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Monday 6 December 2010

Judeus na Primeira PessoaAutor Bernard-Henry Lévy,

- Judeus na Primeira PessoaAutor  Bernard-Henry Lévy,




Sou judeu por parte da minha mãe e do meu pai. Sou judeu por parte de Lévinas, Buber, Rosenzweig. Sou judeu porque ser judeu significa amar mais a lei do que a terra e a letra tanto quanto o espírito.

Sou judeu em resultado de uma desconfiança, que sempre senti, em relação a estados extáticos e extremos de paixão religiosa.

Sou judeu em resultado da minha rejeição de todas as formas de magia ou mistério: “Cautela”, gritou Lévinas, autor de Difficíle Liberté, Essais sur le Judaïsm, “com todos os falsos profetas que dizem que o homem está ‘mais perto dos deuses quando deixa de pertencer a si próprio’! Em guarda, judeus, contra o esquecimento de que o judaísmo é a única religião no mundo que prega a recusa das forças obscuras – a religião do desencanto, do santo e não do sagrado!” É assim que sou judeu.

Sou judeu porque sou antinaturalista e antimaterialista – sou judeu, por outras palavras, porque me sinto em casa no Livro e entre os homens, mais do que na obscura floresta de símbolos e até na vida.

Sou um judeu do galout (exílio, diáspora); sou um judeu que, há anos e anos, reflecte nesta questão do galout; não propriamente na reabilitação do galout; não, falando correctamente, na metafísica do galout; e, ainda menos, na distância em relação a Israel, que amo do fundo do coração, um amor incondicional; mas a meditação num exílio essencial, sem redenção nem retorno, que para mim parece constituir o que significa ser judeu, tanto no galout como em Israel; o contrário do exílio de Ulisses; a correlação e parte do fascínio, judaico também, com o reino dos céus; não é Judeu o nome, igualmente, do filho de Abraão (o Hebreu) e de Jacob (o Israelita)? Não é a filosofia judaica, indissociavelmente, a filosofia dos reis e dos profetas, de Israel e a da voz que, através de Jeremias, implora ao “resto de Israel” para “fortificar as suas posições no exílio”?

Sou judeu porque não sou um platónico; judeu por causa do que chamarei, para ser sucinto, anti-platonismo coextensivo ao pensamento judaico; uma ética mais do que um ponto de vista; uma relação com os outros homens tanto quanto com Deus ou, mais exactamente, a Deus, sim, mas porque, e somente porque, me traz mais perto do meu semelhante.

Sou judeu como Lévinas quando ele discute a amizade com Buber. Nessa discussão, que é digna, pelos seus termos, da famosa disputa em que Proust, sobre o mesmo tema, acaba por atirar os sapatos à cara de Emmanuel Berl, Lévinas expressa a sua desconfiança das noções buberianas de diálogo e reciprocidade. Sou judeu, sim, na forma como Lévinas declara ser estranha e irrelevante a ideia de uma amizade puramente espiritual, ou “desnervada”, que pode apenas cair em “formalismo”. Ele conclui com estas formulações magníficas, que são parte do meu judaísmo: o Outro necessita mais de “solicitude” do que de “amizade”, porque “vestir os que estão nus e alimentar os que têm fome é o real e concreto acesso ao Outro, mais autêntico do que amizade etérea.”

Sou um judeu que não é realmente um humanista (a palavra perde o sentido para um leitor, mesmo o menos versado, do Maharal de Praga ou do Gaon de Vilna), mas sou consciente de um judaísmo que me faz responsável pelos outros, o seu guardador – um judaísmo que se define, assim, como uma ética e define esta ética como aquela que é estabelecida quando eu resolvo fazer de mim não o igual mas o refém do meu semelhante e que vejo, sobre o meu “eu”, um “Ele” que me domina das sagradas alturas.

Sou um judeu que não é obviamente político (como pode um estudante de Lévinas esquecer o seu Politique Aprés?) mas aberto, por outro lado, ao mundo e a fazer do messianismo a responsabilidade básica do homem, de cada homem, no trabalho de redenção.

Sou um judeu universalista.

Sou um judeu que não se resigna a deixar ao cristianismo o monopólio do universalismo. O “povo escolhido”, tanto para mim como para Lévinas e Albert Cohen, não é um privilégio, mas uma missão. O papel do povo judeu, tanto para mim como para Rosenzweig, é abrir, a todos os povos, as invisíveis e sagradas portas que iluminam a estrela da redenção. É este, aos meus olhos, o significado do mandamento de Deuteronómio: “Não abominarás o idumeu, pois é teu irmão; não abominarás o egípcio”; e também na história de Jonas, a quem Deus diz: “Levanta-te, vai à grande cidade de Ninive e clama”, mesmo quando Ninive é, como ele sabe, o inimigo de Israel, a capital da Assíria, o próprio reino do mal.

Sou um judeu tal como Walter Benjamin quando Benjamin fala da sua “solicitude para com os vencidos e famintos” – sou judeu no sentido de Poésie et Revolution e de Teses Sobre o Conceito da História mostrando que “cada segundo é a porta estreita através da qual pode passar o messias.”

Sou um judeu que acredita, como Benjamin e, de certa forma, Scholem, que o messianismo judaico é a “encarnação de uma história secreta e invisível” que “se contrapõe à história dos fortes e dos poderosos”, que é como quem diz a “história visível” – toda a minha vida acreditei neste judaísmo, e isto é o que tenho praticado.

Fui judeu, por outras palavras, no meu Réflexions sur la Guerre, le Mal e la Fin de l’Histoire. Fui judeu no Burundi, em Angola, e na Bósnia muçulmana. Fui judeu entre os nubios a caminho de serem exterminados no sul do Sudão.

Fui judeu cada vez que, nas mais desoladas zonas do mundo, no coração das suas mais esquecidas guerras, eu aprendi a instrução judaica segundo a qual a mais séria prova da existência de Deus é a existência de rostos – e o sinal do eclipse de Deus é o seu apagamento programado.

Sou judeu porque acredito num Deus que por outra definição é “Não Matarás”.

Sou judeu quando tentei, ao longo de um ano, traçar os passos de Daniel Pearl, e sou judeu quando, à minha maneira, modesta e secular, sim, mas à minha maneira, tento contribuir para a santificação do seu nome.



Bernard-Henry Lévy, filósofo, escritor, jornalista e ensaísta francês. Retirado do livro “I Am Jewish: Personal Reflections Inspired by the Last Words of Daniel Pearl”, 2004.

Jardim do Éden revisitado - Roque de Barros Laraia

Jardim do Éden revisitado






Roque de Barros Laraia

Universidade de Brasília







RESUMO: Análise do mito de Lilith, primeira esposa de Adão, segundo a tradição judaica, que foi expurgada do texto, hoje conhecido, pela censura dos editores bíblicos que procuraram adequar o livro sagrado aos valores e padrões morais de suas épocas. O Autor mostra que esses cortes não foram suficientes para apagar totalmente a figura de Lilith da tradição oral e, muito menos, de alguns textos rabínicos. No decorrer deste mito fica claro que, ao consumir o fruto proibido, Adão adquiriu o conhecimento do bem e do mal e não apenas o da sexualidade. Mas, o mais importante é o fato que Lilith representa a primeira reação feminina ao domínio masculino.



PALAVRAS-CHAVE: Mitologia cristã, demônio feminino, livros apócrifos.





Claude Lévi-Strauss cautelosamente evitou a realização de uma análise estruturalista do Gênesis, sob a alegação de que "a mitologia do Velho Testamento foi distorcida pelas operações intelectuais dos editores bíblicos" (Leach, 1983:74), além do fato de considerar o contexto etnográfico como "quase inteiramente ausente" nos referidos textos. Esta argumentação foi refutada por Leach em seu brilhante artigo "A Legitimidade de Salomão"(Id., ibid.), no qual demonstrou a existência na Bíblia de evidências etnográficas passíveis de serem analisadas pelo método antropológico, além da consideração que a seqüência cronológica que foi estabelecida pelos "editores" tem, "por si mesma, um significado estrutural".



Concordamos com Leach sobre a disponibilidade do material bíblico para a análise antropológica e também que os antropólogos, que utilizam os mitos de outras religiões, devem abandonar o seu "melindre extraordinário com a análise do Cristianismo e do Judaísmo que são religiões nas quais eles próprios, ou seus amigos próximos, estão profundamente envolvidos." (:136). Retomamos, portanto, neste trabalho, o texto bíblico do Gênesis, buscando demonstrar que os "editores bíblicos", através do tempo, procuraram mediante uma atitude censorial uma espécie de "pasteurização"1 do discurso original, numa tentativa de adequá-lo aos valores morais e culturais de suas respectivas épocas. Contudo, os trechos que foram objetos de cortes não tiveram o seu registro totalmente apagado, continuam disponíveis em outros textos, principalmente os da religião Judaica. A legitimidade etnográfica deste material pode ser invocada, pois o Cristianismo é uma religião derivada do Judaísmo, partilhando com o mesmo o discurso mítico contido no Velho Testamento.



Ao retomarmos a análise das histórias que têm como cenário o Jardim do Éden seguimos a trilha aberta por Frazer, Freud e principalmente o próprio Leach (1970), mas, ao contrário destes autores, pretendemos utilizar os trechos que foram extirpados nas sucessivas edições do discurso mítico.



No sétimo dia da Criação, Deus criou o homem à sua imagem: "à imagem de Deus o criou: macho e fêmea os criou." (Gênesis, 1,27). Tal afirmação categórica é uma negação da versão mais difundida: a de que o homem foi criado antes da mulher. Neste ponto, existem interpretações diferentes. A primeira é a de que Adão seria um ser andrógino (macho e fêmea) e que a separação de Eva representaria a cisão da criatura original andrógina em duas (Unterman, 1992:25). A androginia de Adão é explicada em alguns textos rabínicos, como no Sepher Ha-Zohar, que contêm a afirmação de rabi Abba: "O primeiro homem era macho e fêmea ao mesmo tempo pois a escritura diz: E Elohim disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança (Gênesis, 1,26). É precisamente para que o homem se assemelhasse a Deus que foi criado macho e fêmea ao mesmo tempo"2.



