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Monday 16 February 2009

O CAMINHO DA ECOLOGIA

O CAMINHO DA ECOLOGIA
PARTE DO TEXTO DA TEORIA DE LUIS RAZETOECONOMIA SOLIDARIA



Preocupação e consciência ecológica.

Nos últimos anos se tem desenvolvido notavelmente a consciência ecológica. A imprensa e os meios de comunicação têm-se encarregado de divulgar massivamente, informações e análises sobre uma série de desequilíbrios e o deterioro do meio ambiente, que nos ameaçam com crescente intensidade.

O problema ecológico afeta o planeta terra em sua totalidade e está se agravando em todos o planos. Com efeito, deteriora-se a atmosfera com a contaminação do ar por partículas e gases tóxicos que manam da combustão e do uso de energias impuras. São atingidas as águas dos rios, lagoas e mares que recebem todo tipo de resíduos tóxicos, e inclusive as águas pluviais que devolvem à terra impurezas do ar, no fenômeno conhecido como “chuva acida”. Contamina-se a terra, onde são jogados pesticidas e outros produtos químicos de alta periculosidade, que já é afetada pelo desmatamento e a desertificação de extensas zonas geográficas. Existe um problema muito sério no nível da estratosfera, colocado pelo enfraquecimento da camada de ozônio que deixa passar os raios ultravioletas em níveis muito superiores aos normais. Verificam-se mudanças e desequilíbrios nos climas, com efeitos imprevisíveis e cujas magnitudes potenciais ainda desconhecemos. A biosfera sofre graves desequilíbrios, pela extinção de espécies animais e vegetais que implicam em insuspeitadas perdas de material genético e no deterioro dos delicados equilíbrios biológicos. Emissões descontroladas de partículas radioativas e de energia nuclear afetam o planeta em seu conjunto, constituindo um novo fator de preocupação e alarme.

Ate algumas décadas atrás, o tema era colocado somente por alguns pensadores que, como profetas no deserto, clamavam alarmados pelos desequilíbrios que poderiam desencadear quando, uma vez ultrapassado certo ponto crítico, pouco poderia ser feito para deter sua marcha destruidora. Rapidamente, seus chamamentos foram acolhidos pelos autores de ficção científica, que propuseram numerosos futuríveis -futuros possíveis-, onde a espécie humana podia se ver numa armadilha caso a moderna civilização industrial não mudar de rumo.

A sucessão de fatos e processos de deterioro ambiental, conduziram logo para uma tomada de consciência coletiva de que a denúncia não era simples alarmismo sem base. Grupos de universitários e de profissionais, começaram a assumir o assunto ecológico em suas dimensões globais, e organizaram agrupações, movimentos e, inclusive, partidos políticos em torno de uma ideologia ecologista. Destarte, a questão da ecologia adquiriu plena visibilidade e, para alguns, até uma visibilidade excessiva. Com efeito, as ideologias se caracterizam por deixar de manifesto um determinado problema real, colocá-lo no centro de uma concepção de mundo, e “colorir” com seus tons as análises e propostas em quaisquer sejam os campos e níveis dos assuntos a serem enfocados.

A difusão social e o levantamento político do tema ecológico, impactou profundamente os ambientes científicos. Conseqüentes com suas metodologias positivas, numerosos centros de investigação se dedicaram a quantificar e medir os níveis alcançados pelos desequilíbrios ecológicos e a avaliar suas prováveis tendências futuras. Assim, hoje dispomos de suficiente evidência empírica como para estarmos certos de que o deterioro ambiental ameaça muito seriamente a saúde humana.

Tampouco esteve ausente a dimensão religiosa, levantada com crescente insistência por elaborações das mais variadas procedências, que salientam a “sacralidade da criação”, e que foram recentemente estimuladas por pronunciamentos e documentos pontifícios, que formulam a necessidade de novos relacionamentos com o meio ambiente, baseados em uma valoração superior da natureza.

