismo”, ou até mesmo as aparentes contradições entre tais propostas com crianças tão jovens? A resposta se deu na concepção originária de seus precursores shomrim europeus:
“O trabalho principal que o Shomer tinha era educar via escotismo as crianças pequenas, do jardim; depois vinham os bogrim, os grandes; tzofim eram os escoteiros e, em camadas sucessivas iam se aproximando da idéia de Israel e do kibutz. (...) Acampamentos, canções, passeios, brigas com os pais, abandonar os estudos, ir para Israel, para o kibutz, tudo isso. (...) Eu me lembro que fui a São Paulo, na inauguração de um grupo lá, que tinham mais de duzentas crianças cantando canções, e eu fui lá fazer um discurso pelo o binacionalismo no estado árabe e judeu. Mais tarde, quando eu cresci, foi que eu vi a bobagem que eu havia feito. Havia entre nós várias propensões para o socialismo e para o binacionalismo, também. E o nosso grupo de esquerda tem várias vertentes. O Dror [184], por exemplo, também queria isso. As fórmulas e métodos utilizados entre ambos foram praticamente os mesmos (...).”[185]
Em segundo lugar, após a concretização política efetiva de um Estado Judeu na Palestina, o sionismo ganhou muita força e muitos quadros, o que impulsionou o tnuá, levando-o a ser um dos mais importantes movimentos juvenis sionistas no Brasil. Então, cronologicamente, a partir de 1946 iniciam-se as reuniões e as discussões nos porões dos templos, na Biblioteca Israelita Chaim Nachman Bialik. Com a fundação do moderno Estado de Israel em 1948, as divergências políticas cerraram-se e o terreno político da comunidade judaica foi se dividindo entre comunistas (não sionistas), socialistas (não-sionistas e revisionistas), sionistas e os sionista-socialistas, além, é claro, dos outros personagens do proscênio político brasileiro de então.
Vale ressaltar que os anos de 1946 a 1951 configuram um momento de abertura liberalista no Brasil. Após o fim da era estadonovista, em 1945, e, principalmente, após a promulgação da nova constituição de 1946 [186], iniciava-se um período na história do país caracterizado pela abertura democrática e pela Guerra Fria. Até o segundo governo de Vargas (em 1951) o país encontrou-se imerso numa “euforia ‘democratizante’ que se opunha a todos os vestígios de autoritarismos[187]”. Nesse sentido, os partidos comunistas estavam sob a bandeira da legalidade constitucional, o que favoreceu muito o cenário das esquerdas na antiga capital nacional.
De volta ao nosso depoente, este nos conta que quando chegou sua vez de imigrar, foi o último de sua turma a ir. A razão é simples, e encontra-se nas prerrogativas do movimento estabelecidas por ele em conjunto com seus colegas: fê-lo para não deixar a juventude, geração subseqüente, desamparada de uma liderança. Era preciso deixá-los em condições hábeis para uma auto-gestão, seguindo o lema shomer: “jovens guiando jovens”.
Glat já havia estado em Israel no treinamento para a construção da vida no Kibutz, um estágio último na formação dos shomrim. Porém, quando finalmente foi a Israel, agora já em aliá, foi por apenas nove meses.
“(...) antes de criar um kibutz nosso, íamos para outro kibutz, para treinar, se acostumar. Nós levamos tudo à frente e criamos o kibutz. Fui depois do meu grupo, o último a viajar, porque tinha que tomar conta do pessoal que ficava.
Então [quando chegaram no kibutz] eu fui nomeado para tomar conta de coletas de laranja. Fui trabalhar com dezenas de imigrantes que tinham chegado, fugidos da Pérsia, e que haviam chegado a Israel. Isso em 1950 ou 51, e eu me perguntava: ‘o que eu tenho em comum com isso?’ Nós só sabíamos que eles eram de origem mosaica, que tinham religião igual a nossa, assim como tinham os chineses, os da Somália e os da Abissínia!
Ou seja, trouxeram-nos para Israel por que você precisava de mão de obra barata. Precisavam preencher o território, precisavam de gente lá. A grande sorte foi a chegada de um milhão de russos em Israel. Hoje em Israel tem até um partido russo, que participa do governo.”
Porém, quando se refere as razões que o levaram a sair do kibutz, divide-se. Lembra que no momento de sua decisão não sabia porque saía, só seguiu “seus instintos”. E que hoje, ao olhar para trás e pensar sobre o ocorrido, analisa todas as causas que levaram-no a distanciar-se da vida política e do movimento.
“(...) no dia em que resolvi sair do kibutz, eu não sabia por que estava saindo. Obedeci meu instinto, eu não queria ficar. Ao longo do tempo, fui amadurecendo e esclarecendo as idéias (...)
Primeiro pela família, por ser estudante, ser profissional liberal. E segundo, em Israel, o que eu iria fazer totalmente despreparado? O que? Nada! Mas vamos lá, por que aconteceu isto? Isto também tem história. Trabalhei feito um cavalo, durante várias semanas, para ter direito do sábado livre, ou dias livres. Porque lá comecei a trabalhar e acumulava um dia, vários sábados, para ir assistir o congresso do Mapam. Este era o partido do Hashomer. Então fui. Eu queria assistir aos meus ídolos, todo o pessoal. Eu fiquei lá e começou a discussão. Era uma reunião de dois partidos, o da esquerda e o do Hashomer Hatzair. Mas tinha que formar o comitê central. Contudo, era muita gente que queria ser, como eu, do comitê central, e o pessoal queria trabalhar, mas não tinha emprego. Então se criou um partido dentro do maior, chamado ‘os não definidos’. Então eram três grupos, disputando a hegemonia e cada um queria pegar esse partido para entregar alguma coisa. (...) Lembrei-me da UDN/PSD [[188]] aqui no Brasil. Mas foi uma decepção com os meus líderes e com o partido. Quero dizer, aí eu saí. Não era esse meu sonho.”[189]
E, olhando para trás, agora relembra outro motivo simbólico que foi decisivo na sua opção:
“Um outro fato, que também me entristeceu muito, foi que eu vi que o homem responsável pelo trabalho no kibutz, recrutava trabalhadores judeus e árabes, para trabalhar no kibutz. Eu descobri que eles não registravam estes operários no Kibutz, nem na organização dos trabalhadores, em Israel. Ao não registrá-lo, não pagavam impostos e furavam o princípio Havodah Hakshimit [190], que era o de não explorar trabalho alheio. Com isto ele disse: ‘eu não registro porque eu vou quebrar o meu princípio’. Eu disse: ‘não, você tem uma maneira diferente, você paga salário agora e quando terminar a colheita, você no final vai fazer o cálculo, e ver o quanto você ganhou de lucro e repartir igualmente e manda a diferença para ele’. E ele disse: “Você é maluco!”[191]
Quando resolve sair do Kibutz, passa na casa de um tio em Israel, onde aguarda pela liberação de seus documentos por três dias antes de ir para o porto pegar o navio de volta ao Brasil. Após sua volta, tenta o estudo universitário em engenharia, mas logo abandona-o para dedicar-se ao ramo de venda de jóias. Muitos anos depois, retoma, já aos 38 anos de idade, seus estudos universitários e se forma em economia sob a orientação de Mário Henrique Simonsen, com quem trabalhou por muitos anos e de quem fora amigo pessoal por muitos outros. Dentre outros foi um dos responsáveis pela instauração do fundo de pensões brasileiro, foi analista da bolsa de Nova Iorque por 8 anos, cátedro da PUC e, atualmente, é o coordenador da Pós-graduação da FGV onde, há alguns anos, foi um dos responsáveis pela introdução da MBA (Masters Business Administration) no Brasil. Tem um discurso altamente crítico no que se refere a organização do movimento e, principalmente do sistema de Kibutzim, e diz:
“O kibutz nasceu também sobre um estímulo daquilo que nós [economistas] condenamos. Foram dados subsídios [estatais] ao kibutz para o seu desenvolvimento. Então essas coisas foram inventadas, que nada tinham haver com o socialismo. O socialismo lá era, na realidade, uma distribuição de pobreza e não de riqueza. Tanto assim, que na medida em que os kibutzim foram ganhando terreno e criando renda, começou a haver uma dissociação entre o trabalho braçal e o trabalho mental; entre o administrador e o trabalhador [...], era igual a uma cooperativa. E nós conhecemos no mundo inteiro a história das cooperativas! As cooperativas nascem pobres e ficam muito ricas, e, quando ricas, você tem a separação por faixa de trabalho mais qualificada e por faixa menos qualificada. Além do mais, se o [movimento] da América do Sul, que foi para Israel para fazer o kibutz, em grande parte foi por idealismo, a outra parte foi por razões pessoais, familiares. Quando alguém queria entrar no kibutz, nós dizíamos: “opa, pode vir!”. Mas houve esse problema, de logo depois 1945 ou 1948, se ramificou e se fortificou o sistema capitalista [em Israel].
Ora, o sistema capitalista é mais atrativo, do que ir por um sistema de kibutz. E ao longo do tempo, na medida em que o socialismo ia perdendo tempo no mundo, o elemento socialista do kibutz também ia se desfazendo. Então hoje eu chego em Israel, e encontro uma porção de amigos meus que largaram tudo e foram para lá. E, realmente eles não fazem nada de especial. Israel recebeu imigração, mas a função colonizadora do kibutz, já terminou. Hoje vocês vêem uns tantos “pequenininhos” em Gaza, mas é só”[192].