Existe, contudo, uma outra interpretação, que nos parece mais fascinante, a de que, a exemplo do que foi feito com os animais, Deus teria criado um casal: Adão e uma mulher que antecedeu a Eva. Esta mulher primordial teria sido Lilith3, figura bastante conhecida da antiga tradição judaica. Lilith não se submeteu à dominação masculina. A sua forma de reivindicar igualdade foi a de recusar a forma de relação sexual com o homem por cima. Por isso, fugiu para o Mar Vermelho. Adão queixou-se ao Criador, que enviou três anjos em busca da noiva rebelde. Os três anjos eram Sanvi, Sansanvi e Samangelaf4. Os emissários do Senhor tentaram em vão convencer a fujona. Ameaçaram afogá-la no mar5. Lilith, porém, respondeu: "Deixem-me, não sabeis que não fui criada em vão e que é meu destino dizimar recém-nascidos; enquanto é um menino tenho poder sobre ele até o oitavo dia, se é menina, até o vigésimo. No entanto, ela jurou aos anjos, em nome do Deus vivo, de que sempre que avistasse as figuras ou apenas os nomes dos mensageiros de Deus, deixaria a criança em paz. Também aceitou o fato de que diariamente iriam perecer cem de seus próprios filhos." (Gorion, :53). Lilith foi transformada em um demônio feminino, a rainha da noite, que se tornou a noiva de Samael, o Senhor das forças do mal.



Segundo uma velha tradição, Lilith seria uma figura sedutora, de longos cabelos, que voa à noite, como uma coruja, para atacar os homens que dormem sozinhos. As poluções noturnas masculinas podem significar um ato de conúbio com a demônia, capaz de gerar filhos demônios para a mesma. As crianças recém-nascidas são as suas principais vítimas. A crença em Lilith, durante muito tempo, serviu para justificar as mortes inexplicáveis dos recém-nascidos. Uma forma de proteger as crianças contra a fúria da bela demônia é escrever na porta do quarto os nomes dos três anjos enviados pelo Senhor. Outra maneira é a de afixar no berço do recém-nascido, três fitas, cada uma delas com um nome dos três anjos. Segundo Unterman, na véspera do Shabat e da Lua Nova, quando uma criança sorri é porque Lilith está brincando com ela. Para protegê-la deve se bater três vezes de leve no nariz da criança, pronunciando uma fórmula de proteção contra Lilith6. O mesmo Autor afirma que, na Idade Média, era considerado perigoso beber água nos solstícios e equinócios, períodos estes em que o sangue menstrual de Lilith pinga nos líquidos expostos. Finalmente, uma outra tradição judaica afirma que a lendária rainha de Sabá que teria visitado Salomão nada mais era do que Lilith. O sábio rei, contudo, descobriu o ardil, ao levantar a saia da rainha e constatar que as suas pernas eram peludas.



Segundo uma lenda judaica, após a expulsão do paraíso, Adão para se mortificar ficou cento e trinta anos afastado de Eva. Uma ocasião que estava dormindo sozinho, Lilith o encontrou e deitou-se ao seu lado e dele concebeu um sem número de demônios. Os que se defrontavam com eles eram torturados e mortos (Gorion, :54).



A rebelião de Lilith contra Adão e o Criador levou à necessidade da criação de Eva, esta formada a partir de uma costela de Adão (Gênesis, 2, 21). É possível, portanto, imaginar que um corte foi realizado entre o capítulo 1, versículo 28, e o capítulo 2, versículo 21. É provável que este corte tenha ocorrido, mesmo em época bastante remota, como no quarto século antes de Cristo, quando se supõe que o texto escrito tomou uma forma aproximada da atual (Leach, 1983:77). O próprio teor do capítulo 1, versículo 28, sustenta esta hipótese: "E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra ..." Como seria possível abençoar a ambos e recomendar a multiplicação se Eva ainda não estava criada?



Roberto Sicuteri (1986:27) chama a atenção para um outro detalhe importante: após a criação de Eva, extraída da costela de Adão, este diz: "Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada varôa, porquanto do varão foi tomada" (Gênesis, 2, 23). Para Sicuteri, esta agora soa como desta vez numa inequívoca referência a uma mulher anterior.



Eva, porém, à sua maneira, repetiria o gesto de rebelião de sua antecessora. Deus tinha permitido ao homem comer todas as frutas do jardim, com apenas uma exceção: "Mas da árvore da ciência do bem e do mal, d'ela não comerás; porque no dia que d'ela comeres, certamente morrerás." (Gênesis, 2,17). É exatamente esta interdição que é rompida por Eva. A versão canônica é que a mulher assim procedeu tentada pela serpente, sob a alegação de que o consumo da fruta proibida a tornaria tão poderosa como Deus. Acreditando na pérfida serpente, Eva comeu do fruto proibido e convenceu o seu companheiro a fazer o mesmo. A punição por este ato de desobediência original foi a perda da imortalidade, a partir de então os homens tornaram-se mortais. Existem outras interpretações para esta história. Os teólogos modernos acreditam que a serpente foi a forma tomada pelo demônio para tentar Eva. Existe também a crença de que Lilith teria se transformado em serpente para tentar Eva e se vingar de Adão. Uma terceira interpretação é a que faz parte de uma tradição judaica: "a serpente bíblica era um animal astucioso, que caminhava ereto sobre as duas pernas, falava e comia os mesmos alimentos que o homem. Quando viu como os anjos prestigiavam Adão, teve ciúme dele, e a visão do primeiro casal tendo relação sexual despertou na serpente o desejo por Eva. Por instigação de Satã ou Samael, ou, segundo algumas versões, possuída por ele, a serpente persuadiu Eva a comer o fruto proibido e seduziu-a. Como castigo, suas mãos e pernas foram cortadas e ela teve de se arrastar sobre o seu ventre, todo alimento que comia sabia a pó, e tornou-se eterna inimiga do homem.(...) Quando teve relação sexual com Eva, injetou sua peçonha nela e em todos os seus descendentes. Essa peçonha só foi removida do povo de Israel quando estavam no monte Sinai e receberam o Torá." (Unterman, 1992:236).



Expulsos do paraíso, Adão e Eva tiveram, segundo a versão canônica, dois filhos: Caim e Abel (Gênesis, 4, 1 e 2). As causas do fratricídio cometido por Caim são bastante conhecidas, por isso passamos diretamente para uma outra versão: "num paroxismo de ciúme pela não aceitação de sua oferenda e por uma irmã gêmea que Abel desposara (o grifo é nosso), Caim matou seu irmão." (Unterman, 1992:54). Chamamos a atenção para um elemento novo que surge neste momento, a existência de uma irmã gêmea que fora desposada por Abel. Posteriormente, voltaremos a tratar deste assunto. No momento, interessa-nos mais a versão de que Caim, de fato, não era filho de Adão, mas da serpente que tinha seduzido Eva. E mais, quando foi banido para o leste do Éden, Deus lhe atribuiu chifres, para afugentar os animais que lhe pudessem atacar. A sua punição consistia em perambular pela terra, sem descanso, sem que ninguém o pudesse matar. Contudo, foi morto por um seu descendente, Lamech que o confundiu com um animal selvagem. A versão atual não faz menção ao "parricídio" de Lamech, mas nos dá indício que neste ponto também agiram os editores bíblicos. Vejamos o que diz os versículos 23 e 24 do capítulo 8 do Gênesis: 23. "E disse Lamech as suas mulheres: Ada e Zilla, ouvi a minha voz; vós, mulheres de Lamech, escutai o meu dito; porque eu matei um varão por minha ferida, e um mancebo por minha pisadura". 24."Porque sete vezes Caim será castigado, mas Lamech setenta vezes sete." Por que este último versículo atribui uma maior punição a Lamech? A resposta nos é dada pelo versículo l5 do mesmo capítulo: "O Senhor porém disse-lhe: Portanto qualquer que matar a Caim sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que não o ferisse qualquer que o achasse." Este versículo não deixa dúvida sobre quem foi a vítima da flecha de Lamech, além disto refere-se a um sinal colocado por Deus em Caim, que pode ser os chifres mencionados na tradição judaica.



O versículo 25 do capítulo 8, também, é bastante significativo: "E tornou a Adão a conhecer a sua mulher; e ela pariu um filho, e chamou o seu nome Seth; porque disse ela Deus me deu outra semente em lugar de Abel; porquanto Caim o matou." Esta frase de Eva ficaria melhor na boca de Adão (não teria sido ele que a proferiu?), porque Adão somente considera como a sua descendência a de Seth (desde que Abel não deixou descendentes). Contudo, os versículos 17 a 22 do capítulo 8 referem-se a grande descendência de Caim. Para se ter uma idéia de sua dimensão, basta registrar que Lamech era neto de Mehujael, bisneto de Caim; ou seja, cinco gerações o separava de seu maldito ancestral. Resta, então, uma dúvida que nos permite formular duas hipóteses: a primeira, Adão teria repudiado a linhagem de Caim em função do fratricídio; a segunda é que Adão não considerava a descendência de Caim, sabedor da infidelidade de Eva.



Em seu artigo "O Gênesis enquanto um mito", Leach (1983) demonstrou as característica míticas das estórias bíblicas. Repetindo os argumentos desse Autor, podemos analisar o Velho Testamento como um mito porque existe uma comunidade de pessoas que acreditam no texto sagrado "quer correspondam aos fatos históricos ou não". Os disparates e contradições existentes no discurso bíblico reforçam a sua definição como mito, porquanto "a não racionalidade do mito é a sua verdadeira essência, pois a religião exige uma demonstração de fé que se faz suspendendo-se a dúvida crítica."



Utilizando-se da linguagem técnica da comunicação, Leach demonstra que uma das características do mito é o da redundância, ou seja, uma mesma mensagem deve ser repetida várias vezes para melhor atingir os receptores. Assim, no discurso canônico, o homem é criado duas vezes: (Gênesis 1, 27) "E creou Deus o homem à sua imagem..." e (Gênesis 2,7) "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra...". Além disso, existe ainda um outro momento da criação da humanidade a partir da descendência de Noé: (Gênesis 9, 1): "E abençoou Deus a Noé e a seus filhos, e disse-lhes: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra." As reincidências das redundâncias visa a superação dos ruídos das interferências que surgem entre o transmissor e os receptores. Os adeptos da Bíblia acreditam na natureza divina do transmissor, mas a maioria deles ignora as interferências provocadas pelos chamados editores bíblicos. A Antropologia não está interessada na discussão do caráter divino do transmissor. Os antropólogos acreditam mesmo na existência de diversos transmissores que foram, no decorrer do tempo, os responsáveis pela criação do mito. Neste trabalho, enfatizamos os ruídos que se colocaram entre os emissores ancestrais e os receptores que continuam a existir. As distorções apontadas por Lévi-Strauss ao invés de nos afugentarem serviram de estímulos para a análise que faremos a seguir.



