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Monday 6 December 2010

MOVIMENTOS JUVENIS E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL - Yoel Schvartz

MOVIMENTOS JUVENIS E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL


A origem Historica

Para compreender a realidade dos movimentos juvenis ,

devemos focar-nos na realidade histórica do seu surgimento. É possível

que, enxergando esses processos, possamos acrescentar elementos

para compreender a atualidade e o futuro desses movimentos, e da

metodologia da educação não formal praticada por eles.

Os movimentos juvenis judaicos modernos e a educação não formal

são partes do processo histórico de revisão e crítica dos

postulados do Iluminismo moderno e ao mesmo tempo são parte

indissolúvel do projeto iluminista. São partes desse projeto por que

acreditam na capacidade da educação de mudar o mundo e de mudar o

destino natural, pré-fixado das pessoas e porque entre os seus

paradigmas, persistem uma profunda confiança na igualdade básica dos

homens, uma visão positiva do futuro associado à idéia de progresso, e

uma desconfiança apriori das autoridades tradicionais.

Mas trata-se de um projeto iluminista permeado pela crítica de

J.J.Rousseau (século XVIII), que vê no processo educativo e de

socialização formal da criança, uma ferramenta para o controle e a

limitação da liberdade, e para a criação de falsas necessidades que são

integradas a personalidade, criando uma auto-imagem distorcida, e

alienando ao homem (como teorizaram Hegel e Marx) da sua verdadeira

realidade e do seu papel no processo histórico.

Essa crítica aos postulados iluministas da educação, cujos ecos

chegam até Erich Fromm e Paulo Freyre, está na base da cristalização

dos movimentos juvenis (principalmente na Rússia e na Alemanha) nos

finais do Século XIX e início do século XX. Aqueles movimentos

postulavam uma visão alternativa a socialização do jovem, caracterizada

por um ideal romântico de vida em grupo e a rejeição do individualismo

burguês. Em alguns casos, como no movimento juvenil alemão

Wandervogel, esse ideal catalisava-se num retorno a natureza e ao

esforço físico, com vistas a criação de um Homem Novo que unificasse

na sua personalidade, corpo e espírito, numa entrega total ao ideal

desenvolvido pelo grupo.

Na sociedade judaica, os movimentos juvenis desenvolveram uma

crítica que se alimentava não só da rejeição ao sistema formal de

formação da criança e do adolescente, e sim, principalmente, da

identificação entre este sistema e o projeto diaspórico.

A falsa consciência contra a qual se revoltavam os movimentos

juvenis judaicos, era a confiança dos seus maiores em que seria possível

persistir e se integrar nas sociedades gentis, para serem alemães,

franceses ou polacos de fé mosaica.

Os movimentos juvenis judaicos enfatizavam o caráter nacional do

judaísmo, contra as ênfases religiosas ou culturais da geração dos seus

pais. Eram, portanto, movimentos fortemente políticos, que quando

enxergavam a visão de um homem novo, não estavam referindo-se

somente ao um processo de transformação grupal da personalidade, e

sim principalmente a uma transformação radical que passava pela

mudança das estruturas básicas da sociedade judaica, do individualismo

burguês diaspórico ao coletivismo sionista em Eretz Israel. É importante

destacar que esta ideologia coletivista não é característica só de grupos

de esquerda, porém está presente também nos ideólogos liberais ou de

direita como Zeev Jabotinsky, e era compartilhada pelo movimento

ligado ao Sionismo Religioso.

Essa ênfase nacional e coletiva não podia omitir uma profunda

análise crítica da tradição judaica, entendida aqui como uma tradição

nacional. Os movimentos juvenis interpretaram essa tradição num

sentido humanista e heterodoxo, acentuando os conteúdos morais das

fontes judaicas, mas exigindo um imperativo de coerência prática,

traduzindo na vida cotidiana do movimento conceitos tradicionais como

Tzedaká, ou recriando os conteúdos religioso-nacionais de festividades

como Pessach, Chanuka ou Lag Ba Omer, resgatando do passado e

modernizando as mensagens de figuras como os Macabeus ou Rabi

Akiva.