Paulo Geiger, nascido no Rio de Janeiro em 23 de maio de 1935, filho de Efraim e Rachel. Sua mãe o batizou Paulo, mas seu pai o registrou como Pinchas. Na infância aprendeu hebraico na escola, porém, já em casa teve contato desde muito cedo com este e com íidiche. Seu pai falava hebraico, e seus avós ídiche. Isso facilitou muitas as coisas para Paulo na escola, onde participou de muitos eventos e peças teatrais. Foi também na escola, o Hebreu Brasileiro, onde ele entrou em contato com o H.H.. Naquele tempo, por volta de 1947, ainda não havia uma sede oficial para o movimento, sendo que, com a aprovação dos pais e do corpo docente do colégio, as atividades de sábado – que variavam de acordo com a idade dos chaverim – eram exercidas no pátio deste colégio. Este aparente “detalhe” da atividade shomer já nos demonstra que o movimento não possuía um vínculo oficial com a religião judaica, pois suas atividades se davam (e ainda se dão) durante o Shabbath. Não que este movimento fosse anti-religioso, mas era laico, e devido aos seus ideais materialistas (provenientes de uma larga influência socialista) o lado religioso era posto de lado, ou seja, nem incentivado, tampouco repudiado. Mas o Hashomer Hatzair ainda participava de algumas festas de conotação religiosa, como a Pessach, o Yom Kippur, o Rosh Hashaná, etc[193].. Com relação aos primeiros anos da Shomer no Rio de Janeiro, e seu contato com o mesmo, Geiger nos conta:
“Bom, eu estudava no Hebreu-Brasileiro, que foi um dos primeiros alvos, ou dos primeiros lugares, onde os mais velhos, estavam tentando montar o movimento juvenil por aqui, no caso o Hashomer Hatzair, eu tinha doze anos na época. No caso, várias tendências foram procurar formar as suas bases. Uns tinham mais talento, outros menos, uns tinham mais resultados que outros. O Hashomer Hatzair foi montado no colégio Hebreu-Brasileiro, lá ele foi cooptar pessoas para o movimento. Então o Hebreu foi invadido por madrichim do Shomer, os mais velhos, que nos chamaram, montaram os grupos e aí eu entrei. Inclusive, foi um primo-irmão meu que foi lá ‘aliciar’ – é a palavra que eu estou usando – para entrar no movimento. Diziam: ‘vocês vão fazer um grupo!’ E eu entrei no meio. Ele montou um grupo dentro da minha sala, dentro da minha turma de Hebreu-Brasileiro e, evidentemente, depois de uma, duas ou três vezes ou você saia ou você ficava. Em ficando, você já está comprometido! Antes de nós estabelecermos o Hashomer Hatzair aqui, no Rio de Janeiro, ele se montou intencionalmente em cima dos centros de convivência de Israel e de judeus. O Hebreu-Brasileiro era um deles. Quase todo o colégio era influenciado pelo Shomer. Digo ‘quase’, pois alguns foram para o Dror, e outros movimentos também, mas a maioria era Hashomer Hatzair. E as atividades de sábado do movimento, com a consciência do comitê de pais, funcionavam no Hebreu. Não havia sede nenhuma. Aos sábados a gente ia ao Hebreu. Depois que surgiu uma sede na Tijuca, depois outra no Flamengo. Mas antes disso não havia sede nenhuma.”[194]
No que tange às atividades exercidas pelo movimento em seus primeiros anos Geiger nos informa que o movimento era extremamente ativo, desde a prática de esportes até o trabalho intelectual, o tnuá mantinha seus chaverim em ação constante:
“(...) Nós tínhamos esportes, como futebol, isso com os garotos, as meninas eu não tenho certeza o que elas faziam, que tipo de atividades elas faziam, na época elas não se interessavam por futebol. Depois disso tinha a Peulá, que era: sentar, discutir um assunto, citar um tema que era apresentado; depois havia o escotismo – sair para passeio, para as haflagot, uma palavra em hebraico, totalmente inadequada. Haflagá, em hebraico, quer dizer navegar; é você ir navegando. Provavelmente, alguma vez, em algum lugar na Europa saia-se de um lugar à beira-mar para fazer uma haflagá, para fazer uma navegação. E a gente ia para Jacarepaguá, sem um pingo d’água, e ia para haflagá, quer dizer a gente ia fazer navegação em Jacarepaguá! Nós chamávamos de haflagot os passeios, ou a saída com a barraca, para praticar o escotismo, esse tipo de coisas que era típico do Shomer, que consistia em juntar escotismo com os ideais nacional e social, fazer um “bolo” só (...), de vez em quando a gente saía para fazer alguma coisa diferente. Então a gente fazia peulá no sábado, saía de vez em quando para fazer a “navegação”, que era a haflagá e, uma vez por ano, saia e ia para uma moshavá, que também não tem nada a ver. É uma expressão de Israel mesmo, uma “aldeia”. Hoje o nome mudou chama-se “machané”, acampamento. Naquela época nem acampamento era! A gente “acampava” em estábulos, galpões, e não em barracas! Então a gente passava um tempo fazendo atividades no campo, antigamente eram uns vinte dias, hoje são por volta de uns cinco ou sete dias. A gente ficava vinte dias lá, vinte dias de moshavá, e de atividades culturais. Fazia uma festa, um jornalzinho, no final do ano apresentava para o público – a própria comunidade judaica – uma peça artística um lugar público, num teatro qualquer. Enfim, todas as atividades eram baseadas em peulá, esportes e escotismo (sirrah) e aprender e discutir temas de interesse judaico-socialista, etc, etc, etc. E, digamos assim, a prática física do escotismo, foram os passeios, e tudo mais era a cultura.”[195]
Quanto à ideologia, Geiger se mostra bem consciente do que significava ser shomer e nos conta o que o sionismo foi para o tnuá em sua geração:
“O sionismo passou a ser um sonho, um ideal de realização nacional para o povo judeu que a juventude judaica carregou consigo: “Vamos transformar isso em realidade!” Esse era o apanágio do grupo da juventude: transformar o sonho em realidade. É isso que caracteriza a juventude, é a época em que você aposta nisso. Então, o sionismo foi para o Hashomer Hatzair, exatamente, a visão de um direito (da vocação) da realização para o povo judeu de voltar a ser um povo judeu independente com todos os direitos que os outros povos do mundo dispunham trazidos pela emancipação e pela modernidade. Então o shomer adotou o sionismo como o ideal da realização nacional do povo judeu. O sionismo, para o Hashomer Hatzair, é um ideal de realização, não só um ideal místico de sonho, mas também, um ideal político baseado no que Herzl fez. De transformar a vocação milenar do povo de ser um só, (...) numa “coisa” realizada, através da logística de liberação e da revolução. Uma revolução nacional, deixar de ser um povo disperso para ser um povo, um Estado com uma nação própria.”[196]
Não só relacionado ao sionismo político, mas à como este movimento juvenil específico se ligava estruturalmente ao socialismo, Geiger afirma ser uma aceitação do movimento. Que esta não era uma obrigação, tampouco unanimidade dentro do sionismo carioca, tanto que havia outros sionistas distantes de tal proposta, como os de direita, por exemplo. Geiger corrobora a importância dos escritos de Ber Borochov, aliando o socialismo marxista ao sionismo político de Herzl.
“A necessidade de conciliar era dentro do pensamento marxista. Pois fora do pensamento marxista não havia a necessidade de conciliar, e sim conceber. Um sionista não socialista no movimento de direita não tinha que conciliar nada com nada. O que o Hashomer procurou, por se considerar na época, um movimento marxista e ao mesmo tempo um movimento sionista, era conciliar as idéias socialista-marxista com a idéia nacionalista, o que era difícil, pois o movimento marxista-socialista oficial renegava o sionismo. Então a preocupação do Hashomer era encontrar um ninho, um nicho, um percurso que lhe permitisse associar essas duas coisas, que lhe eram caras, que ele não iria abrir mão delas, e que eram contraditórias na versão oficial. Logo, Borochov foi importante pois ele possibilitou mostrar, numa análise marxista, que existindo uma tendência de normalização dos caminhos, a anormalidade é apenas provisória. Então há um caminho revolucionário para você mudar as condições. (...) O nacionalismo fica a serviço da revolução social do povo judeu. Ele conseguiu mostrar que a solução nacional que irá possibilitar o povo judeu fazer a sua renovação social, que é ocupar todas as camadas de produção e desenvolvimento, e fazer a sua revolução social dentro da sua estrutura nacional. O socialismo dizia que eu tenho que participar da revolução social dentro dos países em que eles estão, e Borochov dizia que sim, mas por que não há revolução social para o povo judeu se ele quer continuar a ser um povo e identificado como tal. Para isso ele precisa de uma base territorial, para fazer a sua revolução social. Logo, o Hashomer percebeu isso: a revolução social dentro da revolução nacional, dentro de um Estado, de uma nação próprios do povo judeu. Isso levou o movimento Hashomer Hatzair a pensar no kibutz como realização nacional e social povo judeu, e política, sendo uma célula do caminho da redenção nacional socialista do povo judeu no território próprio, o Estado judaico.”[197]
Sobre o cenário político na comunidade judaica carioca, Geiger nos afirma que havia disputas no que tange ao numerário de quadros entre os movimentos juvenis, pois as estruturas dos mesmos eram de base política, assim como qualquer partido político. Suas divergências instauravam-se no campo das ideologias, haviam aliados e inimigos:
“(...) O Hashomer tem muita afinidade com o movimento do kibutz Brochaiv, naquela época o Dror era desse kibutz, e com o Dror também, porque com o Betar, que era o movimento dos revisionistas, por exemplo, existia uma hostilidade maior, visto que ele tinha uma ideologia diferente dos outros movimentos que eram mais voltados para o kibutz. Mas não havia uma entidade que os congregasse, não havia um sindicato dos movimentos juvenis. Na verdade, nós sabíamos da existência um do outro, e havia uma competição até por “cabeças” – competição por quem iria atrair mais jovens –, e essa propaganda externa, essa coisa de atrair jovens, era muito importante.(...) Então tinha que correr numa turma nova na escola para ver quem chegava primeiro, quem conseguia levar mais gente, levar mais gente para os acampamentos, sair para atividades que atraíssem jovens, todos esses tipos de competição havia.”[198]
Ao completar seu curso no H.H. ele nos conta como foi incentivado pelos seus bogrim a não fazer a aliá logo, e sim iniciar seus estudos universitários. Sobre estes Paulo descreve:
“Bom, quando chegou a minha época de cursar a faculdade eu já estava há muitos anos no Hashomer Hatzair. De forma que, como eu tinha uma orientação voltada a aliá, eu não dava a menor importância a nenhum tipo de estudo universitário. E era muito criticado de fora por causa disso. Nossos pais diziam que nós não permitíamos estudar, e havia mesmo uma certa crítica ou uma certa relutância no movimento. Quer dizer, havia um certo conflito entre o movimento juvenil e os pais dos membros deste movimento. Então quando chegou a minha época, eu me lembro, me procurou o cheliach, e disse: “Olha você vai ter que demonstrar que quando uma pessoa tem talento e capacidade a auto-educação e o movimento não a prejudicam. Então, eles me disseram: “você vai fazer arquitetura!” Eu recebi esse encargo do movimento juvenil. Então a minha carreira universitária foi motivada pelo movimento juvenil e foi orientada por este. Pois a minha preocupação naquela época não era com estudo universitário, e sim com a aliá.
Assim, eu estudei lá por um ano, depois eu tranquei a matrícula, pois, no meio do ano, eu fui escolhido para fazer um curso em Israel, no instituto de Madrichim, de orientadores do movimento, fiz um ano por lá e, quando voltei, eu não reabri a matrícula, porque eu estava super envolvido com as atividades do movimento. Então eu não posso dizer que eu perdi uma carreira na universidade naquela época por causa do movimento, pois eu fui fazer universidade, fui possibilitado de cursar uma universidade por instrução do movimento juvenil.”[199]
Esta primeira ida de Geiger à Israel, em 1954, foi a etapa final de seu treinamento. Lá, nos conta, acontecia uma espécie de “curso de inverno/verão”, de um ano de adaptação à vida em Israel, no Instituto Machon, visando à adequação dos shomrim à vida no kibutz de verdade. Neste curso, os shomrim (membros) vão treinar para serem instrutores oficiais (madrichim) do tnuá. Seu propósito será regressar aos seus países de origem, treinar e preparar outros shomrim até que estes possam se responsabilizar pelos mais novos, para que daí os madrichim possam organizar uma garin (grande aliá), ou seja, um grupo de membros em aliá definitiva (ou não) para a vida num kibutz em Israel.