Do ponto de vista antropológico, o Gênesis é um mito de origem que busca explicar o surgimento do primeiro homem e como tal não difere muito de outros mitos, integrantes das diferentes cosmologias existentes, principalmente em dois pontos fundamentais:



1) O mito não visa a explicação do surgimento de toda a humanidade ¾ como depois foi sugerido pelos exegetas judaicos e cristãos ¾ mas, apenas o surgimento de um povo específico, no caso os hebreus. Tal fato está confirmado pelo versículo 16 do capítulo 4: "E saiu Caim de diante da face do Senhor, e habitou na terra de Nod, da banda do oriente do Éden." O versículo seguinte afirma que "Caim conheceu a sua mulher e ela concebeu, e pariu Enoch..." Há duas interpretações possíveis para estes dois versículos: a primeira é que o conheceu significa apenas ter relações sexuais e, portanto, Caim teria chegado ao leste do Éden já com uma companheira. Mas a interpretação mais plausível é que de fato tenha encontrado um outro povo. Isto é mais condizente com o estilo dos mitos de origens, marcados fortemente pelo etnocentrismo.



2) O mito narra a história do pecado original. É portanto semelhante às narrativas que mostram que o homem perdeu a imortalidade em função de sua própria culpa. Uma escolha mal feita, um ato de desobediência (como no Gênesis) ou uma ofensa a um ser sobrenatural. Os Tupi Guarani seriam imortais se a primeira mulher não tivesse duvidado dos poderes de Mahíra. O texto bíblico relata a dupla desobediência da mulher: Lilith não atende a convocação do Senhor para voltar para Adão; Eva come do fruto proibido e convence Adão a fazer o mesmo.



O pecado original transforma os seres puros, criados por Deus, em seres impuros. A mulher, a principal responsável pela queda, expressa a sua impureza através da própria biologia. Assim o fluxo menstrual é considerado pelos hebreus como uma forma de poluição que exige rituais de purificação para aqueles que são contaminados. Ao se relacionar sexualmente com a serpente, Eva foi contaminada pela terrível peçonha da mesma. Tal contaminação é transmitida a toda sua descendência, tanto aos filhos de Seth como de Caim. Esta peçonha foi retirada do povo de Israel, no monte Sinai, quando Deus estabeleceu um novo pacto com os Hebreus (Êxodo, 34, 10-28), conclamando-os a uma forte endogamia. O casamento com outros povos possibilitaria uma nova contaminação com a peçonha de Eva. O etnocentrismo da religião judaica contrasta, neste ponto, com o caráter universalista do cristianismo. Maria, a mãe de Jesus, torna-se a mãe de toda humanidade para com a sua pureza livrá-la da contaminação original. O sacrifício de Cristo seria um novo pacto de Deus com os homens, mas desta vez uma aliança universal.



Todos os mitos de origem defrontam-se com a questão do incesto. É comum o caso de um casal de gêmeos que dá origem à espécie humana. Nestes casos, o mito estabelece uma relação de inversão com as práticas sociais de seus adeptos. A relação sexual consangüínea é permitida aos ancestrais, que vivem naquele tempo, mas se torna uma prática abominável para os mortais comuns. O Gênesis não escapa desta característica. Mesmo se desprezarmos a pouco conhecida irmã gêmea de Abel, tão cobiçada por Caim7, as práticas incestuosas aparecem no Gênesis. Primeiro, com o próprio Adão e a Eva, filhos de um mesmo Criador, portanto tecnicamente irmãos, e carne da mesma carne, conforme proclamou Adão. Segundo, com Seth que gerou a Enos, provavelmente com a parceria de uma mulher, filha de Adão.



Em uma cultura fortemente marcada por oposições binárias, do tipo bem/mal, mulheres permitidas/mulheres proibidas etc., temos que concordar, mais uma vez, com Leach que as personagens do Gênesis pertencem a uma terceira categoria de seres, os anômalos ou os mediadores, que são capazes de praticar atos proibidos ao restante da humanidade.



Discordamos, portanto, de Leach quando estabelece que o consumo do fruto proibido levou o primeiro homem e a primeira mulher ao conhecimento da sexualidade, quando diz que "Adão e Eva comem o fruto proibido e tornam-se conscientes da diferença sexual". Baseamos a nossa discordância tanto na análise dos textos canônicos quanto os não canônicos. Quanto a estes últimos, lembramos que Lilith abandonou Adão porque queria ficar por cima no ato sexual; a serpente desejou Eva estimulada pela visão da mulher tendo relações sexuais com o primeiro homem. Quanto aos primeiros, recordamos que o versículo 28, do capítulo 1, apontado anteriormente neste trabalho como anterior à Eva, e conseqüentemente antes de sua desobediência, recomendava ao casal inicial "frutificai e multiplicai-vos e enchei a terra..." O próprio versículo 27, quando diz "macho e fêmea os criou", já sugere a possibilidade do intercurso sexual. Por outro lado, não existe nenhuma indicação de relacionamento com a sexualidade nos trechos mais relacionados com a desobediência original como nos versículos 4 e 5, do capítulo 3: 4. "Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis." 5. "Porque Deus sabe que no dia em que d'ele comerdes se abrirão aos vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal." Foram, com certeza, editores bíblicos de um período mais recente, dominados por uma ética sexual do tipo que hoje chamamos judaico-cristã, que adaptaram o texto tornando-o mais compatível com uma moral sexual mais rígida e estabelecendo uma nova dicotomia de categorias do bem e do mal. Foram eles que consideraram a prática sexual como pecaminosa.



A principal mensagem do conjunto de mitos produzidos por uma sociedade de pastores e guerreiros nômades, fortemente patriarcal e patrilinear como demonstram as genealogias do Gênesis, imbuída de uma ideologia machista, refere-se exatamente à questão da mulher vista como um ser extremamente perigoso, necessitando portanto ser fortemente controlada. Esta forma de perigo fica demonstrada, no mito, pelo comportamento das duas primeiras mulheres, as esposas de Adão. Lilith recusou ser dominada pelo homem. "Por que devo deitar embaixo de você?" ¾ pergunta ela ¾ "Eu também sou feita do pó, e assim sendo somos iguais"8. E nem mesmo a tentativa de Adão de dominá-la pela força produz resultado; ela invoca o nome de Deus e foge para o mar Vermelho, uma região abundante em demônios lascivos, com os quais ela reproduz diariamente uma centena de lilim (demônios, filhos de Lilith). A sua rebelião a transforma definitivamente em um ser demoníaco, perpétuo inimigo dos homens e de suas crianças. É muito significativo que Lilith não ataque as mulheres, com a exceção apenas das noivas. Eva, denominada por Adão "a mãe de todos os seres viventes", e mais fácil de ser subjugada porque não foi feita como ele do pó, mas de uma parte dele, também demonstrou a sua capacidade de ser perigosa. Ao ser seduzida pela serpente, desobedeceu a ordem de Deus de não comer do fruto proibido e convenceu ao homem a fazer o mesmo ("Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi" ¾ Gênesis, 3, 12), condenando toda humanidade a ser exilada do Éden. Estruturalmente, Lilith e Eva cometeram o mesmo crime, o da desobediência ao Senhor e foram punidas da mesma forma: Todos os dias, por toda a eternidade, Lilith, "a mãe dos demônios" tem que se conformar com a morte de 100 lilim; da mesma forma, Eva é a responsável pela morte de todos os seus descendentes que poderiam ser imortais se continuassem a viver no Paraíso.



Concluindo, a nossa intenção neste trabalho foi uma reconstrução de um mito de origem de um grupo de pastores nômades que mais tarde foram identificados como Hebreus, pertencentes a uma mesma área cultural, cujos maiores expoentes foram as culturas Babilônica e Sumeriana. Muito dos mitemas encontrados nos mitos bíblicos tem a sua origem nas versões mais antigas dos povos da Mesopotâmia. O processo de canonização do Torá (e conseqüentemente da Bíblia) iniciou-se aproximadamente no ano 400 a.C., durante o governo de Ezra9, um dos chamados editores bíblicos. Não pretendemos reconstituir aqui todas as modificações sofridas após o livro sagrado dos judeus ter sido apropriado pelo Cristianismo, apenas daremos uma idéia destas transformações indicando a quantidade de textos que foram considerados apócrifos10pelos diferentes editores.



Cerca do ano 100 a.C., os rabinos preocupados com a canonização do Torah consideraram como verdadeiros todos os textos que foram produzidos antes de 500 a.C., mantendo uma constante discussão sobre os demais. Este processo culminou entre a queda de Jerusalém (70 a.C.) e o ano de 135, pelos componentes da chamada escola de Yavneh. A partir desta época nenhum novo livro podia ser acrescentado e rejeitado. Tal fato deixou de lado um considerável número de textos em hebreu ou aramaico, que foram então denominados os livros escondidos ou os apócrifos. Muitos destes textos foram incorporados no Septuagint, uma versão grega do Velho Testamento, produzida em 270 a.C. e, desta forma, é uma variante mais extensa que a Bíblia judaica. A tradição protestante é mais fiel ao texto Hebreu, enquanto a católica está mais próxima do Septuagint.



São considerados apócrifos nas Igrejas Protestantes e aceitos pela Igreja Católica os livros de Tobias (escrito em Hebreu e Aramaico, 200 a.C.), Judith (escrito em Hebreu, 200 a.C.), A Sabedoria de Salomão (composto nos meios helenísticos, 100 a.C.), Baruch ( 100 a.C.), A Carta de Jeremias, Macabeus I e II ( o primeiro escrito em Hebreu e o segundo em Grego, ambos cerca de 200 a.C.), Adições ao livro de Daniel (data desconhecida), Adições ao livro de Ester (provavelmente 100 a.C.) e A Sabedoria de Jesus Sirach (escrito em Hebreu, 200 a.C.).



São considerados apócrifos tanto nas Igrejas Protestantes como na Católica os livros de Macabeus III e IV (100 a.C.), Ezra III e IV (200 a.C.) e a Prece de Manasseh (data incerta).



São considerados apócrifos pela Igreja Católica e pseudografados pelas Igrejas Protestantes os livros A Carta de Aristea (200 a.C.), Jubileus (escrito em Hebreu no fim do segundo século a.C.), O Testamento dos Doze Patriarcas (escrito em hebreu ou aramaico, entre o primeiro e o segundo século a.C.), Enoch I (165 a.C.), Salmos de Salomão (escrito em hebreu, cerca de 50 a.C.), A Assunção de Moisés (início da era cristã), A Ascensão de Isaias (idem), O Apocalipse de Baruch ( 50 a.C.), os Livros Sibilinos (inicio da era cristã) e o Documento de Damasco (200 a.C.).



Tal inventário11 mostra a quantidade de material que foi retirado das bíblias atuais e que provavelmente, em muitos casos, contêm uma quantidade razoável de informações míticas à disposição dos estudiosos preocupados com uma análise antropológica da cosmologia judaica. De nossa parte, contentamos-nos em ter realizado uma análise que, seguindo os passos da efetuada por Leach, parece-nos mais abrangente e mais fiel às versões mais arcaicas do mito hebreu.