Chegou, finalmente, o tempo das decisões, cujo começo foi a implementação de políticas ecológicas e meio ambientais por parte dos poderes públicos. Aos poucos, no mundo todo, os governos estão implementando medidas para enfrentar certos aspectos, os mais visíveis, do problema. Naturalmente, na definição das políticas convenientes, rompe-se o consenso que existe sobre a gravidade do problema, pois aparecem, junto das concepções ideológicas que atribuem diferentes funções ao Estado e à iniciativa privada, os diferentes interesses de aqueles que serão inevitavelmente afetados por tais medidas.
Vêm sendo aplicadas diversas políticas. Em alguns dos casos, trata-se simplesmente de proibir a operação de certos agentes contaminantes. Em outros, busca-se conter determinado problema estabelecendo impostos especiais para as atividades que o geram, transferindo, ao menos em parte, os custos do problema para os que o causam. Aplicam-se também, políticas de incentivo, que estabelecem benefícios especiais e isenções tributárias para as empresas que se estabelecerem em zonas não críticas, ou prêmios à introdução de instrumentos técnicos que façam diminuir um determinado problema. Mediante fundos e subsídios especiais, fomenta-se também, a projeção e implementação de tecnologias ecologicamente mais refinadas.

No nível da sociedade civil, desenvolvem-se também, ações tendentes a encarar o problema, da que os movimentos ecologistas e as organizações especialmente preocupadas com a questão têm-se feito promotoras. Estas ações costumam se desenvolver em dois níveis: o da denúncia de situações pontuais e da conscientização sobre o problema global, e o da execução de ações diretas que aportam a limitar determinados desequilíbrios meio-ambientais, como podem ser, por exemplo, a plantação de arvores, o salvamento de exemplares de espécies em vias de extinção, a reciclagem de detritos, etc.

Todavia, são conducentes estas políticas e ações, a uma efetiva superação do problema? São suficientes para encarar desequilíbrios tão complexos e que afetam globalmente nosso planeta?

De certo, são políticas e ações indispensáveis que de algum modo contribuem a encarar o problema. Contudo, seus efeitos são claramente insuficientes. A respeito da ação do Estado, cabe assinalar que existe crescente evidência de que o problema tem adquirido dimensões tão amplas e que está tão estreitamente ligado às dinâmicas econômicas e culturais, que não poderá ser superado por nenhuma combinação de medidas públicas que resultarem econômica e politicamente viáveis, no marco das atuais estruturas e organização da economia. Quer sejam restritiva ou de incentivo, para as medidas chegarem a ter um impacto significativo sobre o problema global, deveriam ser muito drásticas e afetarem muitíssimas atividades e processos, implicando custos excessivos. A isto, agrega-se que, pela própria natureza, o problema ecológico transcende os âmbitos onde têm vigência e efeito as decisões dos Estados nacionais.
Quanto à ação direta dos grupos ecológicos, sua importância tem mais a ver com seu caráter testemunhal e conscientizador, do que com um efetivo impacto sobre o meio-ambiente. É necessário observar que qualquer ação particular orientada diretamente a modificar a natureza, no intuito de restabelecer algum equilíbrio perdido ou de deter determinada deterioração em curso, por mais socialmente ampla e poderosa que possa chegar a ser, dificilmente poderá atingir efeitos significativos: os fenômenos e as forças da natureza são tão poderosos que a ação do homem resulta comparativamente pequena. Prova disto é o próprio problema ecológico ser causado, na realidade, pela imensa quantidade de energias irradiadas pelo conjunto dos processos de produção e de consumo que desenvolve a humanidade estendida pelo mundo todo. Cabe nos perguntarmos, ademais, se acaso dispomos do conhecimento suficiente sobre os delicados automatismos da natureza, como para sabermos os modos de restabelecer seu equilíbrio, atuando diretamente sobre ela.

Assim, a questão ecológica aparece ante nós, ultrapassando nossas capacidades de encará-la. Significa isto que nada possamos fazer e que, em definitiva, estejamos perdidos? Não é a conclusão necessária desta análise. Se ficássemos na compreensão da magnitude do problema e da insuficiência dos meios empregados até agora, cairíamos na desesperança e na passividade que dela deriva. Para superar tal estado de ânimo é preciso dispor de uma teoria da questão ecológica, que nos leve a compreender as verdadeiras causas do problema e os modos de resolvê-las.

Por uma teoria da questão ecológica. A relação entre economia e ecologia.

O problema ecológico surge na relação do homem com a natureza, uma relação que, à diferença da estabelecida com ela pelos animais, não é direta nem natural. As espécies animais obtêm e extraem o que precisam da natureza, tal e como o encontram e na forma em que ela o proporciona. Consomem-no naturalmente e também naturalmente, devolvem a ela os resíduos. Abrigam-se ali onde ela lhes permite e a modificam apenas abrindo covas ou fazendo ninhos. Não acontece assim com o homem.