“(...) o curso lá era o seguinte: era de todos os movimentos juvenis do hemisfério sul, era um curso de transferência de estação, era igual a um curso de inverno e um curso de verão, alterna-se hemisfério norte e sul. Eram seis meses, então passou-se de fevereiro até julho, no verão, mais ou menos, em Jerusalém estudando, fazendo hebraico, enfim, uma série de cursos no internato em Jerusalém, e depois fomos para um kibutz, cada um naquele do seu movimento, todos os grupos de shomrim do mundo inteiro, quer dizer, do eixo do hemisfério sul, eram brasileiros, uruguaios, argentinos, chilenos, cubanos, mexicanos, sul-africanos, etc.. O nosso grupo do H.H. e o desses outros países ficaram seis meses em Jerusalém e depois fomos passar o verão em um kibutz, trabalhando e estudando, e depois voltamos para fazer o encerramento de um mês e meio e receber o nosso diploma, com o compromisso de voltar para casa e ser madrich (...).”[200]
Geiger, após seu retorno ao solo brasileiro em 1955, organiza tudo por aqui e em 1958 faz sua aliá. Mora em um kibutz por seis anos, regressando ao Brasil após isso, já casado e com dois filhos. É importante ressaltar que este assunto, “voltar para o Brasil depois da aliá”, é extremamente delicado. Pois, dentro do movimento, havia todo um trabalho de construção de um ideal: ir para um kibutz e construir Israel com suas próprias mãos, trabalhar, “você mesmo”, a terra prometida, este era o ideal máximo de realização pessoal, pois o kibutz seria o ideal socialista em prática no Estado de Israel, ou seja, era o sionismo-socialista na sua mais perfeita existência real. Assim ele era visto pelos membros do Hashomer Hatzair. Ao voltar, permanentemente, para o Brasil, os shomrim abdicam desse sonho, desse ideal – que fora construído ao longo de toda sua vida dentro do tnuá. Por isso atentamos para a delicadeza deste ponto, o porquê de nossos depoentes silenciarem a esse respeito, em especial Geiger, que não vai além de mencionar que sua volta se deu “por motivos de família”. Enquanto isso, Glat, como visto anteriormente, nos diz que “não sabia porque estava saindo, (...) segui meus instintos”. Paulo nos conta que essa ideologia (fazer aliá) dentro do shomer não era uma simples “norma”, e sim a força motriz deste movimento, era em função dela que seus membros passaram boa parte de suas vidas, abdicando dos estudos formais, de um curso universitário, muitas vezes brigando com seus pais e saindo de casa, etc..
“Eram motivações ideológicas, de identificação com a idéia, isto é, esta era a motivação maior do movimento H.H. no mundo inteiro, digo, no mundo ocidental. Ou seja, um mundo livre onde as pessoas não estavam fugindo, momentaneamente, de nenhuma perseguição, então era uma motivação puramente ideológica, de inspiração em torno da idéia.”[201]
Paulo nos esclarece alguns detalhes importantes da dinâmica desta imigração, e como esta funciona dentro do movimento. Aliá, no shomer, significa “um grupo que resolve imigrar junto”, e, no entanto, funcionava assim: antes de você formar um grupo de garin – grande aliá, um núcleo de aliá – será somente no kibutz (já em Israel) que este grupo irá se integrar, ou seja, não vão todos os shomrim de uma vez só. O primeiro grupo vai para preparar para o segundo grupo. Vão em “levas” diferentes, primeiro vão alguns e depois vão outros. Os que ficam trabalham no movimento, junto aos menores, e vão depois. Com isso, em duas ou três “levas”, você completa todo seu grupo de garin inicial, e todo mundo estará no kibutz. Então, um grupo do H.H. que foi para um determinado kibutz, outro grupo vai para outro; outro grupo de outra geração, de outra idade, vai para outro kibutz, e assim sucessivamente. A aliá é feita em função disso, dos amigos, você ia integrar determinado kibutz. E, ele nos conta, não havia financiamento, cada um pagava sua passagem como podia.
“O financiamento, bom, eu não sei como é feito hoje, mas na época o financiamento era próprio, você pagava pela sua própria passagem. E lá, como você não conhecia nada, você ia para um lugar que não existia (...) Chegando lá não tinha o que financiar, você ia direto, você troca a sua capacidade de trabalho pelo que você recebe, você não compra, não investe em moradia ou em imóveis, você já está lá! (...) Esse negócio de financiar, naquela época, eu não tinha acesso a isso, isso não fazia parte desse tipo de estrutura. E você tinha que pagar apenas uma passagem, e na época viajávamos de navio, e de terceira classe! Eu fiz aliá em navio de terceira classe, pois era uma passagem muito barata.”[202]
Suas impressões sobre o Estado de Israel dividiram-se pelas duas vezes que esteve lá por conta de sua participação no movimento: em 1954 – no curso preparatório –, e de 1958 a 1964 – quando esteve no kibutz. Porém, nos conta sobre como viu o recém nascido Estado, enfatizando sua estada nestes seis anos em aliá:
“Nessa viagem de 1954 eu tive certeza de que eu ia fazer aliá, voltei para cá fiquei mais três anos e depois eu fui. Então eu acho que essa impressão de Israel é a melhor. País duro e difícil, mas de uma energia, uma sinergia, uma capacidade de criação, de enfrentar problemas que contagiava mesmo. Então foi uma impressão muito positiva, talvez muito mais positiva do que a de muita gente hoje, já que lá é um país tão desenvolvido e tão diferente do que era na época. Israel era um país com seis anos de idade, um país com uma situação econômica muito precária. Havia o racionamento, você comprava carne por talões de racionamento, não existia um fornecimento de alimentos livre, era um país no início; um país cuja independência tinha sido feita há seis anos e, tinha conseguido duplicar a sua população em poucos anos, ele tinha 600 mil habitantes e estava recebendo imigrantes, principalmente de países árabes. (...) Então a situação era “precaríssima”. Quer dizer, a situação, analiticamente falando, do nível de vida da possibilidade de desenvolvimento pessoal era muito restrito. Eu me lembro que eu comia uma espécie de coalhada ou iogurte diluído que tinha sido inventado por ser mais econômico, comia algumas saladas, pois era uma comida muito racionada. Era um país precariamente instituído, sem a evolução toda que veio depois, e no entanto as pessoas estavam felizes. (...) Em Jerusalém, onde eu estava, que naquela época era dividida, certo? Atrás do muro ficavam os árabes do rei Hussein, e do lado de cá do muro ficava a Jerusalém judaica. Eles atiravam de cima do muro, assim à esmo, para ver se nos atingiam, várias vezes atiraram enquanto eu ainda estava lá. Minha mãe chegou até a tentar telefonar para mim, para saber se eu estava bem (...). Mas era um país precário, no entanto estavam todos felizes, uma atitude absolutamente construtiva, pioneira; então a minha impressão de Israel foi a corroboração de que eu havia escolhido o caminho certo.”[203]
Sobre o kibutz no qual esteve:
“Ele foi o Yassour, ele é um kibutz que fica no norte de Israel, ele fica numa rota muito peculiar que vai de uma cidade muito famosa chamada Ahkery, ela é no litoral. De Ahkery sobe uma estrada que vai até a Galiléia para a cidade onde meus pais nasceram, que é Tsfá, ela sobe e vai plana no meio de um vale muito bonito, muda de direção à leste – o Mediterrâneo a oeste – a estrada sai do Mediterrâneo vai para leste depois ela começa a subir as montanhas, sobe e chega nessa cidade e chega na Galiléia, uma paisagem linda, a dez quilômetros disso tudo fica o kibutz Yassour, onde eu estava, um lugar muito bonito, eu gostei muito. Agora, o que acontece é o seguinte, no movimento, a nossa visão era idealista. A gente estava no movimento para revolucionar as nossas vidas, quer dizer, a gente não estava somente querendo construir a ideologia e fazer uma missão ideológica. O movimento juvenil H.H. revolucionava a sua própria vida também, ele arrumava a sua vida cultural, transformava os seus valores e adquiria novos. A gente se acostumou a pensar em valores, como não fumar, não dançar em bailes burgueses, não beber, esses valores de como rediscutir, como vir de uma certa educação – era uma mistura danada! Mas a gente adotava isso, e todos tínhamos ideais de pureza e esse tipo de coisa. Chegando no kibutz, você leva uma vida de adulto numa sociedade de adultos, então parte dessa simbologia desaparece. Num primeiro momento a gente sente um pouco, e diz: “espera um pouco, isso aqui não é mais um movimento juvenil, isso é a vida real!” E na vida real se bebe, se fuma, se dança, se fala palavrão, tem essas coisas que a gente não fazia H.H.. Então a tal revolução se deu em dois sentidos: a gente largou o radicalismo auto-adotado que vem daquele idealismo do movimento juvenil por uma vida real de adultos, numa sociedade coletivista. Tínhamos que aprender coisas do socialismo em teoria, o que era viver coletivamente, o que era partilhar os bens, as missões, os trabalhos, etc.. E, na realidade, esse foi o período de adaptação, onde você tem que se adaptar, inclusive, ao desconforto de hábitos pequeno-burgueses, num mundo diferente, porque nós, na época de [...], vamos para o desconforto. No início não tinha nem banheiro, para a gente ir ao banheiro a gente saía da casa com chuva ou no inverno, ia ao banheiro e voltava ou ficava no meio do caminho; não tinha chuveiro, só tinha um que era coletivo para tomar banho. Essas coisas materiais, pequeno-burguesas, que a classe-média e a classe média alta não está acostumada, era um processo de adaptação e para a gente isso foi uma revolução. Mas isso não constituiu problema em nenhum momento porque a gente estava acostumado ao movimento juvenil, para sair ao campo, levar uma vida de escoteiro, nós estávamos condicionados a não fazer disso um problema. Isso é relativo, sempre há algum problema, você levava a vida, mas era assim. E o terceiro era a adaptação, que você não estava acostumado ao trabalho físico. Eu entrei para a agricultura e comecei a trabalhar fisicamente. Tinha me preparado naquele ano, quando eu trabalhei no kibutz (em 1954), já sabia o que era, mas você tem que condicionar a sua atitude também.”[204]
Ou seja, sua imagem sobre a vida no kibutz é bem diferente da opinião de Glat, muito mais crítica e menos idealista. Por mais que Paulo veja o kibutz como uma escola, Glat foi profundamente marcado pela sua curta vivência neste. Isso acabou influenciando, em larga medida, sua visão a respeito de todo o projeto kibutziano. Essa configura, marcadamente, a grande diferença entre os discursos deste fundadores do movimento juvenil Hashomer Hatzair carioca. É o que veremos a seguir.
BALANCEAMENTO
Como visto no Capítulo anterior, temos por conceito teórico primevo que, a princípio, nenhuma memória é exclusivamente coletiva ou exclusivamente individual. São, necessariamente, ambas.
Tivemos o cuidado de trabalhar com o personagem Paulo Geiger como um “case studie” para esta proposta. Pois, em seus depoimentos, mesmo ciente do caráter biográfico, pessoal e particular ao qual ele foi exposto, ou seja, sobre a sua vivência no movimento, identificamos em seu relato trechos que, claramente, demostram que ele não está apenas falando por si mesmo, por sua vivência, mas também, pelo movimento, ou seja, pelo coletivo. Isso não configura novidade alguma, pois desde os escritos de Halbwachs tem-se construído teorias que trilham os caminhos desta perspectiva. No entanto, o que buscamos trazer para esta monografia foi a “reinserção” do indivíduo nesta relação com o ato de rememorar, trazendo-o para a frente deste proscênio, ou melhor, equiparando-o ao coletivo neste rememorar. Como assim reinserir? Não que o “indivíduo”, depoente ou sujeito, estivesse de fora da relação, não se trata disso. Mas sua relevância era, de certo, diminuta frente às imposições do social ou do coletivo, legando a este indivíduo um lugar nas sombras, ou irrelevante. Buscamos, através da noção de “balanceamento”, uma reavaliação da importância do indivíduo nesta relação com a memória. Esse balanceamento se dá em diversos momentos na vida de qualquer indivíduo e qualquer grupo social, ele não é uma condição perene, tampouco estanque do ato de rememorar. Ele está atrelado, exatamente, aos membros de uma sociedade.