Notas



1 Utilizamos o verbo pasteurizar no sentido de realizar um processo através do qual se extrai o que não é desejável.



2 De Pauly, apud Roberto Sicuteri.



3 "Lilith é usualmente derivado da palavra Babilônica/Assíria Lilitu `um demônio feminino ou um espírito do vento' ¾ parte de uma tríade mencionada nas invocações mágicas babilônicas. Mas aparece mais cedo como Lilake em uma inscrição Sumeriana do ano 2000 a.C. que contém a lenda `Gilgamesh e o Salgueiro'. É uma demônia vivendo em um tronco de salgueiro vigiado pela deusa Inanna (Anath) em uma margem do Eufrates. A etmologia do hebreu popular parece derivar Lilith de layl, noite, e ela freqüentemente aparece como um monstro noturno peludo no folclore Árabe." (Graves e Patai, 1983:68).



4 Robert Graves & Raphael Patai (1983) citam os nomes Senoy, Sansenoy e Semangelof, como as palavras que devem ser usadas para afugentar Lilith. Estes Autores não estão certos que estes sejam os nomes próprios dos emissários do Senhor.



5 "De acordo com uma lei sumeriana, se uma mulher 'odeia' seu marido e diz para ele 'Voce não é mais meu marido' ela deve ser lançada no rio" (Campbell e Freedman, 1970). Provavelmente é numa lei semelhante a esta que se baseia a ameaça dos anjos.



6 Entre nós existe o costume de dizer que uma criança que está sorrindo brinca com um anjo. Esta afirmação é da mesma estrutura mítica que a referida no texto, passando, porém, por uma transformação simples do tipo "substitua cada elemento por seu oposto binário" (Leach, 1983:81). No texto, a criança brinca com o demônio, entre nós com o anjo.



7 Casando-se ao leste do Eden, Caim poderia ter se livrado do pecado do incesto, mas Leach compara o fratricídio a uma forma homossexual de incesto.



8 Com esta frase, Lilith indica a simultaneidade de sua criação e o fato de ter sido feita da mesma matéria que Adão. Neste sentido, é bastante esclarecedor o trecho de Fox, R. (1993:17): "Deus pega um punhado de terra ("o pó da terra", em hebraico "adamah"), e molda o homem ("adam"), como se a semelhança existente entre duas palavras pudesse apontar para uma verdadeira ligação entre dois objetos."



9 Ezra foi governador de Judá, a serviço de Artaxerxes I, Rei da Pérsia. Restaurou os muros da cidade de Jerusalém e procurou dar maior liberdade ao povo judeu. A sua principal preocupação foi a de regulamentar os livros sagrados, sendo Autor de um deles (Musaph-Andriesse, 1982).



10 Este termo era utilizado inicialmente para se referir aos livros excluidos do conjunto canônico, tendo mais tarde adquirido um significado pejorativo.



11 As informações sobre o processo de canonização e a relação dos apócrifos e pseudografados foram extraídas do livro de Musaph-Andriesse.





Bibliografia



CAMPBELL Jr., E. e FREEDMAN, D.

1970 The biblical archaelogist, New York, A. Doubleday Anchor Original. [ Links ]



De PAULY, J. (org.)

1978 Il libro dello Zohar, Atanor. [ Links ]



FOX, R.L.

1993 Bíblia, verdade e ficção, São Paulo, Cia. das Letras. [ Links ]



GRAVES, R. e PATAI, R.

1983 Hebrew myths. The book of Genesis, New York, Greenwich House. [ Links ]



LEACH, E.

1983 "A legitimidade de Salomão", "Nascimento virgem" e "Gênesis enquanto um mito", in Da MATTA (ed.), Edmund Leach, São Paulo, Ática. [ Links ]



1970 "Lévi-Strauss in the Garden of Eden: an examination of some recent developments in the analysis of myth", in HAYES, E.N. e HAYES, T., Claude Lévi-Strauss, the anthropologist as hero, Cambridge, MA, The M.I.T. Press. [ Links ]



MUSAPH-ANDRIESSE, R.C.

1982 From Torah to Kabbalah. A basic introduction to the writing of judaism, New York, Oxford University Press. [ Links ]



SICUTERI, R.

1986 Lilith. A lua negra, São Paulo, Paz e Terra. [ Links ]



UNTERMAN, A.

1992 Dicionário judaico de lendas e tradições, Rio de Janeiro, Jorge Zahar. [ Links ]







ABSTRACT: An analysis of the myth of Lilith, the first wife of Adam, according to Jewish tradition, which was expurgated from the text which we know today, by the censureship of Biblical editors who tried to make the sacred book conform to the values and moral standards of their times. The author shows how these editorial cuts were not sufficient to completely wipe out the figure of Lilith from the oral tradition and, even less so, from some rabbinic texts. In this myth it becomes clear that, by eating the prohibited fruit, Adam acquired knowledge of the good and the bad and not only of sexuality. However, what is most important is the fact that Lilith represents the first female reaction to male domination.



KEY WORDS: Cristan mythology, female demon, apocryphal books.

A 1º mulher de Adão LILITH - A HISTÓRIA OCULTA - REVOLUCIONÁRIA OU FEITICEIRA?

E DEUS CRIOU O HOMEM - A ÚLTIMA DAS CRIAÇÕES

LILITH - A HISTÓRIA OCULTA - REVOLUCIONÁRIA OU FEITICEIRA?

A 1º mulher de Adão - Eva (a submissa) veio depois


Poucas pessoas sabem a saga vivida por Lilith, a primeira mulher de Adão, que veio do pó como ele, não nasceu da costela e, por isso, não foi submissa. Como todo bom machão, Adão reclamou com Deus e, então, ele amaldiçoou a Lilith e a tornou um personagem obscuro na história bíblica.



MASCULINO/FEMININO

Na origem de todos os povos do mundo sempre existiu a tradição de um casal fundador da raça humana. A maioria são casais-deuses, exceto nas religiões patriarcais, como a cristã, onde um único Deus masculino formou todas as coisas e seres.



Entretanto, ao estudar a espiritualidade hebraica, através da Cabala, nos é ensinado que o grande deus monoteísta não é do sexo masculino, mas é completo em si mesmo, o que existem são divisões de gênero, inclusive é uma insolência lhe dar aspecto humano, pois sua essência é luz pura. E desde quando luz tem sexo?



Mas como sabemos vivemos num mundo bipolar e é por isso que nossa Divina Arquiteta teve a iluminada idéia de semear o amor no terreno fértil de nossos corações, para que pudéssemos andar lado a lado, sempre em casais e nunca sozinhos.



Ao se estudar Carl Jung descobriremos que dentro de cada homem há uma mulher (anima) e em cada mulher há o princípio masculino (animus). Este eterno jogo de yin-yang se ajusta e se completa. Portanto, nenhum indivíduo é inteiramente masculino ou inteiramente feminino.



Cada um de nós é composto dos dois elementos e esses dois constituintes estão freqüentemente em conflito. O princípio feminino ou "Eros" é universalmente representado pela Lua e o princípio masculino ou "Logos" pelo Sol. O mito da criação no Gênesis afirma: Deus criou duas luzes, a luz maior para reger o dia e a luz menor para reger a noite. O Sol como princípio masculino é o soberano do dia, da consciência, do trabalho e da realização, do entendimento e da discriminação conscientes, o Logos.







A Lua, o princípio feminino é a soberana da noite, do inconsciente. É a deusa do amor, controladora das forças misteriosas que fogem à compreensão humana, atraindo os seres humanos irresistivelmente um para o outro, ou separando-os inexplicavelmente. Ela é o Eros, poderoso e fatídico e totalmente incompreensível.



Na natureza, o princípio feminino ou a deusa feminina mostra-se como uma força cega, fecunda, cruel, criativa, acariciadora e destruidora.



É a fêmea das espécies mais mortal que o macho, feroz em seu amor como também com seu ódio.



Esse é o princípio feminino na forma demoníaca. O medo quase universal que os homens têm de cair sob o domínio ou fascinação de uma mulher e a atração que esta mesma servidão têm para eles, são evidências de que o efeito que uma mulher produz num homem é, em geral realmente de caráter demoníaco.



Essa imagem repousa tão somente, na natureza da própria "anima"do homem ou alma feminina, sua imagem interior do feminino. A "anima"' não é uma mulher, mas um espírito de natureza feminina, que reflete as características do lado demoníaco, tanto glorioso, como terrível. Na vida cotidiana o homem não entra diretamente em contato com o princípio masculino duro, predatório, mas encontra-o sob a máscara humana, mediado pela sua função superior.



Mas o feminino dentro dele não é mediado através de uma personalidade humana culta e desenvolvida.



O princípio feminino, a Deusa Lua, age sobre ele diretamente do inconsciente, aproximando-se como um traidor que vem de dentro. Não é de admirar tanto medo e desconfiança!





O LADO OBSCURO DE LILITH











Se Eva se acusou de ter atraído a morte, o pecado e a tristeza ao mundo, Lilith já era demoníaca desde que foi criada. Lilith surgiu do intento de compreender a difrença entre os mitos da criação de Gênesis, já que em sus primeira história em Gênesis 1, homem e mulher são criados iguais e conjuntamente, enquanto na segunda história, em Gênesis 3, a mulher é criada depois do homem e a partir de seu corpo. Segundo as lendas, Lilith era a primeira esposa, que era bem pior que a segunda. No entanto, a figura escolhida para desempenhar esse papel na lenda judia era originariamente suméria, a resplandecente "Rainha do Céu", cujo nome "Lil" significava "ar" ou "tormenta". As vezes se tratava de uma presença ambígua, amante dos "lugares selvagens e desabitados", associada também com o aspecto obscuro da Deusa Inanna e com sua irmã Ereshkigal, Rainha do Mundo Subterrâneo". Aparece pela primeira vez no poema sobre Inanna, quando o herói Gilgamesh tala a árvore de Inanna:



"Gilgamesh golpeou a serpente que não podia ser encantada.



O pássaro Anzu voou com suas crias às montanhas;



e Lilith aniquilou seu lar e retirou-se aos lugares selvagens e desabitados."



"Lil" também era a palavra sumero-acádia que designava a "tormenta de pó" ou "nuvem de pó", um termo que também se aplicava aos fantasmas, cuja forma era uma nuvem de pó e cujo o alimento era supostamente o pó da terra. Na língua semítica "liliatu" era então "a criada de um fantasma", porém prontamente se fundiu com a palavra "layil", "noite", e se converteu em uma palavra que se designava a um demônio noturno.



A "lílít" do texto hebraico se traduz na versão grega de Septuaginta e por Lamia na Vulgata latina de São Jerônimo. As "lamiae" são muito conhecidas nas tradições gregas e latinas, como monstros voadores noturnos, que sempre aparecem sob o aspecto de pássaros. A maioria dos autores, afirma que as lamias são monstros femininos que devoram homens e crianças. Portanto, as lamias e Lilith têm muitos pontos em comum e foram convertidas em "vampiras".