Os movimentos juvenis representaram historicamente uma

minoria nas comunidades judaicas, mas uma minoria prestigiada pela

sua participação na construção do Estado de Israel (tanto na colonização

e construção de novas populações, como na defesa, em especial a partir

da Terceira Aliah, 1919-1923); pelo seu papel na resistência ativa da

Shoá; e por ser um fator de efervescência permanente nas comunidades

judaicas com sua visão crítica da realidade comunitária e sua exigência

de coerência.

O imperativo da Aliah a Israel, característico de boa parte dos

movimentos, era o resultado de uma visão crítica da sociedade e da

realidade comunitária, e a expressão de um sonho de construção de

uma sociedade diferente, baseada em princípios sociais e humanistas

mais justos, em Eretz Israel.

Não é, então, casual, que muitas das grandes personalidades

políticas e do pensamento social na América Latina, na Europa e em

Israel, reivindicam até hoje a origem da sua militância na educação

recebida no movimento juvenil.

Na América Latina, os movimentos juvenis judaico-sionistas

estiveram entre os escassos espaços de educação política e de liberdade

de expressão, durante a sangrenta época das ditaduras militares e da

repressão organizada.

2. O Enfoque Metodológico

Quais são, então, as características que permitiram ao movimento

juvenil judaico-sionista atuar como um profundo fator de efervescência

e mudança na sociedade judaica?

O pesquisador Reuven Kahane reconhece algumas dimensões da

educação não-formal que representariam a base da experiência

educativa dos movimentos:

1. Incorporação livre e voluntária: ninguém é obrigado a participar

das atividades de um movimento. Os valores e a disciplina interna

podem até ser mais rígidos do que na educação formal (já foram, na

época em que o movimento clássico participava ativamente da

colonização e defesa do Estado de Israel), mas estão baseados no

consenso interno e na voluntariedade de pertinência.

2. Moratória: sociólogos definem a moratória como um processo de

adiamento das responsabilidades adultas, o que permite ao

adolescente assumir compromissos que, segundo a sociedade geral,

estão além das suas capacidades. A moratória é o espaço para errar e

recomeçar, sendo que no movimento as atividades são controladas

por pessoas da mesma idade e na mesma situação.

3. Estrutura dupla: os movimentos juvenis são expressão da situação

particular de transição do adolescente entre o espaço familiar e a

sociedade adulta. Por tanto, o movimento se caracteriza pela

convivência de dois (ou mais) tipos de normas. O movimento é

vivenciado pelos chaverim também como um espaço relacional

(grupo de amigos) e também como um espaço de expressão e

discussão de valores e aceitação de compromissos ideológicos,

normas de conduta e códigos de responsabilidade. A convivência

dessas duas percepções permite um alto grau de flexibilidade na

relação do jovem com o movimento, e contribui no seu dinamismo

interno.

4. Atividades multidimensionais: a criança e o adolescente podem, no

movimento juvenil, testar as suas capacidades em diversas

dimensões: intelectual, esportiva, artística, social, criativa,

compromisso com valores, amizade, valentia, etc., sem que exista

uma real hierarquia de dimensões, diferente da educação formal

onde todas as dimensões estão presentes, mas a dimensão

intelectual-individual prevalece.

5. Simetria: como toda organização, existe nos movimentos juvenis

uma hierarquia entre os membros, mas essa hierarquia é relativa e

freqüentemente contestada. Tanto do ponto de vista legal como de

aceitação das regras internas, todos os membros são chaverim com

os mesmos compromissos e direitos. O próprio caráter voluntário do

movimento cria uma simetria entre os membros e uma real

possibilidade de cada um deles de influir e mudar os processos

internos do grupo.