Em nosso caso particular, centrado no personagem de Paulo Geiger (um indivíduo-sujeito), esse balanceamento se dá na medida em que possui suas memórias (da sua vida) em função da memória do coletivo (que ele pretende manter em suas lembranças). Ou seja, ele não está rememorando tudo o que aconteceu em sua vida até o momento da entrevista, e sim buscando reminiscências de uma história entre ele e o movimento Hashomer Hatzair. É preciso sublinhar que o “projeto” individual de Geiger para com a memória que ele pretende manter vocacionada é um fator determinante. Pois neste projeto encontra-se não apenas a sua identidade social enquanto indivíduo e membro de uma comunidade afetiva, mas também a identidade deste grupo de pessoas que viveram àquela época. Logo, o balanceamento se dá nessa seleção entre onde entra o indivíduo na história do coletivo e onde entra o coletivo na história do depoente. Talvez possamos aventar que tal balanceamento, aliado a algumas outras características particulares da personalidade de Paulo Geiger, denotam o porquê dele ser elencado aqui como o porta-voz autorizado.
Em seus depoimentos notamos uma preocupação para com a imagem deste movimento juvenil. Não só com a imagem do passado, de quando ele era um jovem militante, mas, principalmente, com o simbólico imagético para com os dias de hoje. A construção de um “imaginário social” que atrele as diferentes gerações (ontem e hoje) em torno de uma memória comum aparece em seu discurso constantemente, como, por exemplo, quando Geiger reifica a importância do movimento juvenil ainda hoje, ainda em sua ideologia sionista:
“Hoje o sionismo mudou de caráter. O sionismo hoje é, na minha opinião, a percepção, consciência ou convicção, de que o povo judeu é um povo só, mesmo que esteja disperso, continua sendo um povo só; que o centro dele é Zión e que os caminhos desse povo judeu estão permanentemente abertos. Isso é prova do nosso sistema. (...) Em caso de perseguição, eles teriam um lugar seguro, que seria o Estado judaico, que é o ‘músculo’ judeu. Então, se alguém quiser se identificar com uma vida judaica, o Estado judaico, a língua judaica, se quiser que a cultura instituída seja a cultura judaica, etc., ele tem essa possibilidade. O sionismo hoje, é a percepção de que o povo judeu ainda é um povo só, mesmo que ele tenha várias cidadanias, identidades e cidadãos em vários Estados, ele, historicamente, continua sendo um povo só. O centro desse povo é Zión. Os caminhos para este povo estão permanentemente abertos graças ao fato que existe um Estado deles. Isso é o sionismo hoje, e a gente tem que trabalhar para manter essa realidade.”[205]
E, no que tange a ser de esquerda hoje, e, principalmente, socialista, algo visto por muitos críticos (inclusive Moysés Glat) como algo ultrapassado, mas que ainda consta nas propostas oficiais do Hashomer Hatzair atualmente, Geiger diz:
“Vou resumir a idéia da esquerda, quer dizer, do porquê nós fomos de esquerda e somos de esquerda até hoje. O que era a esquerda, o que nós, a juventude, pensávamos como esquerda? Pensávamos num ideal para o mundo de justiça. Que vêm de uma intenção às vezes romântica, às vezes ingênua, às vezes dentro dos fundamentos ideológicos nos quais foi pavimentada. A juventude é a única faixa etária em que você já tem maturidade suficiente e não têm ainda compromissos suficientes para te radicar; a juventude é móvel, ela não está suficientemente radicada para se prender às coisas e é suficientemente adulta para ter idéias e realizá-las. Então a juventude é o momento em que você pode ter idéias de revolução, idéia de modificar as coisas, idéias de não se radicar das coisas que já feitas mas criar coisas novas e lutar por elas. Então a juventude é, por isso, de esquerda nesse sentido: de não ser “de situação”. Ser de oposição de renovação, ser de criação de coisas novas por natureza, uma natureza psicológica ou psicanalítica da juventude. No nosso caso, nós éramos uma juventude de um povo, que precisava da sua percepção de uma atitude nova, de um povo que tinha acabado de sofrer o holocausto, e estava com o seu direito nacional sendo apresentado para o mundo, já havia a realização nacional desde o início da vida em Israel, começou a se apresentar a necessidade absoluta, para o mundo, de um Estado judaico, como conseqüência do que aconteceu com o povo judeu na Segunda Guerra Mundial. (...) O Estado judaico não foi por causa do holocausto, essa idéia foi reforçada pelo holocausto.
(...) Então, nesse momento, o que a esquerda vai perceber? Ela vai perceber que alguma coisa precisa ser mudada e que a juventude tem a força para mudar, e que a nossa mudança será em todos os sentidos possíveis: a nacional, a social e a da própria mudança individual.”[206]
Logo, como dissemos, “o porta-voz constitui o grupo ao mesmo tempo que é constituído por ele”. Assim, o balanceamento se faz característico: o porta-voz fala por conta própria, é um indivíduo que relata uma história; ao mesmo tempo, sua relação para com o coletivo, a presença deste coletivo (ou grupo social) na existência deste indivíduo, é permanente. Tal presença “constitui” o indivíduo, da mesma maneira como outras tantas características identitárias e memórias que o compõem. Se tudo o que ele aprendeu com o coletivo (inclusive como lembrar) é um dado do coletivo para ele, sua apropriação desta memória e sua transmissão são dadas por ele para o coletivo. Daí a necessidade de um porta-voz. Há permuta entre esses agentes. Dessa relação entre suas características particulares e suas características advindas de sua vivência no seio deste coletivo (o movimento juvenil), ou seja, deste balanceamento entre memórias individuais e coletivas, e, principalmente dos usos que este indivíduo se faz delas (através de seus projetos) pudemos identificar as características necessárias a caracterizar um “porta-voz autorizado”.
Com isso, temos que o porta-voz só existe na medida em que representa o coletivo, em que o grupo lhe delega o direito da fala, e esta adquire poder. Por isso Geiger é um porta-voz autorizado a transmitir a memória em prol do Hashomer Hatzair, e não uma outra qualquer como, por exemplo, a memória do Betar (movimento juvenil dos revisionistas).
Neste sentido, nosso contraponto para esta análise se fez através de Moysés Glat, que com seus depoimentos nos brindou com muitas informações pertinentes aos primeiros anos do tnuá, porém, para fins de nossa análise atual, a principal função de seu depoimento foi a de denotar que essa relação entre memórias e projetos e um determinado tipo de balanceamento mnemônico geram um porta-voz, que no seu caso, mesmo sendo diretamente envolvido com a fundação do movimento no Rio de Janeiro, tendo militado, “cooptado”, brigado, feito aliá, etc., ainda assim, esta personagem não pode figurar um porta-voz autorizado pelo movimento. Tragamos um exemplo relevante: as opiniões sobre o sistema de kibutzim em Israel. Para o Hashomer Hatzair a imagem do kibutz é muito forte. Primeiro pois simboliza a vida em Israel, o que implica na realização do ideal de um nacionalismo judaico (o sionismo). Em segundo lugar, o kibutz é a consolidação de um ideal socialista, no sentido em que é uma sociedade baseada na propriedade comunal, permeada dos ideais socialistas de uma sociedade igualitária, etc. Com isso temos que, na opinião de Paulo, o kibutz
“(...) foi uma escola. E vou te dizer mais: o movimento de kibutz foi como uma escola, e funciona até hoje. Muitos dos princípios, dos comportamentos, da visão dos objetivos, da tenacidade em relação aos objetivos que eu hoje acho que tenho em relação a qualquer atividade minha, seja profissional ou não, veio dessa época, predicado pelo movimento juvenil e no kibutz ela se espalhou em mim. Isso possibilita uma veia com o H.H., e o que isso quer dizer? Quer dizer que esses valores vêm a você e pregam em você, e você não os abandona. Eu, até hoje, não fumo e não bebo. Bebo assim, socialmente, mas não bebo como hábito. Mas eu não estou dando isso como exemplo de valor de vida, mas como símbolo de coisas que você se acostuma a elas no todo e elas tornam-se um valor natural da sua vida adulta. O movimento juvenil de um lado e o kibutz de outro funcionaram como condicionadores de uma visão de mundo, de colocamento, de atitude e tantas outras coisas. A maior parte dos shomrim da minha idade que eu conheço partiram desses valores. Quando eles se encontram aqui, casualmente, nós nos reconhecemos como aqueles que os tiveram há 45, 50 anos atrás nessa estrada.”[207]
Já o depoimento de Glat, não denota tal apreço pela memória do estabelecimento comunal:
“O kibutz nasceu também sobre um estímulo daquilo que nós economistas condenamos, ou seja, foi subsidiado pelo Estado, em apoio a construção. Foram dados subsídios ao kibutz para o seu desenvolvimento. Naturalmente, esses kibutzim cresceram. Mas essas coisas foram inventadas, que nada tinham a ver com o socialismo. O socialismo lá era na realidade uma distribuição de pobreza e não de riqueza. Tanto assim, que na medida em que os kibutzim foram ganhando terreno e criando renda, começou a haver uma dissociação entre o trabalho braçal e o trabalho mental; entre o administrador e o trabalhador, igual a uma cooperativa. E nós conhecemos no mundo inteiro a história das cooperativas. As cooperativas nascem pobres e ficam muito ricas, e, quando ricas, você tem a separação por faixa de trabalho mais qualificada e por faixa menos qualificada. (...) o kibutz perdeu sua importância em Israel. Perdeu em população, em subsídios, transformando-se numa cooperativa agrícola. Já hoje, as crianças dormem com os pais. Os meninos vão estudar nas universidades e não voltam mais. Mas com um projeto dificilmente eles voltariam. Quer dizer, uma beleza de ideal ficou, vamos dizer assim ofuscado pelas condições externas a Israel, logo após a transformação do Estado de Israel.”[208]
Embora Glat ainda encontre-se preocupado em frisar que ele não considera o movimento juvenil como um erro ou nada parecido, mostrando que o coletivo exerce pouca influência na sua construção mnemônica, ao corroborar “a beleza de ideal” que foi difundida pelo tnuá, ele nos mostra que essa influência do grupo em sua vida ainda está lá, pois atribui a crise dos kibutzim a causas externas a eles. O máximo que Glat chega a afirmar nesse sentido, assim como o fez Paulo Geiger, é alertar acerca de uma certa “ingenuidade” advinda da juventude em suas intenções. E ele demonstra isso através de suas lembranças em torno das músicas, das danças, da alegria das crianças nos passeios, de suas memórias da camaradagem entre seus amigos, num salutar saudosismo juvenil, etc.