A relação deste com a natureza não é imediata: é mediatizada pela economia. Entre o homem e a natureza se levantam, com efeito, os complexos e dinâmicos processos de produção, distribuição, consumo e acumulação. A economia é, em essência, um processo de intercâmbio do homem com a natureza, através do qual ambos resultam transformados. É precisamente porque entre o homem e a natureza media a economia, que a ecologia se constitui como um problema.

Até alguns anos atrás existia uma concepção otimista deste processo de transformação. Supunha-se que a ação do homem sobre o meio significava um processo de humanização do mundo, resultante da incorporação daquilo que é humano no mundo natural. Mediante sua inteligência, imaginação, criatividade, ciência e trabalho, o homem transformaria a paisagem natural numa paisagem humana, supostamente superior, devido à natureza superior do próprio homem. O mais brilhante expoente desta concepção otimista foi Teilhard de Chardin, embora há de se reconhecer que a visão de um progresso constante e seguro, tenha sido a ideologia predominante em toda a era moderna. Não é alheia a esta perspectiva a idéia de que mediante a ciência, a tecnologia e o trabalho, os homens adquirem um crescente e indefinido controle e domínio das forças naturais.

O problema ecológico veio questionar radicalmente esta hipótese progressista. O deterioro do meio ambiente, nos faz descobrir, dolorosamente, que o processo de transformação da natureza pela tecnologia e o trabalho humano, nem sempre resulta positivo, podendo, pelo contrário, provocar desequilíbrios que afetem o próprio homem e que poderiam, inclusive, acabar com a habitabilidade da terra. Com pleno realismo, haverá de se admitir que a ação do homem sobre a natureza tem, simultaneamente, efeitos positivos e negativos, ambos provavelmente crescentes. Segundo ensina o Evangelho, o trigo e a cizânia crescem juntos em razão da natureza ambivalente do próprio ser humano, sujeito da ação.

Ora, se a transformação da natureza e do homem, que se verifica através do intercâmbio vital entre ambos, pode ser humanizante e destrutiva ao mesmo tempo, decisivo será, então, o modo em que seja efetuado. Se a relação entre o homem e a natureza está mediatizada pela economia, a transformação positiva ou negativa do meio ambiente, dependerá fundamentalmente do modo de se fazer e se organizar a economia. A compreensão disto, permite situar a questão ecológica na sua verdadeira dimensão: trata-se de um problema da economia. Colocar o problema neste plano, que é o das suas causas, não na natureza, onde se manifestam seus efeitos, abre aos homens, a possibilidade de controlá-lo realmente. Porque o homem pode controlar a economia, que depende dele mesmo, porém não pode controlar a natureza, que o supera e da qual é somente uma parte.

Dito seja de passagem, que a intima relação entre a economia e a ecologia ficou cristalizada na linguagem pela comum etimologia de ambos os termos, que embora se lhes entenda, significam o mesmo, e nos fazem descobrir que a oikos, nossa casa, é a natureza transformada pelo trabalho de todos.

Um modo antiecológico de fazer economia.

Se a ecologia depende da economia, a existência de um sério problema ecológico põe de manifesto a existência de problemas muito sérios na economia tal e como se encontra organizada atualmente, ao mesmo tempo em que coloca a necessidade e a urgência de desenvolver outros modos de organizá-la. Que aspectos da organização econômica atual, são questionados pela ecologia? Que requerimentos e exigências a ecologia formula a uma economia que queira melhorar o meio ambiente e salvar a natureza? Comecemos pela primeira pergunta, que nos entregará preciosas dicas para responder à segunda.

Na realidade, o deterioro do meio ambiente tem causas múltiplas e está sendo provocado desde as quatro grandes fases do circuito econômico: a produção, a distribuição, o consumo e a acumulação.

Desde a produção, uma causa do desequilíbrio ecológico radica no grande tamanho atingido por numerosas indústrias, que utilizam volumes gigantescos de recursos naturais, sendo movidas por quantidade enormes de energia altamente concentrada em reduzidos espaços. Nas indústrias, os recursos naturais são processados indiscriminada e maciçamente; aproveitam-se somente algumas das suas qualidades, devendo-se eliminar e homogeneizar suas outras propriedades, mediante processos químicos de intensa potencialidade transformadora. Isso gera uma grande quantidade de resíduos que contaminam as terras e as águas, fazendo surgir abundantes gases que poluem o ar e a atmosfera. Adicionalmente, o alto nível de concentração da produção nos reduzidos espaços urbanos, implica no transporte altamente dispendioso de energia contaminadora, de grandes massas de recursos naturais desde seus lugares de origem até os lugares onde são processados, e desde estes até onde os produtos serão consumidos.