6. Expressividade ativa e atratividade: diferentemente de um espaço

de recreação, onde os participantes consomem atividades preparadas

para eles, no movimento juvenil cada chaver participa de uma ou

outra forma na criação do conteúdo do que se faz. Essa

expressividade de cada um contribui na atratividade do movimento,

já que este é percebido como um espaço de expressão em contato

aberto com outros pares.

7. Desenvolvimento do compromisso com valores: a simetria e a

expressividade do movimento juvenil são a base da sua capacidade

para desenvolver uma consciência ética e um compromisso com

valores. A idéia de uma moralidade universal é mais facilmente

incorporável numa realidade simétrica, onde as normas são validas

para todos os participantes, onde os conceitos de reciprocidade e

justiça tem uma aplicação concreta e quotidiana. A exigência de

cooperação no movimento desenvolve na criança uma visão mais

universal e menos egocêntrica, um melhor conhecimento dos limites

e as diferenças de personalidade e uma consciência mais clara da

própria autonomia e da autonomia dos outros, todos estes

elementos indispensáveis para a formação de uma ética pessoal.

Essas dimensões caracterizam também um alto grau da autonomia

do movimento juvenil. Essa autonomia é, na opinião de Kahane, o

principal motivo de tensão nos movimentos, já que tanto ao nível da

sociedade adulta, como dos próprios bogrim (egressos) do movimento

existe uma tendência constante de limitar essa autonomia, tanto para

manter um modelo de movimento nos seus moldes conhecidos como

para usar a energia e vitalidade do movimento com objetivos

organizacionais que tem mais a ver com a realidade e os objetivos do

mundo adulto. Se é possível falar em crise do modelo do movimento

juvenil, essa crise é provocada principalmente pelas tentativas de limitar

a autonomia dos movimentos e a fixação de parâmetros de ação por

fatores externos ao próprio movimento.

3. Os dilemas do Movimento Juvenil Judaico no século XXI

Com freqüência ouvimos falar da crise do modelo dos movimentos

juvenis. De uma re-leitura rápida dos fatores Sócio-Histórico e das

dimensões Metodológicas antes expostas, uma conclusão possível sobre

essa crise é que ela se produz quando os próprios ativistas do

movimento deixam de ser cientes da sua própria força histórica e do

papel educativo que o movimento tem como transformador da realidade

dos seus membros.

Fatores como simetria, autonomia, compromisso com valores,

compromisso ideológico e coerência, caracterizaram essa educação

tnuatí.

Será que esses fatores mantêm a sua vigência quase um século

depois da cristalização dos primeiros movimentos juvenis?

Será que eles têm a vitalidade e a energia criativa para apresentar

uma alternativa ao mundo globalizado?

A um mundo que minimiza o papel dos compromissos ideológicos

e onde os conceitos de identidade, cultura e nação são

permanentemente fragmentados?

A um mundo onde o individualismo deixou de ser objeto de

escárnio e conflito entre as gerações, e passou a ser o ideal social

compartilhado por pais e filhos, que convivem num universo mediático

cruzado por auto-estradas da informação que apagam todas as

fronteiras. A um mundo aonde não existe um real conflito entre

gerações, e aonde o problema não é a participação do jovem na criação

do conteúdo, porem a indiferença generalizada ao conteúdo.

O movimento juvenil judaico sionista é filho da Modernidade e dos

seus paradigmas. Talvez o principal desses paradigmas seja a

importância de um espírito crítico. Talvez, hoje em dia, seja essa a

função principal do movimento juvenil, continuar a desenvolver espíritos

críticos num mundo que forma e educa para o consumo e o

conformismo.

O lugar dos movimentos juvenis na epopéia judaica do século XX

está assegurado. Ainda está por definir o seu lugar na epopéia judaica

do século XXI.

Yoel Schvartz

O autor é formado em História Judaica, Sociologia e Antropologia pela Universidade Hebraica de

Jerusalém. Atualmente, é

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