“(...) no Hashomer Hatzair nós éramos muito ingênuos, eu me lembro que fui a São Paulo, na inauguração de um grupo lá, que tinham mais de duzentas crianças cantando canções, e eu fui lá fazer um discurso pelo o binacionalismo no estado árabe e judeu. Mais tarde, quando eu cresci, foi que eu vi a bobagem que eu havia feito. (...) Eles queriam forçar a gente a trabalhar com criança. (...) nesse discurso binacional entre judeus e palestinos, (...) fiquei muito encantado com aquele movimento, todos eles com blusa, gravatinha, crianças bonitinhas, etc. Mas confesso a vocês que as minhas raízes do shomer sempre explodem quando eu começo a falar. O melhor tempo de minha juventude, de sonho sem compromisso. Tudo era válido. Quando ia ao acampamento, se esquecia o coador, coava-se o café com meia.”[209]
Paulo Geiger, por outro lado, é o porta-voz do movimento, não só pelo fato de ser um dos fundadores (coisa que o Moysés Glat também o foi, inclusive, antes dele) mas pela relação individual de Geiger para com a memória do movimento e, principalmente, o reconhecimento do coletivo (os outros membros e ex-membros do movimento) para com esta relação. Como dito inicialmente, há toda uma preocupação dentro do movimento (e até fora dele) em se buscar a opinião, antes de qualquer outra, e o depoimento de Paulo Geiger sobre a história do shomer carioca, e isso não se dá a esmo. Assim, como mencionado por Bourdieu, (...) o porta-voz dotado de poder pleno de falar e de agir em nome do grupo, falando sobre o grupo pela magia da palavra de ordem, é o substituto do grupo que existe somente por esta procuração. Grupo feito homem (...) ele recebe o direito de falar e de agir em nome do grupo, de ‘se tomar pelo’ grupo que ele encarna, de se identificar com a função à qual ele ‘se entrega de corpo e alma’, dando assim um corpo biológico a um corpo constituído.”[210]
Geiger é um homem muito culto e dotado de uma ótima oratória, o que pode ser notado em seus depoimentos. Quando fala, demonstra não só a certeza do sobre o que está falando, mas do porquê e do por quem está falando. Isso é muito importante para alguém que está se reportando sobre a memória de um movimento tão atuante quanto foi o Hashomer Hatzair, e, em nosso entendimento, é o que atrai o reconhecimento do coletivo para com o seu rememorar, fazendo da reminiscência de um homem, um “co-memorar” (lembrar em conjunto), delegando-lhe o poder para “portar a voz” desse movimento.
“(...) o H.H. foi de esquerda e teve de reunir três revoluções: a revolução pessoal, de você entrar numa realidade nova de acordo com ideais de juventude, não só esperar o momento de ser mais velho para depois esquecer, que é o que acontece com os ideais de juventude. Você os alimenta na juventude, os ícones, os movimentos, e toda vez que você chegava a maturidade, fosse em Israel, você se radicaliza no sentido contrário e pronto, acabou. Eu acho que eles aproveitaram o sionismo para criar um fato novo, pessoal, que a idéia é da revolução pessoal: sair da pequena burguesia, ir para o kibutz em uma sociedade socialista e fazê-la! Não só pregá-la, como fazê-la na vida própria. A revolução nacional do povo judeu transformava-o num povo com uma pátria, normalizando a sua vida nacional, dando condições de ele se defender a si mesmo, de construir as suas próprias opções, como todo povo têm direito; essa é a revolução social, sair do estado de flutuação em camadas produtivas e não-produtivas na sociedade e normalizar a sua estrutura, como Borochov dizia. Povo “normal” é um povo estruturado economicamente para sustentar as suas estruturas sociais.
Então a gente queria fazer essas três revoluções no mundo todo: a individual, a social e a nacional. Por isso, eu considero que o H.H. foi sempre de uma concepção de esquerda, e por isso os egressos do H.H. são de esquerda. Não no sentido da esquerda política “barata”, do tipo: o palestino é mais que o israelense, que é um absurdo! (...) Quer dizer, esquerda, os dois têm a suas esquerdas, então essa esquerda do H.H., eu acho que é uma herança que ele deixou em todos que pelo Hashomer passaram, eu conheço poucos que não são, ainda hoje, alimentados por essa percepção, da capacidade de fazer uma revolução cultural na sua vida; uma revolução nacional do povo judeu, que é o sionismo, que é uma pátria judaica para o povo judeu; e uma revolução social de um povo que apoia os movimentos sociais, que apoia posturas igualitárias, posturas de justiça social e de ética, tudo isso é herança do ideário e da realização do Hashomer Hatzair, mesmo hoje na minha vida de classe média alta isso ainda está presente.”[211]
Nesse sentido, Geiger carrega uma “imagem” própria para o movimento. Nesta, mesmo num mundo onde o socialismo é para muitos apenas uma “lembrança”, e o sistema dos kibutzim já está totalmente inserido dentro de outra realidade, Geiger consegue passar a idéia de que esse movimento possui um valor muito grande, ainda nos dias de hoje. Essa “presença” se faz através da memória que ele carrega consigo, com seus valores e ideologias, mas que ele não guarda para si, e sim compartilha, legando à coletividade uma identidade social muito forte.
Portanto, temos um dos elementos-chave desta monografia devidamente apresentado. Porém, e quanto a Moysés Glat nessa história? Ora, seu depoimento é de vital importância, primeiramente, no que tange a reportar os primeiros anos do tnuá. De seu depoimento pudemos retirar algumas experiências que, inclusive o “porta-voz autorizado”, não pôde vivenciar. Em segundo lugar, temos o balanceamento da memória de Glat, que é muito mais influenciado pelo que ele experimentou e vivenciou fora do movimento. Tanto que seu depoimento está muito calcado na sua teoria crítica sobre o sistema de kibutzim e do “socialismo da pobreza”, construídas ao longo de sua trajetória na vida universitária como economista. De modo que, embora sejam válidas, tais críticas não se encaixam no perfil desta monografia, que busca lidar com o período inicial do movimento no Rio de Janeiro. O que acontece é que, devido ao seu “projeto” pessoal, este tipo de memória gloriosa, saudosista (ou romântica) acaba silenciada frente às prerrogativas deste seu projeto, que enquadra sua memória diferentemente da memória exaltada pelo porta-voz. Isso, por conseguinte, nos deu uma boa (senão ótima) base para análise das memórias destes dois personagens, onde pudemos, de um lado, estabelecer com precisão a existência de um porta-voz oficial, e de outro, reconstruir (mesmo que num estágio inicial) historicamente o período da fundação do tnuá no Rio de Janeiro, permeado por situações que, sem o auxílio destes depoentes, talvez nunca viessem à luz.
Frente aos depoimentos de Paulo Geiger, como mencionado anteriormente, pudemos denotar porque Glat não poderia configurar um porta-voz autorizado. Entretanto, devemos frisar que isso não é uma constatação negativa, de maneira nenhuma. O papel de um porta-voz autorizado é determinado de acordo com uma série de características que já foram mencionadas anteriormente. Portanto, esta “tarefa” não é apontada a qualquer um, inclusive um dos fundadores do movimento. É nessa medida que comparamos as duas memórias, não em função delas enquanto memórias de pessoas, indivíduos, ou seja, comparando-as e mensurando o valor de cada uma delas individualmente, o que seria um equívoco de proporções inimagináveis, pois ambas são imprescindíveis e importantíssimas. O que nos propomos aqui foi: estabelecer entre elas o devido contexto, atrelá-las a uma identidade social que não pertence exclusivamente a estes depoentes, e sim a todos os que dela compartilham, membros do movimento juvenil no passado, presente, e aos que vierem a conhecer sua história no futuro. Ou seja, mesmo não sendo um porta-voz autorizado (ou oficial), Glat pode contribuir, assim como outros ex-shomrim virão a contribuir com suas experiências, para a escrita de uma história deste movimento. Seu olhar crítico a respeito de determinados aspectos do movimento na sua gênese e primeiros anos, bem como seu relacionamento com seus ideais, podem acrescentar muito a uma história “ainda por ser escrita”. Foi nesse sentido que buscamos “balancear” essas memórias, ou seja, com vistas a demonstrar, numa primeira instância, todo o potencial de um trabalho desta natureza.
Assim pudemos, através do depoimento de Moysés Glat, entrar em contato com novos nomes e veículos e, no limite, alargar um pouco os limites que regem o enquadramento para essa memória “oficial”, visando iniciar os estudos em prol de uma história shomer carioca, cuja fonte primária ainda serão “memórias”, porém, a partir de agora, memórias balanceadas.
CONCLUSÃO
Mesmo acreditando que qualquer pretensa ilação a esta altura seja improvável, uma vez que nossos estudos estão apenas começando, iremos dar um fechamento à presente monografia visando “relembrar” os principais pontos desta, analisados ao correr dos capítulos anteriores. Acreditamos, também, que estes pontos estão mais bem elucidados ao longo dos capítulos, portanto iremos apenas “amarrá-los” aqui de maneira bem sintética.
Nosso trabalho se dividiu em duas correntes paralelas ao longo de nossa análise: inicialmente, tivemos a preocupação de cercarmo-nos com os devidos instrumentos teórico-metodológicos que pudessem abarcar nossas pretensões quanto a análise de fontes orais e, principalmente, a memória de nossos depoentes como elemento central desta monografia; por outro lado, focamos a necessidade de esmiuçar a historicidade de nosso objeto, o movimento juvenil Hashomer Hatzair carioca, inserindo-o num campo histórico-sociológico que foi imprescindível ao nosso entendimento de suas nuances em seus primeiros anos no Rio de Janeiro.
Estabelecemos para com o conceito de “memória balanceada” um instrumento crucial no que se refere a trabalhar com “memória” em termos históricos. Com esta noção pudemos ilustrar como um indivíduo pode delimitar um cenário simbólico dentro de um grupo social sem, com isso, perder a sua individualidade. Ao contrário desta perda, a relação estabelecida entre o social e este indivíduo se mostrou muito intensa, inclusive pela possibilidade do grupo social poder delegar ao indivíduo a “responsabilidade” de ser o “porta-voz”. Essa relação, em nosso caso específico, não se dá de maneira “política”, ou seja, não houve uma “eleição” onde candidatos concorreriam ao posto privilegiado de “porta-voz oficial” do movimento, ou coisa que o valha. O que se fez presente foi o reconhecimento das atividades de um indivíduo em prol da memória (o elemento “sacralizado”) do tnuá. Seu zelo e respeito pela memória do movimento juvenil são elementos que provém, inelutavelmente, do balanceamento de sua memória, ou seja, entre sua vivência particular (com seus projetos e sua identidade privada) e sua experiência dentro do movimento. O fruto deste balanceamento é uma memória que é adotada pelo coletivo como “simbólica”, ou seja, é uma memória que perpassa os melhores momentos daqueles tempos, possuindo traços comuns ao que a maioria, pelo menos, irá querer sempre comemorar com este “porta-voz”.
Deixemos claro de uma vez por todas que o papel do porta-voz não é fantasioso, mentiroso, fictício, ou algo que o valha. Este indivíduo tem o dever de arcar com uma responsabilidade muito grande: que é a de zelar por uma memória que transpõe a sua persona e vai de encontro a outros indivíduos, inclusive “novos” indivíduos, aqueles que não vivenciaram os primeiros anos do shomer carioca, mas que estão nele hoje, e urgem por saber de onde vem esse movimento que faz parte de suas vidas.
Ao inserirmos o movimento Hashomer Hatzair em um cenário social e político, tivemos a certeza de estarmos dando um passo importante na escrita de sua história. Através de nossas fontes e de nossas referências bibliográficas pudemos traçar seu percurso desde o quadro de seu surgimento na Europa até sua inserção na sociedade carioca, nestes primeiros anos de sua “fundação”. Com isso temos que seus ideais vieram “imigrados” da Europa com seus “pais”. Aqui, foram transformadas em torno de uma nova juventude, uma nova realidade. Não pudemos deixar de lado a importância da imigração judaica para a concretização deste movimento. Não poderíamos deixar de mencionar os imigrantes judeus vindos da Europa desde o final do século XIX e, principalmente, após a década de 1920, instaurados no Rio de Janeiro. Estes são os pais desta juventude que instituirá o tnuá. Da relação entre esta juventude (primogênita) com estes imigrantes teremos um dos elementos mais importantes dentro do movimento juvenil: a rebelião frente aos “mais velhos”, buscando a iniciativa de buscar por mudanças e transformá-las em realidade.