No mito hebreu, Lilith, portanto, acumulou sem descanso todas as associações à noite e à morte. é possível que a imagem hebréia de Lilith se baseasse nas imagens de Inanna-Isthar como Deusa das grandes alturas e de grandes profundidades, porém, compreensivelmente rebaixada ao ser percebida desde o ponto de vista de um povo deportado à BABILÔNIA.



Só há uma referência à Lilit, como coruja, no Antigo Testamento. É encontrada no meio de uma profecia de Isaías. No dia da vingança de Yahvé, quando a terra se envolverá num deserto,"e um sátiro chamará o outro; também ali repousará Lilith e nele encontrará descanso." Inanna e Isthar eram chamadas de "Divina Senhora Coruja" (Nin-nnina Kilili). Isso pode explicar de onde provêm Lilith e porque era representada como uma coruja.





Uma versão da Criação de Lilith na mitologia Hebréia conta que Yahvé fez Lilith, como a Adão, porém no lugar de usar terra limpa, "tomou a sujeira e sedimentos impuros da terra, e deles formou uma mulher. Como era de se esperar, essa criatura resultou ser um espírito maligno". Lilith se converteu a posteriori na primeira esposa de Adão, cuja presença original nunca terminou de eliminar-se totalmente de de seu segundo matrimônio. O que falhou no primeiro foi obviamente a independência de Lilih e sua igualdade com Adão, por isso depois criou-se Eva. Em conseqüência, a lenda tacha de insubordinação a atitude por parte de Lilith, pois, segundo a história, se negava a aceitar seu "lugar apropriado" que aparentemente era permanecer debaixo de Adão durante a relação sexual:



-"Porque teria que ficar debaixo de ti quando sou tua igual, já que ambos fomos criados de barro?", pergunta ela.



Adão não sabe contestar essa pergunta, de maneira que, pronunciando o nome mágico de Deus e Lilith se foi voando pelos ares até o Mar Vermelho. Ali dá à luz a mais de 100 demônios por dia



Adão fala de sua esposa a Yahvé, e esse enviou a sua procura os três anjos Senoi, Sansenoi e Samanglof, que a encontraram nas margens do Mar Vermelho, onde mais tarde as tropas egípcias seriam engolidas por ordem de Moisés.



Lilith se negou a voltar a ocupar seu lugar junto de Adão e ameaça dizendo que possui poder de matar crianças. Então os anjos tentaram afogá-la no Mar Vermelho, porém Lilith advogou em causa própria e salvou sua vida com a condição de jamais causar dano a uma criança recém-nascida de onde viera seu nome escrito.



Finalmente Yahvé deu a Lilith, Sammael (Satã), e ela foi a primeira das quatro esposas do diabo e a perseguidora dos recém-nascidos.



Mas, em conseqüência dessa fala, a ordem divina se converteu no centro de todas as fantasias de terror que provoca a sensação de indefesa. Lilith poderia aparecer em qualquer momento da noite, ela ou algum de seus demônios, para levar uma criança, aterrorizando os pais dos pequenos. Podia também possuir um homem durante o sono. Esse constataria que havia caído debaixo de seu poder se encontrasse restos de sêmen ao despertar. É difícil evitar concluir que Lilith se converteu em uma imagem de desejo sexual não reconhecido, reprimido e projetado sobre a mulher, que se converte em sedutora. Por todos os lugares foram encontrados amuletos contra o "poder" de Lilith.



Através da figura de Lilith, na cultura hebréia, a divisão e polarização próprias da Idade do Ferra da Grande Mãe em seus aspectos, a Deusa que dá a vida e a Deusa que atrai a morte, é levada um pouco mais longe. Ao terror do sofrimento inexplicável que pode manifestar-se sem aviso prévio e se insere uma dimensão nova da demonização da sexualidade.



O mito em Gênesis, estabelece que é a infração do mandamento de Yahvé, e não a sexualidade, a causa da expulsão do Paraíso à condição humana; e o conhecimento do bem e do mal, que alcançaram através da desobediência, tampouco se pode explicar em termos de conhecimento sexual. No entanto, tanto a desobediência como o conhecimento se associaram com a sexualidade porque a primeira coisa que Adão e Eva "viram" quando "seus olhos se abriram" foi que estavam nus. Antes disso, andavam nus e sem vergonha. A nudez, portanto, se converteu em sexualidade pecaminosa, especialmente quando a serpente fálica entra na especulação teológica. Em certas ocasiões a serpente era identificada como Lilith e se desenhava a serpente com um corpo de mulher, interpretando-se que a dita criatura era Lilith. Outras vezes a serpente tinha um rosto como o de Eva. Por esta razão, uma percepção da sexualidade como algo "não divino", invade as lendas de Lilith como aspecto escuro de Eva.



Mas, o papel de Lilith parece não terminar quando se une a Satã, aliás, muito pelo contrário. Segundo Zohar (Hhadasch, seção Yitro, p.29), depois participa da perdição de Adão, ao qual Yahvé (Jehová) concede como segunda esposa a Eva, nascida da sua própria costela, ou seja, à imagem do homem, o reflexo do homem, ou a imagem castrada de Adão. "Depois de que o Tentador (Sammael) houvera desobedecido ao Santíssimo, bendito seja, o Senhor o condenou a morrer". A Cabala faz eco desta tradição (Livro Emek-Ammelehh, XI), que Sammael será castigado: "Esse dia, Yahvé visitará com sua terrível espada a Leviatã, a serpente insinuante, que é Sammael, e a Leviatã, a serpente sinuosa, que é Lilith.



Esse texto nos diz que tão somente Lilith está incluída no castigo junto com Sammael e não as outras três esposas e que, Lilith também apresenta o aspecto de serpente. O que se conclui é que Lilith está reprimida no inconsciente e, quando surge, coloca a sociedade paternalista em xeque. Assim, quando Eva convida Adão para comer a maçã, é das mãos de Lilith que a receberá.







LILITH, MÃE DE ADÃO?







Pode parecer até exagerado achar que Lilith foi mãe de Adão, mas Adão tinha que ter uma mãe, senão não seria humano. E, se Adão não conheceu uma mãe material, deveria ter a imagem dela para si mesmo. Talvez seja por esse motivo que o nome de Lilith tenha desaparecido do texto oficial da Bíblia. Estaria em desacordo com as normas cristãs Adão ter uma mãe e essa mãe ter sido sua esposa. E a rejeição de Lilith pela companhia de Adão, não poderia ser interpretada como um desmame? De todas as formas, a equivalência de esposa e mãe existe. "A noção de proibição havia sido deslocada do jogo genital ao feito de chupar o peito (comer a maçã)... O verdadeiro sentido é: "podemos comer da maçã, porém está proibida para o filho que tenha contato sexual com sua mãe"...



Quem é Lilith então? Para Adão é um primeiro objeto de amor, do qual deve acordar-se e descobrir seu sexo." Ou seja, Lilith representa o primeiro estágio de desenvolvimento de Adão, chamado matriarcal e governado pelo arquétipo da "mãe", que será seguido pelo estágio patriarcal, no qual o arquétipo do pai será dominante. A expressão "estágio patriarcal" significa que Adão alcançou um nível de desenvolvimento do ego e da consciência no qual se dá uma importância crescente à vontade, à atividade, ao aprendizado e aos valores transmitidos pelo mundo. Entretanto, sem a separação, que levará Lilith para longe, Adão não poderia se desenvolver e se tornar adulto. Mas nessa transição da fase matriarcal para a patriarcal, o arquétipo anteriormente dominante da mãe é constelado de tal modo que seu lado "negativo" aparece. O arquétipo da fase a ser superada aparecerá como a "Mãe Terrível". Lilith começa então a provocar medo, porque representa o elemento que "reprime" e que dificulta o desenvolvimento necessário e devido. Por isso é transformada novamente na serpente é a antítese da energia ascendente do desenvolvimento do ego, tornando-se então, símbolo de estagnação, regressão e morte.



Lilith com rabo de serpente era a imagem da divindade andrógina, antes da criação, ou seja, antes do aparecimento do desejo, antes da separação do ser primitivo e absoluto, portanto, equivalente ao nada, de acordo com as teses de Hegel. Essa imagem representa a reminiscência da Lilith primitiva. Porém ela se converteu em pássaro noturno e alçando vôo desapareceu entre as trevas. Sua segunda forma, como corresponde a uma imagem desprovida de elementos terrestres, é uma forma para ficar na memória. O mito não é teológico, é essencialmente social. Em uma sociedade paternalista, Lilith é reprimida para dar lugar a Eva. Portanto, Eva representa a mulher moldada pelo homem.



Eva, entretanto, é uma mulher incompleta, lhe falta algo: o aspecto de Lilith que toma as vezes, quando se rebela, o aspecto que irá tomar Eva ao comer a maçã.



A Eva, como mulher, está totalmente alienada, não é nada mais do que a imagem castrada de Jehová e de Adão e não a imagem da parte feminina de Deus. Eva é uma mulher muda, a sombra de uma mulher, quase um fantasma. A mulher real é Lilith.





A REBELDIA DE LILITH



Cuidadosamente apagada da Bíblia cristã, Lilith permanece como símbolo de rebelião à repressão do feminino na psique e na sociedade. O mito Lilith mostra bem a passagem do matriarcado para o patriarcado.



Tanto na literatura ortodoxa como na apócrifa, a sombra de Lilith seguiu cercando as mulheres até o século XV d. C. Nessa época, e utilizando as mesmas imagens incorporadas em Lilith, milhares delas foram acusadas de copular com o demônio, matar crianças e seduzir homens, ou seja, de serem bruxas.



Textos da literatura judia de fontes apócrifas, não incluídos no canon ortodoxo do Antigo Testamento, contêm passagens como a seguinte:



"As mulheres são o mal, filhos meus: como não têm o poder nem a força para enfrentar o homem, usam truques e intentam enganá-lo com seus encantos; a mulher não pode dominar pela força o homem, porém o domina mediante a astúcia. Pois certamente a anjo de Deus me falou sobre elas e me ensinou que as mulheres se entregam mais ao espírito de fornicação que o homem, e que tramam conspirações em seus corações contra os homens; com sua forma de adornar-se primeiro lhes fazem perder a cabeça, e com uma olhada inoculam o veneno, e logo durante o próprio ato os fazem cativos; pois uma mulher não pode vencer o homem pela força. Assim que evitai a fornicação, filhos meus, e ordenem a vossas esposas e filhas que não adornem suas cabeças e seus rostos, pois a toda mulher que usa truques desse tipo estará reservado o castigo eterno".