A comunidade judaica carioca na qual este movimento se insere possuía uma forte coesão interna, porém era muito plural – fruto de imigrações de judeus vindos de diferentes regiões da Europa. Dentro deste quadro, as movimentações políticas que gravitavam as instituições sionistas cariocas foram de muita relevância para a fundação do movimento juvenil Hashomer Hatzair, pois, egressos de conferências, encontros, festas, clubes, bibliotecas, eventos religiosos, etc., que os primeiros shomrim iniciaram seus trabalhos. Assim como foi dentro de instituições desta comunidade que suas primeiras atividades tomaram forma: como no Colégio Hebreu-Brasileiro e na Biblioteca Bialik, por exemplo.
Após a independência do Estado de Israel (em 1948) o movimento juvenil carioca Hashomer Hatzair passou a ter seu foco direcionado para a aliá. Algo que antes (no dia-a-dia de um incipiente movimento juvenil recém organizado) somente figurava como uma influência um tanto distante em suas referências teórico-ideológicas, passava a ser uma constante voltada à práxis cotidiana, como pudemos verificar na análise das Atas. Esta característica foi marcante, pois denotou um momento em que o movimento se voltava para um objetivo diferente da simples organização e administração de encontros reuniões. É o momento onde seus dirigentes percebem que algo muito grande está sendo preparado, não só na movimentação interna do tnuá, mas como para além dele. Esse momento passou a figurar um lugar de destaque na memória de nossos depoentes, denotando o grande impacto que este movimento imprimiu em suas vidas.
Finalmente, de acordo com a suas propostas ideológicas e de ação, assim como suas dinâmicas internas, entendemos o Hashomer Hatzair como um movimento de alcance e proporções únicas no mundo. Muito pouco se tem estudado sobre a relevância deste movimento juvenil. Porém, embora esta monografia tenha alcançado seu término, nossos trabalhos continuarão, buscando aprender cada vez mais sobre a história deste movimento, pois, como dito desde o início, esta figura apenas uma “epígrafe” nesta história que vai, lentamente, sendo escrita.
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FONTES
RELAÇÃO DAS ENTREVISTAS:
Moysés Glat – Entrevista realizada em 28/04/2003, na casa deste depoente; encontra-se arquivada no acervo de depoimentos do Núcleo de História Oral, no Laboratório de Estudos do Tempo Presente sob a responsabilidade da Professora Maria Paula Nascimento Araujo. Encontra-se sob o código de catalogação: 026 – a,b,c / MG (“EJ”);
Paulo Geiger – Duas entrevistas realizadas, respectivamente, em 11/11/2003 e 07/07/2004, ambas na casa deste depoente; encontram-se arquivadas no acervo de depoimentos do Núcleo de História Oral, no Laboratório de Estudos do Tempo Presente sob a responsabilidade da Professora Maria Paula Nascimento Araujo. Encontram-se sob os respectivos códigos de catalogação: 029 – a,b,c / PG (“EJ”); 038 – a,b,c / PG II (“EJ”).
RELAÇÃO DAS “PASTAS” ANALISADAS DO ARQUIVO PARTICULAR DO MOVIMENTO:
Pasta: Ideologia;
Pasta Azul: “Textos Interessantes”;
Pastas “História Judaica”;
Pasta: “Kibutz/Israel – Português e Espanhol”;
Pasta: “Shomria Latino Americana”;
Pasta sobre SIONISMO;
Apostilas Avulsas “Garin 2000 – Shomria”, “Capacitacion Latinoamericana de Bogrim de las Tnuot Noar” e “Shomria - 1989 em Cordoba Argentina”;
Apostila 2, contendo os principais tópicos abordados durante a Capacitacion Latinoamericana de Bogrim de las Tnuot Noar, ocorrido em 13 e14 de outubro de 2000 e organizado pelo Departamento de Hagshamá da Organização Sionista Mundial, em conjunto com o Departamento de Educación Judia Sionista e Representación del Departamiento de Aliá da Agência Judia para Israel;
Apostila 3, contendo os principais tópicos abordados durante a Shomria, ocorrida em 27 de janeiro e 1º de fevereiro de 1989 em Cordoba Argentina;
Pasta: SIONISMO (2).
DOCUMENTOS:
Atas de fundação, atividades e desenvolvimento do movimento juvenil Hashomer Hatzair datadas entre 17 de março de 1947 e 29 de abril de 1952. Centro Cultural Mordechai Anilevitsh, Rio de Janeiro, fundado em 1999. (MIMEO)
Carta da Hanagá Rashit do Brasil para o Chile, comunicando o surgimento do tnuá. São Paulo, 27 de agosto de 1945. (MIMEO).
GEIGER, Paulo. “Oitenta anos de Hashomer Hatzair, sonho ou realidade”. Rio de Janeiro, 1993. (MIMEO).
LEVACOV, Arnaldo. “Hashomer Hatzair no Brasil: nascimento e desenvolvimento do tnuá no Brasil”. Cronologia, Rio de Janeiro, s/d. (MIMEO)
SÍTIOS VIRTUAIS:
www.hashomer.org.br
www.online.com.br/shomer-br
[1] Nossa ótica acerca destes conceitos para uma memória dita “oficial”, “individual”, “coletiva”, etc. não é aleatória e está sendo utilizada aqui de forma conciente, de forma que estes conceitos serão melhor explanados ao longo deste trabalho, explicitamente no Capítulo 3, onde trataremos especificamente deste tema.
[2] “Movimento” em hebraico.
[3] “Retorno” ou “regresso” em hebraico, o sentido adotado pelo movimento toma a conotação de “imigração” a Israel.
[4] Para maiores informações sobre tal perseguição política Cf. LESSER, J. “O Brasil e a Questão Judaica”. Rio de Janeiro: Imago, 1995; e TUCCI CARNEIRO, M. L. “Anti-semitismo na Era Vargas”. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.
[5] Informações extraídas da “Ata de Fundação” do movimento carioca, datada de março de 1947, e assinada por Jorge Gandelsman.
[6] Partido dos trabalhadores unidos em Israel.
[7] Coalisão entre os três maiores partidos de centro e de esquerda em Israel: Mapam, Shinui (hebraico para “mudança”), CRM (Citzens Rights Moviment – também conhecido por Ratz).
[8] Federação kibutziana do movimento Hashomer Hatzair, possui atualmente 85 kibutzim em Israel.
[9] É importante destacar que devido ao caráter de formação educacional informal assumido pelo movimento estes “documentos pedagógicos” são de uma importância fundamental no que tange ao entendimento de como se davam (no seio do tnuá) os procedimentos de “conscientização” de crianças e adolescentes, nas mais diversas etapas deste processo, onde estes entravam em contato, pouco a pouco, através de estágios propedêuticos, com os ideais e ideologias do movimento.
[10] “Pinchas” é o nome em hebraico inspirado num personagem bíblico – e seu equivalente em português poderia ser Pedro ou Paulo –, dado a Paulo Geiger por seu pai, e é o nome que consta em sua certidão de nascimento. Dado à contra gosto de sua mãe, que queria que seu nome fosse Paulo, “Pinchas” foi aos poucos sendo deixado de lado por Geiger, que reconhece a si mesmo como Paulo já há muitos décadas, no tnuá ele era conhecido por chaver Geiger, mas encontramos menção a Pinchas, em algumas atas.
[11] Dividimos a opinião de René Remond, Marieta de Moraes Ferreira, Janaína Amado, Philippe Joutard, entre outros, de que a “história” não é “oral”, o que implicaria numa outra história diferente da “tradicional”. Acreditamos que “oral” são apenas os tipos de fontes utilizadas pelo historiador que pensa a história, o tempo presente, etc.. Para maiores esclarecimentos Cf. AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, pp. vii-xxv; pp. 43-64; pp. 203-207.
[12] Para um melhor entendimento de nossa proposta sobre balanceamento, o conceito será melhor elucidado no “Capítulo 3” da presente monografia, onde abordaremos, do ponto de vista teórico, os conceitos e as funções por nós utilizadas para o trabalho com a memória.
[13] AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
[14] Op. Cit. Apresentação, p. XVI-XVII.
[15] PEREIRA, Lígia M. L. “Algumas Reflexões sobre Histórias de Vida, Biografias e Autobiografias”. In: História Oral – Revista da Associação Brasileira de História Oral, n. 3, junho de 2000, pp. 118-122.
[16] Cf. BOURDIEU, Pierre. “A Ilusão Biográfica”. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 183-193.
[17] Op. cit., p. 185.
[18] Cf. BOURDIEU, op. cit.
[19] Cf. LEVY, Giovanni. “Usos da Biografia”. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 167-182.
[20] Cf. BOURDIEU, op. cit., p. 184.
[21] LEVY, op. cit., p. 180.
[22] Idem.
[23] PINSKY, Jaime. Origens do Nacionalismo Judaico. São Paulo: Ática, 1997.
[24] Principal ideólogo do sionismo político moderno.
[25] Op. Cit. p.139
[26] GHERMAN, Michel. “Ecos do Progressismo: história e memória da esquerda judaica dos anos 30 e 40”. Rio de Janeiro: Mimeo, IFCS, 2000.
[27] LÖWY, Michael. “Redenção e Utopia: O Judaísmo Libertário na Europa Central (Um Estudo de Afinidade Eletiva)”; São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
[28] HACOHEN, Dvora. “Mass Immigration and the Israeli Political Sistem, 1948-1953”. Studies in Zionism, vol. 8, nº 1, p. 99-113, 1987.
[29] Mifleght Poalei Eretz Israel – Partido dos Trabalhadores da Terra Israel.
[30] Op. Cit., p. 100.
[31] Op. Cit., p. 101-102.
[32] CLEMESHA, Arlene. “Marxismo e Judaísmo – História de uma Relação Difícil”. São Paulo: Boitempo/ Xamã, 1998.
[33] Op. Cit. p. 14.
[34] Op. Cit. p. 46.
[35] Incidente envolvendo um oficial do exército francês, o capitão Albert Dreyfus, em 1894. Acusado de espionagem para a rival francesa, Alemanha, este é julgado e condenado unanimemente em um julgamento repleto de controvérsias. Após cinco anos vivendo como deportado na Ilha do Diabo, muitas evidências surgem indicando sua inocência e documentos-prova foram forjados contra ele e estavam vindo a público. Incriminando outros oficiais mais documentos surgem e dão novas esperanças a Dreyfus. Após muita votação na Câmara dos Deputados sua anistia em 1899 foi o ponto final da questão, porém Dreyfus jamais conseguiu absolvição de um tribunal militar. Herzl acompanhou o caso como um correspondente do Neue Freie Presse vienense e detectou uma França com um acirrado ódio anti-semita, movido por conjecturas dos conservadores político-militares, além do clero católico, que buscavam incessantemente por “comprovar” que o povo judeu é um povo mal intencionado e maus elementos.