Esse exemplo nos mostra como um mito, se for entendido e concebido de forma literal, pode criar um prejuízo e converter-se em uma doutrina que se declara a si mesma uma verdade divinamente revelada. É conveniente lembrar que Jesus não aprovou nem o mito nem suas implicações, nem os costumes patriarcais referentes as mulheres, muito pelo contrário. Foram transmitidas ao Novo Testamento através dos escritos de Pablo, e assim fizeram sua entrada na doutrina formal cristã.





LILITH E ADÃO/EVA









Enquanto Lilith é descrita como forma negativa, Eva, ao contrário, é apresentada em suas belezas e ornamentos. Adão não a recusa por vê-la como ossos dos seus ossos. Mas Eva carregará a culpa pela perda do paraíso.



E, esta é a informação que nos é passada pelo catolicismo, isto é, que a mulher possui uma imperfeição inerente, devida a sua natural inferioridade e sua incapacidade de distinguir o bem do mal. Tais afirmações foram codificadas no psiquismo feminino, fazendo com que todas as mulheres se tornassem estigmatizadas com esta identidade negativa. Foi deste modo, que o feminino se viu reduzido ao submisso e ao incapaz. A submissão foi então, imposta culturalmente a todas as mulheres, que distorceu intencionalmente os aspectos femininos, com o intuito de reprimir e estabelecer uma sociedade patriarcal.



Lilith, portanto, desobedece à supremacia de Adão, Eva, assumindo seu arquétipo Lilith, desobedeceria à proibição. Lilith, nada mais é, do que o lado sombrio de Eva, daí o porque das qualidades terríveis que são atribuídas a ela. Todo mal que lhe é atribuído está em sua desobediência, ao seu "não" a submissão.





Criada ao pôr do sol, Lilith é noturna, e por isso lhe foi atribuída a qualidade de vampiro. Lilith, ou as projeções do mito eram descritas em suas características eróticas, sensuais, mas quase sempre misturadas com características horrendas, partes animalescas, sobretudo nas extremidades.



A tradição de Lilith é a tradição da rejeição à Adão. O não de Adão, como já observamos, deveu-se não só ao caráter demoníaco de Lilith, mas também a exigência do desenvolvimento do ego de Adão.



A serpente-demônio, ou o próprio demoníaco que existe em Lilith, impele a mulher a "fazer algo" que a sociedade paternalista não permite.





Lilith é o arquétipo da mulher indomada, que luta apaixonadamente pelo poder pessoal. Suas características são destemor, força, entusiasmo e individualismo. Ela é atividade e exuberância emocional. Para as religiões patriarcais, é a personificação da luxúria feminina, uma inimiga das crianças que atua de noite, semeando o mal e a discórdia. Em Isaias, ela é chamada de "a coruja da noite". No Zohar, é descrita como "a prostituta, a maligna, a falsa, a negra".





Lilith aparece em nossas vidas para nos dizer que é hora de assumirmos o nosso poder. Você tem medo de assumi-lo? Você é daquelas pessoas que não sabem dizer "não"? Tem medo de perder sua feminilidade se tiver o poder em suas mãos? Você teme ser afastada(o) ou banida(o) pelos outros quando estiver em exercício de seu poder? Está com medo de fazer mau uso dele, dominando ou manipulando os outros? Lilith diz que, agora, para você, o caminho da totalidade está em reconhecer que não está ligada ao seu poder e, então, em segundo lugar, submeter-se e aceitar este poder.













Texto pesquisado e desenvolvido por:



Rosane Volpatto



Bibliografia consultada



O Oráculo da Deusa - Amy Sophia Marashinsky



Os Mistérios da Mulher - M. Esther Harding



As Deusas e a Mulher - Jean Shinoda Bolen



O livro de Lilith - Barbara Koltuv



Lilith, a Lua Negra - Roberto Sicuteri



La Mujer Celta - Jean Markale

Deus nos Livre da Filosofia do Hitlerismo : Autor Paulo Blank

Deus nos Livre da Filosofia do Hitlerismo : Autor Paulo Blank



À memória de meu avô, Guershon Goldenfan,



morto no gueto de Lodz.







Até hoje Hitlerismo e Filosofia parecem dois termos que não poderiam conviver numa mesma frase. Mas, em 1933,quando o mundo ocidental brincava de cabra cega cultivando a idéia de que Adolf Hitler era mais um louco que atravessaria rapidamente pelo palco da história, um jovem filósofo que passara o ano anterior como aluno de Martin Heidegger, ousou escrever um artigo onde denunciava o hitlerismo como uma filosofia de vida e Heidegger como um pensador em ressonância com aquela visão. O jovem, que tinha menos de trinta anos, chamava-se Emanuel Lévinas e a sua ousadia em chamar hitlerismo de filosofia chega até nós com a força de uma reflexão que nos chama a olhar o mundo em que vivemos a partir daquele grito de alerta. Já então Levinas percebia o hitlerismo como um projeto que negava aquilo que o mundo ocidental construiu como valores humanistas com os tijolos e as pedras retirados de Atenas e Jerusalém.



O que são estes valores senão os mesmos princípios que geraram a idéia de que seres humanos se juntam e se separam livremente a partir de decisões que são tomadas dentro de uma liberdade de pensar e expressar este pensamento marcando diferenças e fronteiras que devem ser respeitadas. Aquela frase que dizíamos na juventude para impressionar a namorada, por mais que eu discorde de tuas idéias lutarei ate a morte pelo direito de você dizê-las, frase boa para conquistar garotas encantadas com jovens libertários, era, no fundo, a essência de um humanismo iluminista que implicava na liberdade de escolha, mesmo que isto incorresse na expulsão do paraíso da não necessidade de escolher. Sobretudo, ela implicava na idéia de liberdade de estar juntos a partir de uma consciência do que estaríamos fazendo e praticando. Levinas percebeu bem cedo que o Hitlerismo era o avesso deste projeto.



Na medida em que o humano é definido como pertencendo a um grupo pelo seu sangue, este sangue se transforma nos elos de uma cadeia da qual ninguém mais consegue escapar. Não é mais a razão, mas os corpos irracionais e o sangue que corre em seu interior que determinariam quem pode pertencer a determinado grupo. Não haveria mais pensamento, escolha, avaliação, arbítrio, tudo já estaria definido de antemão. Todo o edifício mental que o judaismo ergueu e o cristianismo acompanhou, baseando no arrependimento e no perdão a visão de um tempo que se transforma e do qual é possível, portanto, escapar, ruía frente à idéia de um determinismo que amarra a todos numa cadeia de elos inseparáveis. Em qualquer lugar do mundo, o alemão definido pelo sangue pertenceria à raça eleita como quem trás dentro de si uma centelha divina que junta os dispersos num mesmo balaio de gatos iguais.



Num Abraão nômade e Arameu, o judaismo transmitiu ao ocidente a idéia de que é possível fugir do determinismo da historia pessoal e grupal e transformar o destino num texto sempre possível de ser reescrito. A consciência individual,mensagem facilmente percebida se lemos com olhar adulto na Torah a Parachá Lech Lerra,indica o caminho de um viver onde o homem rompe com a sua herança,abandona a casa paterna e sai em busca de si mesmo. Ao destruir os deuses de Terach, pai de Abraão, este deixa para o seu pai a tarefa de acreditar que foi o deus mais forte que quebrou os outros, menores, Abraão personifica um judaismo que não faz acordos com a idolatria tornando-se, neste sentido, uma religião que comporta o “risco do ateísmo”. Ateísmo que se manifesta na recusa de sempre considerar como falsos os candidatos a messias que se apresentaram em nossa historia. Ateísmo monoteísta que arranca o homem da natureza onde o pagão esta prisioneiro. Prisioneiro na totalidade de um mundo total e pleno onde cada um dos deuses é uma força com quem se negocia e junto a eles, todos os humanos estão encarcerados em lugares sabidos e acertados. Prisioneiro da forças telúricas o pagão esta algemado em sua concretude.Tanto Emanuel Levinas quanto o pensador católico Jacques Maritain perceberam esta prisão. " O telurimso racista e antissemita é anticristão" dizia Maritain em seu livro "Os Judeus Entre as Nações". Mistura de sangue e terra santificada o Hitlerismo, não passava de um paganismo moderno onde o lugar do estranhamento e da busca nao podia existir porque ser do mundo já estava predeterminado e o homem se encontrava amarado à terra e ao sangue do mesmo modo. santificar a terra,lugar das forças teluricas, será sempre um ato pagão e porta aberta para o aprisionamento.



Na mesma década em que Levinas escreve os eu artigo outro judeu, já no final da vida, escrevia A Psicologia das Massas e a Analise do Eu. Sigmund Freud, Shlomo para os íntimos, conclui em seu estudo que as pessoas colocam no lugar do eu uma identificação com o líder comum a todos. O que os faz, a todos eles, um corpo comum e unificado. Freud nos ensina que as massas manipuladas pela adoração ao líder perdem a consciência de si e se transformam numa fantasia de um corpo único. Um rebanho guiado pelo pastor, imagem tão cara as religiões. E, ao encerrar o seu estudo, Freud-Shlomo, como se fosse um grito de alerta a uma Europa que não soube fazer frente à filosofia do hitlerismo, insisite em dizer que o ser humano não é um HERDENTIER, um animal de rebanho, mas, sim, um HORDENTIER, um animal de Horda.



Horda, como tão bem exemplifica Elias Canetti em seu brilhante Massa e Poder ,obra que levou quarenta anos escrevendo,trabalho de ourives indispensável para quem quer entender a vida dos grupos e escrito com uma leveza que só um grande autor consegue, hordas, pelo que vemos em seus textos, existem muitas. Hordas são variadas e comportam dentro de si a variedade que é a tônica de sua organização dinâmica. Hordas se unem ao redor de um objetivo,uma escolha portanto,e,uma vez executada a tarefa cada indivíduo toma o seu caminho.Hordas são o ideal da vida humana.rebanhos,são a realização da vida desumana.Vida de destino traçado. Dos grupos rebanho não há saída, escapatória, conversão ou desconversão. E, no entanto,sejamos humildes e reconheçamos,somos todos um pouco de cada uma destas tendências das quais nos falaram Levinas, Freud e Canetti. Se assim for, a filosofia do hitlerismo, pensada a partir desta idéia de conflito entre forças diversas que nos habitam e determinam pode nos ajudar também a nos protegermos dos hitlerismos que nos acompanham em nossas vidas diárias? Creio que sim.



Se colocarmos todos estes pensamentos como forças humanas a que se dão diferentes nomes ideológicos em diferentes tempos e contextos, isto nos levaria a poder supor que hitlerismo e outros ismos são modos do humano que triunfam ou não de acordo com o projeto humanista que queremos construir. Mas,triunfo não quer dizer que eu apago aquilo que não se manifesta.Ao contrario,só quer dizer que eu controlo e busco superar o que não quero que se manifeste no projeto humano que desejo construir. Dentro desta visão de um campo de forças, qual é a força que representa o judeu no mundo ocidental? Deixarei a resposta a Jacques Maritain que citei antes, pensador católico que expressou esta idéia em uma conferencia em Paris em 1938 em um trecho que ele intitula de “L’essence spirituelle de l’antissmitisme” (a essência espiritual do anti-semitismo) vejam o que nos diz Maritain " Se o mundo odeia os judeus é porque sente bem que eles lhe serão sempre sobrenaturalmente estrangeiros” É o próprio autor que grifou o sobrenaturalmente. O que quer dizer Maritain com esta idéia? No meu entender, ele nos fala que na cultura ocidental cristã o judeu encarna de maneira radical o lugar do OUTRO. O mesmo estrangeiro que aparece nas preces hebraicas nos relembrando sempre que Arameu nômade foi Abraão nosso pai.



Ser outro, ser estrangeiro por excelência, direito e eleição, é ocupar um lugar a partir do qual se é sempre a voz que anuncia a diferença dentro do mundo que se quer UM. Um mundo de uma só raça superior e unificadora do sangue somente poderia querer destruir aquele que em sua presença anuncia a diferença e a impossibilidade de apagar a diversidade dentro do UM. Há algo de sobrenatural, de além do natural, de incomum, neste lugar que ocupa o judeu no imaginário ocidental e, voltando a Maritain “é esta vocação de Israel que o mundo execra.” Sobrenatural porque o natural parece ser apagar a diferença e buscar um mundo UMnificado? Vocação como quem diz escolha? Pode ser. Mas, voltando a minha proposta: num campo de forças "judeu", seria o nome da força que marcaria a multiplicidade e a impossibilidade de um SER que tudo abarca e unifica dentro dele. Seria a força porta voz da radicalidade da diferença. Lugar privilegiado.Combatido.Negado.E sempre presente em qualquer intento de construir um modo onde não haja nada fora do ser total e totalizador.



Bem, se falamos de forças e bom lembrar que no concreto do mundo real, nós, aqueles que se querem judeus, também somos formados por este mesmo campo de interações, um mundo sistêmico onde nunca se é uma só e única força. Somos todas.Um mundo humano. Demasiado humano. Então, se abandonarmos o conceito de raça deixando de lado a idéia de sangue, mas mantendo o conceito de uma unidade que se faz antes da decisão que alguém toma de pertencer a um grupo e que esta decisão não pode ser revogada, os hitlerismos se transformam em uma possibilidade concreta que nos afeta e acompanha sem que a gente se de conta do que esta fazendo.



Olhemos com coragem e com a devida responsabilidade pelo que estou dizendo, responsabilidade que não esquece as diferenças entre o Hitlerismo real e a filosofia que o alimentouOlhemos para poucos anos atrás quando o Rav Ovadia, rabino chefe da comunidade sefaradi em Israel, declarou que os seis milhões de mortos eram almas pecaminosas, o que estava nos dizendo? Quando os Lubavitch consideram os judeus como portadores de uma centelha originária do criador ou, quem sabe. do Adão cósmico do qual foram criadas todas as almas, excluindo desta herança todos os outros seres o que este raciocínio nos ensina? Quando um rabino liberal pede a uma jovem que se dis judia que ela precisa converter-se porque não nasceu de ventre judáico, em que límite o seu liberalismo esta tocando?Ovadia não estaria dizendo que há uma essência que chama de alma que qualifica e condena a morte seis milhões de inocentes independente do que sejam como humanos reais, ou, pelo avesso, os Lubavitch não estariam glorificando e tornado especiais os outros que têm a centelha do primeiro Adão. Um adão judeu,é claro ao qual é possivel converter-se segundo propunha o rabino liberal.



Nestes casos, o judeu portador radical da diferença se apaga em nós como uma vela frágil e o que sobressai para nosso desgosto, é a força que nos reduz ao um que nos habita como humanos e quer apagar tudo que não é igual a si mesmo através da pertenência , Sela dentro da regra do ritual ou da crença mística em almas e centelhas.



Reflexões que aqui terminam por que o texto já vai longe e Yom Há Shoá se aproxima. Dia de lembrar todos os nossos mortos que foram destruídos porque como judeus arcavam com esta responsabilidade grave de encarnar a diferença em um mundo que se desejava sem asperezas e diversidades. Cuidado que devemos ter de, como judeus que somos não assumirmos nunca, por mais que seja uma posição que produz um falso sentimento de força e poder,este lugar macabro e sedutor daquele que não reconhece o outro e suas necessidades. Que não sejamos nós, aqueles que se dizem judeus, uma vez aprisionados pelas forças da terra e do paganismo, os criadores de homens que não podem ser o que são e ter o que lhes é de direito enquanto humanos e diferentes de nós.

Sherwin Wine Lider do Judaismo Humanista Americano

Sherwin Wine : Fonte Chazit Hanoar Porto Alegre - http://www.chazit.com/cybersio/chazal/sherwin_wine.html




Sherwin Wine era um americano, filho de imigrantes poloneses, que foi educado ao longo de sua vida com base nos preceitos judaicos conservadores. Freqüentou uma sinagoga, observava o shabat, mantinha sua casa Kasher.



Wine é Mestre em artes e filosofia, pela Universidade de Michigan. Ao longo de sua vida universitária, mostrou-se voltado para a corrente empirística e mais tarde para o positivismo lógico. Por causa de alguns professores se sentiu atraído pelo humanismo.



Apesar de não se encontrar mais em um ambiente religioso, Sherwin optou por seguir a carreira religiosa, se matriculando no programa rabínico da rabínico Hebrew Union College, uma instituição reformista. Após ser ordenado, em 1957, se voluntariou para ser Rabino nas Forças Armadas dos EUA, uma nova congregação, conhecida como El Beth. No ano de 1963, após ser contatado por pessoas do templo Beth El, em Detroid, Wine começa a desenvolver, com apenas oito famílias, um trabalho em que elas pudessem encontrar uma linguagem que refletisse sua verdadeira



Em 1959 foi para o Canadá ajudar na formação de crença. Depois de algum tempo Sherwin Wine resolveu retirar a palavra “D’us” de suas cerimônias, passando a utilizar de uma liturgia nova, repleta de cultura judaica, história e valores éticos. Assim começava a surgir o Judaísmo Humanista.



Wine se declarou um não-ateu, pois, segundo ele o ateísmo é algo impossível, uma vez que não há como provar ou negar a existência de D’us.



Em 1971 a congregação se mudou para um prédio recém construído, e os rolos da Tora colocados em uma biblioteca, ao invés do habitual Aron Hakodesh. A sinagoga recebeu uma grande escultura, representando a palavra Adam.



Em 1982, Wine criou o Comitê Norteamericano para o Humanismo, uma confederação das seis principais instituições Humanistas dos EUA, onde era oferecido um curso de Doutourado para a formação de Lideres Humanistas.



No ano de 1985 foi criou o Intrenational Institute for Secular Humanistic Judaism, uma instituição educacional onde são graduados Rabinos e Madrichim ( menos treinados do que rabinos, porém certificados para realizar casamentos e outras cerimônias). Até hoje já foram formados Sete rabinos e mais de 50 madrichim nos EUA.



Wine trabalhou como Rabino na sinagoga até 2003, quando começou a se dedicar exclusivamente ao International Institute for Secular Humanistic Judaism, arrecadando fundos e dando palestras em prol da divulgação da nova maneira de pensar que criara.



Morreu em 2007, em um acidente de carro.



O Judaísmo Humanista



A linha criada por Wine é basicamente voltada para a cultura judaica, não seguindo uma maneira de pensar teística. Ele reconheceu que, dessa maneira, atrairia judeus não-religiosos que não estavam associados a nenhuma instituição judaica.



Assim, sua congregação teria acesso a uma vida em comunidade, com todos os benefícios que ela pode acarretar, sem deixar de lado a coerência com seu discurso não-teísta.



O judaísmo é uma cultura étnica criada pelo povo Judeu, aberta para que cada individuo crie seu próprio significado, sem imposições de uma autoridade sobrenatural.



Neste poema escrito pelo próprio Sherwin Wine, pode-se entender um pouco melhor a perspectiva não-teísta do Judaísmo Humanista:



Onde está a minha luz? A minha luz está em mim.



Onde está a minha esperança? Minha esperança está em mim.



Onde está a minha força? Minha força está em mim - e em você.



No Judaísmo Humanista, acredita-se que o Tanach possui um significado moral e ético, que tem como base a responsabilidade humana. Os seres humanos têm a responsabilidade para resolver problemas humanos, ou seja, não depende de forças divinas, e a própria história judaica deixa isso explícito.



As festividades judaicas foram mantidas, a interpretação de seus significados, porém, foi alterada de modo que ficasse coerente com as idéias do movimento Humanista. Rosh Hashaná e Yom Kippur, por exemplo, são considerados momentos de renovação e reflexão, onde devemos nos centrar na dignidade humana, nos auto-perdoarmos por nossos erros. Todas as referencias a D’us foram excluídas das cerimônias.



A Torá e outros textos religiosos judaicos são considerados importantes documentos históricos, que devem ter sua origem e grau de embasamento avaliados cientificamente. Os escritos mais recentes possuem uma validade filosófica maior, pois estão mais propensos a serem infundidos com os valores da Haskalah.



Para o Judaísmo Humanista, Israel é o Centro da civilização judaica, e a revolução sionista proclamou a soberania espiritual do homem judeu no centro de sua civilização.



O Judaísmo Humanista não é contra os casamentos mistos, e acredita que Judeu é todo aquele que se identifica como tal, estando vinculado de maneira ativa a sua história, cultura e tradições. A religião judaica é uma manifestação dessa cultura e dessas tradições, e a identidade judaica se preserva através de uma educação onde exista a vivencia dessas praticas, tradições, rituais e tantos outros tipos de manifestações da cultura judaica, em um ambiente pluralista. A liberdade do povo judeu deve ir em conjunto com a liberdade e a dignidade de todo o ser humano.

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MOVIMENTOS JUVENIS E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL - Yoel Schvartz

MOVIMENTOS JUVENIS E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL


A origem Historica

Para compreender a realidade dos movimentos juvenis ,

devemos focar-nos na realidade histórica do seu surgimento. É possível

que, enxergando esses processos, possamos acrescentar elementos

para compreender a atualidade e o futuro desses movimentos, e da

metodologia da educação não formal praticada por eles.