[36] SORJ, Bila (Org.). “Identidades Judaicas no Brasil Contemporâneo”. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1997.
[37] GRIN, Monica. “Diáspora Minimalista: a crise do judaísmo moderno no contexto brasileiro”. In: SORJ, Bila (Org.). “Identidades Judaicas no Brasil Contemporâneo”. Rio de Janeiro: Imago Ed., p. 103-124, 1997.
[38] Como é conhecida a comunidade de imigrantes oriundos da região da Alemanha.
[39] Definição formulada por Bernardo Sorj, onde este destingue como “moderno” o judaísmo que alia sua natureza à de outras ideologias, em especial as idéias maskilim (iluminismo judaico) e suas premissas universais; adequando com isso o judaísmo às mais diversas movimentações político-ideológicas da era moderna. Aqui se aplica a aliança do sionismo (em sua vertente política) – de origem tradicional, religiosa – ao nacionalismo, e ao socialismo; bem como por uma definição plural da identidade judaica centrada no embate de características contraditórias como tradição versus modernidade; etnicidade versus cidadania nacional; sentimento versus razão; etc..
[40] Organização comunitária altamente organizada. Nenhum segmento da comunidade fica de fora de sua supervisão. Liderada por um corpo executivo que estaria responsável pelas relações (em sua maioria de caráter econômico) com o universo gói (não-judaico), bem como nas questões de família, religião, educação e sociedade.
[41] Op. Cit., p. 106-107.
[42] Op. Cit. p. 110.
[43] MALAMUD, Samuel. “Do Arquivo e da Memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial”. Rio de Janeiro: Bloch, 1983.
[44] MALAMUD, Samuel. “Relembrando a Praça Onze”. Rio de Janeiro: Kosmos, 1988.
[45] MALAMUD, op. cit. p.25.
[46] LESSER, Jeffrey. “O Brasil e a Questão Judaica”. Imago: Rio de Janeiro, 1995.
[47] Pequena colina em Jerusalém. Por extensão a cidade ganha seu nome. O termo sionismo advém dela, pois seria o retorno a Sion. Do hebraico Tzion: lugar exposto ao sol.
[48] Alguns casos mais conhecidos pela história do judaísmo remontam, por exemplo, às figuras messiânicas de David Alrói no século XII – que montou um exército para tentar reconquistar a Terra Prometida; em fins do século XIII, Abraham Bem Samuel Abulafia; em 1500, Moysés Lemlein; em 1525, David Reuveni tenta um acordo com o Papa Clemente VII e acaba queimado num auto-de-fé; ou ainda, Sabbetai Zvi, em 1626. Para maiores detalhes Cf. MALAMUD, Samuel. “Do arquivo e da memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial”. Rio de Janeiro: Bloch, 1983.
[49] Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997.
[50] Em geral, esses judeus “assimilacionistas” gozavam de uma participação efetiva na sociedade européia ocidental e de boas relações com esta, devido à sua excelente condição financeira, ou por prestação de serviços a altos membros da mesma. Para maiores detalhes Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997.
[51] Idem.
[52] Idem, p. 61-80.
[53] Que em alguns casos eram de uma maioria tão avassaladora de judeus que constituíam pequenas cidades judaicas, os shtetl. O termo shtetl advém do íidische para designar um pequeno “estado”, cidadela ou vilarejo.
[54] Idem, p.62.
[55] Idem ibdem.
[56] Cf. MALAMUD, Samuel. “Do arquivo e da memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial”. Rio de Janeiro: Bloch, 1983. p. 07.
[57] Ver mais detalhes em PINSKY, op. cit. p. 85-90, MALAMUD, op. cit. p.14 e GUINSBURG, Jacob, ORTIZ, Carlos. “Antologia Judaica (Era Rabínica e Moderna)”. São Paulo: Editora Rampa Ltda., 1948. p. 232-234
[58] Para um maior esclarecimento sobre os principais pensadores e ideólogos judaicos, assim como suas origens no plano europeu conferir (respectivamente): GUINSBURG, Jacob, ORTIZ, Carlos. “Antologia Judaica (Era Rabínica e Moderna)”. São Paulo: Editora Rampa Ltda., 1948. p. 232-234; PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997; GHERMAN, Michel. “Ecos do Progressismo: história e memória da esquerda judaica dos anos 30 e 40”. Rio de Janeiro: Mimeo, IFCS, 2000.
[59] GUINSBURG, Jacob, ORTIZ, Carlos. “Antologia Judaica (Era Rabínica e Moderna)”. São Paulo: Editora Rampa Ltda., 1948.
[60] O hassidismo foi uma ideologia religiosa judaica iniciada com Rabi Israel Baal Chem Tov, ou simplesmente Becht, com um caráter acentuadamente antiintelectual. Uma espécie de “ideologia do povo oprimido”, prega que o Tzadik, o justo, líder espiritual deste movimento, tem uma função de resgate do povo sofredor elevando-o da sua condição inferior. Enquanto sistema foi muito popular na Polônia dos séculos XVIII e XIX, que era marcada e dividida por lutas internas, uma política e economia instável e detentora de uma comunidade judaica igualmente instável – que teve de se adaptar a essa situação toda – visto que os judeus não eram um elemento ativo na sociedade, eram a camada social mais baixa começaram a buscar conforto e compensação na religião. Resgatava os elementos da Cabala, mas sem o teor messiânico, e desprezavam a educação. Era tido por uma forma de manter a solidariedade judaica grupal em meio ao sofrimento. Para maiores esclarecimentos Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997. p. 43-48.
[61] Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997. p. 85-90.
[62] O Chibath Zion – movimento proto-sionista que pregava uma ligação afetiva entre judeus e a Palestina – foi um exemplo disto.
[63] Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997. p. 85-90.
[64] Scholem Aleichem (“a paz seja convosco”, em hebraico), é o pseudônimo de um escritor e humorista russo chamado Shlomon Rabinovich. Este deixou uma vasta estante em obras literárias celebrando temas judaicos e, principalmente, um ideal de poesia e judaísmo através da ternura com que construía cenários em suas obras.
[65] Iluminismo judaico. Em suma seus pensadores defendiam a emancipação civil dos judeus, bem como a igualdade jurídica.
[66] Adepto da Haskalá.
[67] Cf. PINSKY, Jaime. “As Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Editora Ática, 1997. p. 90-96.
[68] Idem.
[69] Bund Fun di Idisch Arbeter in Russ Land un Polin (União Geral dos Operários Judeus da Rússia e Polônia), ou simplesmente Bund. Partido social-democrata russo formalmente fundado em 1897 (oficialmente em 1º de maio de 1898) com intuito de unir o proletariado judeu russo. Cf.: PINSKY, Jaime. “Origens do Nacionalismo Judaico”. São Paulo: Ática, 1997, p. 97-109.
[70] PINSKER apud PINSKY. p. 117
[71] Idem.
[72] Idem, p.118-123.
[73] Idem, p. 121.
[74] Idem, p. 123-144.
[75] Idem, p. 139-140.
[76] Idem, p. 135.
[77] Idem, p. 143.
[78] Idem, p. 152-153.
[79] Idem ibdem.
[80] PINSKY, Jaime. Origens do Nacionalismo Judaico. São Paulo: Ática, 1997, p. 107.
[81] GUINSBURG, J. “O Judeu e a Modernidade”. Perspectiva: São Paulo, 1970.
[82] BOROCHOV, Ber. “Nationalism and class struggle, a marxism approach to the jewish problem”. Greenwood Press Publishers, Westport, 1973.
[83] Cf. PINSKY, op. cit., p. 160-162.
[84] Que segundo o autor é a verdadeira “base positiva de toda existência nacional própria”, uma espécie de ground zero das condições de produção. Explica-se o poder soberano do território (Sión), onde o poder político deveria refletir a homogeneidade cultural, de acordo com uma série de comum de entendimentos políticos historicamente específicos do que satisfaz a nação.
[85] LEON, Abraham. “Concepção materialista da questão judaica”. São Paulo: Global, 1981.
[86] BLAY, Eva Alterman. “Judeus na Amazônia”. In: “Identidades Judaicas no Brasil Contemporâneo”. Rio de Janeiro: Imago Ed., p. 33, 1997.
[87] Aqui nos referimos à construção de um imaginário nacional característico do século XIX, fruto das intenções políticas na utilização da história no Brasil pós-republicano, algo que não existia no século XVI, daí a afirmação que a imigração judaica se iniciou antes mesmo da “invenção” da história da nação brasileira.
[88] Op. cit. p. 38, 50-51.
[89] Fugidos da situação que se aglutinava em Marrocos por conta das disputas imperialistas entre França e Inglaterra, os imigrantes norte-africanos vinham para a região amazonense com intenção de ali se radicarem, visando alargar seus campos de atividades – em especial o mercado de importação/exportação de tecidos, borracha vulcanizada (exploração de seringais) setor em franca expansão nos idos do século XIX no Brasil) e o setor de navegações –, fora a sua inserção na participação de atividades públicas e o exercício de cargos públicos em uma região relativamente remota do país.
[90] Cf. GHERMAN, Michel. “Ecos do Progressismo: história e memória da esquerda judaica dos anos 30 e 40”. Rio de Janeiro: Mimeo, IFCS, 2000.
[91] Parte deste quadro pode ser refletido, também, com a medida tomada por D. Pedro II que instituiu a liberdade de credo religioso no Brasil.
[92] Para maiores detalhes, Cf.: VICENTINO, C. e DORIGO, G. “História do Brasil”. São Paulo: Editora Scipione, 1997, p. 211.
[93] GRIN, Monica, BOSCHI, Renato Raul. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio e Janeiro. “Etnicidade Judaica e as Armadilhas da Contingência”. 1992. Dissertação (Mestrado) – IUPERJ.
[94] LESSER, Jeffrey. “O Brasil e a Questão Judaica”. Imago: Rio de Janeiro, 1995, p. 26.
[95] LESSER, Jeffrey. “O Brasil e a Questão Judaica”. Imago: Rio de Janeiro, 1995, p. 315.
[96] Op. cit., p. 29.
[97]Op. Cit. p. 60-61.
[98] Idem.
[99] MALAMUD, Samuel. “Recordando a Praça Onze”. Rio de Janeiro: Kosmos, 1983, p. 19-22.
[100] Idem ibdem.
[101] Idem.
[102] MALAMUD, Samuel. “Recordando a Praça Onze”. Rio de Janeiro: Kosmos, 1983, p. 20.
[103] Idem.
[104] “Aqueles considerados como apresentando obediências ou interesses externos a uma certa ‘brasilidade’ (termo utilizado correntemente por membros do regime Vargas) vagamente definida representavam um perigo para a sociedade e seus cidadãos”. Cf. LESSER, Jeffrey. “O Brasil e a Questão Judaica”. Imago: Rio de Janeiro, 1995, p. 24.
[105] MALAMUD, Samuel. “Do arquivo e da memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial”. Rio de Janeiro: Bloch, 1983, p. 32-33.
[106] Trabalhadores de Sión – Partido Social-Democrata Judeu.
[107] LAQUEUR, Walter. “História del sionismo”. La Semana Publicaciones, Ltda: Jerusalém-Israel, 1988, p. 234.
[108] LEVACOV, Arnaldo. “Hashomer Hatzair no Brasil: nascimento e desenvolvimento do tnuá no Brasil”. In: http://www.hashomer.org.br.
[109] Idem. Ibdem.