Os movimentos juvenis judaicos modernos e a educação não formal

são partes do processo histórico de revisão e crítica dos

postulados do Iluminismo moderno e ao mesmo tempo são parte

indissolúvel do projeto iluminista. São partes desse projeto por que

acreditam na capacidade da educação de mudar o mundo e de mudar o

destino natural, pré-fixado das pessoas e porque entre os seus

paradigmas, persistem uma profunda confiança na igualdade básica dos

homens, uma visão positiva do futuro associado à idéia de progresso, e

uma desconfiança apriori das autoridades tradicionais.

Mas trata-se de um projeto iluminista permeado pela crítica de

J.J.Rousseau (século XVIII), que vê no processo educativo e de

socialização formal da criança, uma ferramenta para o controle e a

limitação da liberdade, e para a criação de falsas necessidades que são

integradas a personalidade, criando uma auto-imagem distorcida, e

alienando ao homem (como teorizaram Hegel e Marx) da sua verdadeira

realidade e do seu papel no processo histórico.

Essa crítica aos postulados iluministas da educação, cujos ecos

chegam até Erich Fromm e Paulo Freyre, está na base da cristalização

dos movimentos juvenis (principalmente na Rússia e na Alemanha) nos

finais do Século XIX e início do século XX. Aqueles movimentos

postulavam uma visão alternativa a socialização do jovem, caracterizada

por um ideal romântico de vida em grupo e a rejeição do individualismo

burguês. Em alguns casos, como no movimento juvenil alemão

Wandervogel, esse ideal catalisava-se num retorno a natureza e ao

esforço físico, com vistas a criação de um Homem Novo que unificasse

na sua personalidade, corpo e espírito, numa entrega total ao ideal

desenvolvido pelo grupo.

Na sociedade judaica, os movimentos juvenis desenvolveram uma

crítica que se alimentava não só da rejeição ao sistema formal de

formação da criança e do adolescente, e sim, principalmente, da

identificação entre este sistema e o projeto diaspórico.

A falsa consciência contra a qual se revoltavam os movimentos

juvenis judaicos, era a confiança dos seus maiores em que seria possível

persistir e se integrar nas sociedades gentis, para serem alemães,

franceses ou polacos de fé mosaica.

Os movimentos juvenis judaicos enfatizavam o caráter nacional do

judaísmo, contra as ênfases religiosas ou culturais da geração dos seus

pais. Eram, portanto, movimentos fortemente políticos, que quando

enxergavam a visão de um homem novo, não estavam referindo-se

somente ao um processo de transformação grupal da personalidade, e

sim principalmente a uma transformação radical que passava pela

mudança das estruturas básicas da sociedade judaica, do individualismo

burguês diaspórico ao coletivismo sionista em Eretz Israel. É importante

destacar que esta ideologia coletivista não é característica só de grupos

de esquerda, porém está presente também nos ideólogos liberais ou de

direita como Zeev Jabotinsky, e era compartilhada pelo movimento

ligado ao Sionismo Religioso.

Essa ênfase nacional e coletiva não podia omitir uma profunda

análise crítica da tradição judaica, entendida aqui como uma tradição

nacional. Os movimentos juvenis interpretaram essa tradição num

sentido humanista e heterodoxo, acentuando os conteúdos morais das

fontes judaicas, mas exigindo um imperativo de coerência prática,

traduzindo na vida cotidiana do movimento conceitos tradicionais como

Tzedaká, ou recriando os conteúdos religioso-nacionais de festividades

como Pessach, Chanuka ou Lag Ba Omer, resgatando do passado e

modernizando as mensagens de figuras como os Macabeus ou Rabi

Akiva.

Os movimentos juvenis representaram historicamente uma

minoria nas comunidades judaicas, mas uma minoria prestigiada pela

sua participação na construção do Estado de Israel (tanto na colonização

e construção de novas populações, como na defesa, em especial a partir

da Terceira Aliah, 1919-1923); pelo seu papel na resistência ativa da

Shoá; e por ser um fator de efervescência permanente nas comunidades

judaicas com sua visão crítica da realidade comunitária e sua exigência

de coerência.

O imperativo da Aliah a Israel, característico de boa parte dos

movimentos, era o resultado de uma visão crítica da sociedade e da

realidade comunitária, e a expressão de um sonho de construção de

uma sociedade diferente, baseada em princípios sociais e humanistas

mais justos, em Eretz Israel.

Não é, então, casual, que muitas das grandes personalidades

políticas e do pensamento social na América Latina, na Europa e em

Israel, reivindicam até hoje a origem da sua militância na educação

recebida no movimento juvenil.

Na América Latina, os movimentos juvenis judaico-sionistas

estiveram entre os escassos espaços de educação política e de liberdade

de expressão, durante a sangrenta época das ditaduras militares e da

repressão organizada.

2. O Enfoque Metodológico

Quais são, então, as características que permitiram ao movimento

juvenil judaico-sionista atuar como um profundo fator de efervescência

e mudança na sociedade judaica?

O pesquisador Reuven Kahane reconhece algumas dimensões da

educação não-formal que representariam a base da experiência

educativa dos movimentos:

1. Incorporação livre e voluntária: ninguém é obrigado a participar

das atividades de um movimento. Os valores e a disciplina interna

podem até ser mais rígidos do que na educação formal (já foram, na

época em que o movimento clássico participava ativamente da

colonização e defesa do Estado de Israel), mas estão baseados no

consenso interno e na voluntariedade de pertinência.

2. Moratória: sociólogos definem a moratória como um processo de

adiamento das responsabilidades adultas, o que permite ao

adolescente assumir compromissos que, segundo a sociedade geral,

estão além das suas capacidades. A moratória é o espaço para errar e

recomeçar, sendo que no movimento as atividades são controladas

por pessoas da mesma idade e na mesma situação.

3. Estrutura dupla: os movimentos juvenis são expressão da situação

particular de transição do adolescente entre o espaço familiar e a

sociedade adulta. Por tanto, o movimento se caracteriza pela

convivência de dois (ou mais) tipos de normas. O movimento é

vivenciado pelos chaverim também como um espaço relacional

(grupo de amigos) e também como um espaço de expressão e

discussão de valores e aceitação de compromissos ideológicos,

normas de conduta e códigos de responsabilidade. A convivência

dessas duas percepções permite um alto grau de flexibilidade na

relação do jovem com o movimento, e contribui no seu dinamismo

interno.

4. Atividades multidimensionais: a criança e o adolescente podem, no

movimento juvenil, testar as suas capacidades em diversas

dimensões: intelectual, esportiva, artística, social, criativa,

compromisso com valores, amizade, valentia, etc., sem que exista

uma real hierarquia de dimensões, diferente da educação formal

onde todas as dimensões estão presentes, mas a dimensão

intelectual-individual prevalece.

5. Simetria: como toda organização, existe nos movimentos juvenis

uma hierarquia entre os membros, mas essa hierarquia é relativa e

freqüentemente contestada. Tanto do ponto de vista legal como de

aceitação das regras internas, todos os membros são chaverim com

os mesmos compromissos e direitos. O próprio caráter voluntário do

movimento cria uma simetria entre os membros e uma real

possibilidade de cada um deles de influir e mudar os processos

internos do grupo.

6. Expressividade ativa e atratividade: diferentemente de um espaço

de recreação, onde os participantes consomem atividades preparadas

para eles, no movimento juvenil cada chaver participa de uma ou

outra forma na criação do conteúdo do que se faz. Essa

expressividade de cada um contribui na atratividade do movimento,

já que este é percebido como um espaço de expressão em contato

aberto com outros pares.

7. Desenvolvimento do compromisso com valores: a simetria e a

expressividade do movimento juvenil são a base da sua capacidade

para desenvolver uma consciência ética e um compromisso com

valores. A idéia de uma moralidade universal é mais facilmente

incorporável numa realidade simétrica, onde as normas são validas

para todos os participantes, onde os conceitos de reciprocidade e

justiça tem uma aplicação concreta e quotidiana. A exigência de

cooperação no movimento desenvolve na criança uma visão mais

universal e menos egocêntrica, um melhor conhecimento dos limites

e as diferenças de personalidade e uma consciência mais clara da

própria autonomia e da autonomia dos outros, todos estes

elementos indispensáveis para a formação de uma ética pessoal.

Essas dimensões caracterizam também um alto grau da autonomia

do movimento juvenil. Essa autonomia é, na opinião de Kahane, o

principal motivo de tensão nos movimentos, já que tanto ao nível da

sociedade adulta, como dos próprios bogrim (egressos) do movimento

existe uma tendência constante de limitar essa autonomia, tanto para

manter um modelo de movimento nos seus moldes conhecidos como

para usar a energia e vitalidade do movimento com objetivos

organizacionais que tem mais a ver com a realidade e os objetivos do

mundo adulto. Se é possível falar em crise do modelo do movimento

juvenil, essa crise é provocada principalmente pelas tentativas de limitar

a autonomia dos movimentos e a fixação de parâmetros de ação por

fatores externos ao próprio movimento.

3. Os dilemas do Movimento Juvenil Judaico no século XXI

Com freqüência ouvimos falar da crise do modelo dos movimentos

juvenis. De uma re-leitura rápida dos fatores Sócio-Histórico e das

dimensões Metodológicas antes expostas, uma conclusão possível sobre

essa crise é que ela se produz quando os próprios ativistas do

movimento deixam de ser cientes da sua própria força histórica e do

papel educativo que o movimento tem como transformador da realidade

dos seus membros.

Fatores como simetria, autonomia, compromisso com valores,

compromisso ideológico e coerência, caracterizaram essa educação

tnuatí.

Será que esses fatores mantêm a sua vigência quase um século

depois da cristalização dos primeiros movimentos juvenis?

Será que eles têm a vitalidade e a energia criativa para apresentar

uma alternativa ao mundo globalizado?

A um mundo que minimiza o papel dos compromissos ideológicos

e onde os conceitos de identidade, cultura e nação são

permanentemente fragmentados?

A um mundo onde o individualismo deixou de ser objeto de

escárnio e conflito entre as gerações, e passou a ser o ideal social

compartilhado por pais e filhos, que convivem num universo mediático

cruzado por auto-estradas da informação que apagam todas as

fronteiras. A um mundo aonde não existe um real conflito entre

gerações, e aonde o problema não é a participação do jovem na criação

do conteúdo, porem a indiferença generalizada ao conteúdo.

O movimento juvenil judaico sionista é filho da Modernidade e dos

seus paradigmas. Talvez o principal desses paradigmas seja a

importância de um espírito crítico. Talvez, hoje em dia, seja essa a

função principal do movimento juvenil, continuar a desenvolver espíritos

críticos num mundo que forma e educa para o consumo e o

conformismo.

O lugar dos movimentos juvenis na epopéia judaica do século XX

está assegurado. Ainda está por definir o seu lugar na epopéia judaica

do século XXI.

Yoel Schvartz

O autor é formado em História Judaica, Sociologia e Antropologia pela Universidade Hebraica de

Jerusalém. Atualmente, é