[110] Informação extraída de um trecho da carta (escrita por Mordechai Anilevitch no clímax do levante do gueto de Varsóvia, em 23 de abril de 1943).
[111] BAR-ZOHAR, M. Michel. “Ben Gurion: o Profeta Armado”. São Paulo: Editora Senzala, 1968.
[112] Idem.
[113] “Livro Branco”: política britânica destinada a satisfazer as reivindicações árabes da imigração de 75.000 judeus à região da palestina, distribuídos num período de cinco anos e, posteriormente, a suspensão completa da imigração – salvo acordo com as autoridades árabes. Cf. BAR-ZOHAR, Op. Cit.; e MALAMUD, Samuel. “Do arquivo e da memória: fatos, personagens e reflexões sobre o sionismo brasileiro e mundial”. Rio de Janeiro: Bloch, 1983.
[114] LEVACOV, Arnaldo. “Hashomer Hatzair no Brasil: nascimento e desenvolvimento do tnuá no Brasil”. In: http://www.hashomer.org.br
[115] Idem.
[116] Trecho de uma carta da Hanagá Rashit do Brasil ao Chile, comunicando o surgimento da tnuá. São Paulo, 27 de agosto de 1945, colhida no arquivo do C.C.M.A.
[117] Idem. Ibdem.
[118] Grifo do transcritor.
[119] Membros e “membras”, respectivamente.
[120] Reunião em fazenda para a preparação da vida no kibutz.
[121] Conselho da liderança do tnuá.
[122] Grupos.
[123] Sede do movimento.
[124] Grifo do transcritor.
[125] Trecho selecionado de uma das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 17 de março de 1946. Assinada por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[126] “Congresso” em hebraico. Havia o interesse por parte do conselho (moatzá) shomer paulista em organizar um Congresso sionista (inspirado nos congressos sionistas do Poalei Tzion) liderado pelos membros da Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro.
[127] Bistritzki é o nome de um poeta argentino, também chaver, que veio auxiliar os jovens cariocas na recém lançada hanagá carioca. As relações entre os jovens brasileiros e argentinos era muito comum, principalmente no início de algum movimento. Alguns deles passavam pelo Brasil antes de fazerem aliá, davam auxílio, material didático, pedagógico, algumas palestras, etc.
[128] Trecho selecionado de uma das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 17 de março de 1946. Assinada por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[129] Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 07 de junho de 1947. Assinada por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[130] Este termo aparece em várias Atas, era uma espécie de indicador o momento intelectual no qual se encontra um ou outro chanich, o que denota que nem todos poderiam exercer papéis de liderança e/ou presença em debates políticos dentro ou fora do movimento sem uma determinada “bagagem” intelectual.
[131] Trecho selecionado de uma das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 7 de junho de 1947. Assinada por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[132] “Grupo de filhos do bosque” seria uma tradução literal, refere-se aos alunos mais novos.
[133] Trechos selecionados das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 19 de abril de 1947 e 03 de maio de 1947. Assinadas, ambas, por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[134] Trecho selecionado de uma das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 03 de maio de 1947. Assinada por Jorge Gandelsman. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[135] “Trabalhadores de Sion de Esquerda” – Partido político pró-Israel de tendência socialista.
[136] Trechos selecionados das Atas de Fundação do Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 19 de maio de 1948 e 20 de dezembro de 1948. Assinadas por Akiba Schechtman e Jaime B. Kaufman, respectivamente. Levantamento no Centro Cultural Mordechai Anilevitsh (C.C.M.A.).
[137] Keren Kayemet Leisrael.
[138] Comemoração da data de morte de Theodore Herzl.
[139] POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3, p. 3-15.
POLLAK, Michel. “Memória e identidade social”. Estudos Históricos, vol. 5, n. 10, p. 200-212.
[140] THOMPSON, Alistair et alii. “Os debates sobre memória e história: alguns aspectos internacionais”. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 72.
[141] DOSSE, François. “A oposição história / memória”. In: _______. História e Ciências Sócias. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 2004, p. 170.
[142] NORA, Pierre. “Entre a memória e a história: a problemática dos lugares.” Projeto História, nº 10, p. 7-28, dez. 1993.
[143] NORA, op. cit., p. 9
[144] Idem.
[145] O termo “não-dito” aqui utilizado, remete ao utilizado por Michel de Certeau em seu artigo “A Operação Histórica”, no qual estabelece que mesmo possuindo algumas regras “oficiais”, ou programas definidos, ainda existem algumas “normas de conduta” que não constam destes. Estas estão compondo o universo do “não-dito”, pois existem e se fazem presente, sem com isso serem assumidamente “ditas”, ou documentadas. Cf. CERTEAU, Michel de. “A operação histórica”. In: LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. “História: Novos Problemas”. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 3ª ed., 1988, p. 17-48.
[146] NORA, op. cit., p. 14
[147] Idem, p. 8.
[148] O termo “Lugar” foi empregado segundo o conceito de Michel de Certeau para “Lugar Social” de onde se produz o conhecimento historiográfico. Cf. CERTEAU, op. cit., p.18-20.
[149] ROUSSO, Henry. “A memória não é mais o que era”. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Orgs). “Usos e Abusos da História Oral”. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005 [6ª Ed.], pp. 93-101, p. 97.
[150] CASSIRER, Ernest. “Ensaio sobre o homem. Introdução a uma filosofia da cultura humana”. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
[151] Ou seja, no plano das idéias (a intervenção aqui é nossa).
[152] CASSIRER, op. cit., p. 285.
[153] Idem, p. 291.
[154] Contribuição nossa.
[155] Idem, p.301-302.
18 WEHLING, Arnos e WEHLING, Maria José. “Memória e história. Fundamentos, convergências, conflitos”. In: _______. Memória Social e Documentos: uma abordagem interdisciplinar. Rio de Janeiro: Universidade do Rio de Janeiro. Mestrado Memória Social e Documento, 1997, p. 9-26.
[157] BÉRGSON apud WEHLING, op cit, p. 13.
[158] DURKHEIM apud WEHLING, op cit, p. 13.
[159] HALBWACHS apud WEHLING, op. cit., 13.
[160] WEHLING, op cit, p. 13.
[161] HALBWACHS, Maurice. “A Memória Coletiva”. São Paulo: Vértice, Ed. Revista dos Tribunais, 1990.
[162] ROUSSO, Henry. “A Memória não é mais o que era”. In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta (orgs.). “Usos e Abusos da História Oral”. 6. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p.93-101.
[163] POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, nº 3. p. 3.
[164] ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
[165] ELIAS, op. cit., p.129
[166] Elias iniciou seus estudos acerca da relação entre indivíduo e sociedade quando da elaboração de seu estudo anterior, O Processo Civilizador (dois volumes: vol 1., Uma História dos Costumes, Vol. 2, Formação do Estado e Civilização), quando percebeu, por exemplo, que ao longo de inúmeras gerações o limiar da vergonha e do constrangimento se dava em momentos diversos, ou seja, aquilo que poderia designar vergonha para uma geração nem sempre se caracterizou como um elemento vexatório para uma geração posterior, e vice-versa. Isso denota que ao crescerem como indivíduos, os membros de uma geração tinham que se adaptar a um padrão de vergonha e constrangimento (seguindo o exemplo contido no segundo volume de sua obra supracitada) posterior ao das pessoas de gerações precedentes – bem como os movimentos no sentido oposto também eram possíveis. Isso deixava evidente para o autor que a posição na qual um indivíduo ingressava no fluxo do processo social, ao longo de seu desenvolvimento, influenciava diretamente essa mudança no repertório de padrões sociais de auto-regulação que este tem de desenvolver dentro de si enquanto indivíduo único; estes padrões são regulados e são específicos de cada geração e, por conseguinte, de cada sociedade. Para maiores detalhes ver ELIAS, Norbert. “O Processo Civilizador – Vol. I: Uma História dos Costumes”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1990; e ELIAS, Norbert. “O Processo Civilizador – Vol. II: Formação do Estado e Civilização”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.
[167] ELIAS, op. cit., p.166.
[168] VELHO, Gilberto. “Memória, Identidade e Projeto”. Rev. TB, Rio de Janeiro, 95: 119/126, out.-dez., 1998.
[169] VELHO, Op. Cit. p. 120.
[170] Idem, p. 124.
[171] Idem Ibdem, p. 125.
[172] ROUSSO apud POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3., p. 10.
[173] POLLAK, op. cit., p. 11.
[174] POLLAK, op. cit., p. 8.
[175] O texto completo (e ampliado) desta aula inaugural foi publicado em 1971. Ver FOUCAULT, Michel. “A Ordem do Discurso. Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970”. 11. Ed. São Paulo: Loyola Edições, 2004.
[176] BOURDIEU, Pierre. “A Economia das trocas lingüísticas. O que falar quer dizer”. São Paulo: Edusp, EDUSP: São Paulo, 1996.
[177] BOURDIEU, op. cit., p.87
[178] Depoimento cedido por Moysés Glat a Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[179] Holocausto.
[180] Depoimento cedido por Moysés Glat a Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[181] Idem.
[182] Excerto retirado do mesmo depoimento supramencionado.
[183] Depoimento cedido por Moysés Glat à Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[184] Hobonim Dror
[185] Depoimento cedido por Moysés Glat à Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[186] A quinta na história do país.
[187] MENDONÇA, Sônia Regina de. “As bases do desenvolvimento capitalista dependente”. In: LINHARES, Maria Yedda (org.). “História geral do Brasil.” Rio de Janeiro: Campus, 1990, p.249.
[188] Refere-se a aliança política firmada entre PSD (Partido Social Democrata) e UDN (União Democrática Nacional) a partir de 1947, que configurou a base de sustentação no Congresso Nacional do Presidente, recém eleito, Eurico Gaspar Dutra – pela coligação PSD/PTB. Sua comparação é feita pois no PSD, o maior de todos os partidos, a indefinição era a norma, uma vez que seus líderes estavam dispostos a aceitar qualquer proposta que os mantivesse no proscênio político, como “chefes” e “caciques” dos currais eleitorais no país. Para maiores detalhes, Cf. SKIDMORE, Thomas. “Brasil: de Getúlio a Castelo.” 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
[189] Depoimento cedido por Moysés Glat à Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[190] Em uma tradução, seria algo como “realização pessoal pelo ato de (ou através do) trabalhar a terra, com as próprias mãos” – sua conotação era mais voltada à simbologia do construir o Estado de Israel com as próprias mãos, daí que os shomrim iam construir os kibutzim. E, logo, era vetada a exploração do trabalho alheio por qualquer um.
[191] Depoimento cedido por Moysés Glat à Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[192] Depoimento cedido por Moysés Glat à Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[193] Respectivamente: a páscoa judaica, o dia do perdão, o ano novo judaico.
[194] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[195] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[196] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[197] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[198] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[199] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[200] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[201] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[202] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[203] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[204] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[205] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[206] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[207] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[208] Depoimento cedido por Moysés Glat a Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[209] Depoimento cedido por Moysés Glat a Andre de Lemos Freixo, Maria Paula Araujo e Michel Gherman, em 2003.
[210] BOURDIEU, Pierre. “A Economia das trocas lingüísticas. O que falar quer dizer”. São Paulo: Edusp, EDUSP: São Paulo, 1996, 82-83.
[211] Depoimento cedido por Paulo Geiger a Andre de Lemos Freixo em 2004.
[LB1]Rousso é sociólogo?
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