Desde o processo de distribuição, uma causa do deterioro ambiental reside na muito desigual repartição da riqueza, que leva à configuração de zonas geográficas onde os bens abundam, enquanto outras permanecem na pobreza. A respeito disso, é importante considerar que tanto a extrema riqueza como a extrema pobreza, são contaminantes. Os grupos sociais muito ricos, contaminam pelo excesso de energia material que utilizam e pela grande quantidade de detritos que geram. Os extremamente pobres, concentrados em zonas densamente povoadas e de precária urbanização, vêem-se obrigados a utilizar combustíveis naturais de baixo rendimento e carecem de meios para cuidar do seu meio ambiente imediato.

Porém, a principal causa do deterioro ecológico desde o processo de distribuição, deriva do fato de que cada sujeito econômico opera no mercado, em função da própria utilidade, sem atender aos requerimentos comunitários e sem se responsabilizar pelos efeitos que suas decisões possam ter sobre o entorno. Se cada sujeito toma suas decisões econômicas em busca do próprio e exclusivo interesse, atingir o bem comum, cuidar do meio ambiente, se preocupar pelo futuro coletivo, são questões deixadas sob a responsabilidade do Estado e das autoridades. Porém, ao mesmo tempo se tenta limitar estas atribuições que, amplas que chegarem a ser, não estarão em condições de assegurar um meio ambiente equilibrado e são, que só pode ser alcançado mediante o concurso ativo e permanente de toda a comunidade.

Desde o processo de consumo, o deterioro ecológico é gerado basicamente pelo fenômeno conhecido como “consumismo”. Este consiste na utilização desproporcionada de coisas para satisfazer necessidades e desejos exacerbados, subdivididos ao extremo, nunca superados por bens que são descartados antes de prestarem toda sua utilidade, substituídos prematuramente por outros cada vez mais sofisticados, que em breve ficarão também, obsoletos. O consumismo força um crescimento desmedido da produção, com a decorrente depredação dos recursos naturais e das energias não renováveis, e dá lugar a uma superabundância de detritos vertidos na natureza.

Também, o processo da acumulação, na forma em que atualmente é realizado, torna-se uma fonte permanente de deterioro ambiental. Cada sujeito procura se apropriar, individual e privadamente, do máximo de coisas, energias, terras, águas, arvores, etc., pois vê neles, a garantia de uma futura segurança e a fonte do próprio prestígio e sucesso. Uma cultura do “ter” que conduz a valorizar as pessoas pela quantidade de coisas que possuem e não pela qualidade de suas capacidades, orienta para formas de acumulação concentradora de riqueza e de forças produtivas, sobre as quais os sujeitos adquirem direitos de uso e abuso, que não garantem a sua conservação e permanência.

Compreender que as fontes do deterioro ecológico estão presentes em aspetos tão centrais de cada uma das fases do processo econômico, tal e como se encontra atualmente organizado, leva a compreender que este modo de fazer economia não é ecologicamente viável: deverá ser substituído no futuro, quando o deterioro do meio ambiente resulte insuportável ou excessivamente custoso, em termos do bem-estar e da qualidade de vida.

Contudo, não é preciso que isto aconteça ao extremo, para se tentar um novo rumo. Pelo contrário, quanto mais seja postergada a mudança, mais graves serão as conseqüências e mais difícil resultará a recuperação. Assim sendo, da preocupação pela ecologia surge atualmente, um caminho de busca de novas formas de fazer economia, novas maneiras de produzir, de distribuir, de consumir e de acumular. Elas estão, também, orientadas na perspectiva da economia da solidariedade. Vejamos, com efeito, quais os requerimentos que põe a ecologia à economia, e em que medida a economia solidária pode satisfazê-los.

A economia da solidariedade: um modo ecológico de fazer economia.

Ao introduzir solidariedade na economia, colocando-a no centro dos processos de produção, distribuição, consumo e acumulação, as atividades econômicas se tornam ecologicamente sãs. Para a economia não implicar num deterioro do meio ambiente, senão na transformação harmoniosa da natureza, é preciso, com efeito, que ao produzirmos e trabalharmos, ao utilizarmos os recursos e as energias naturais, ao nos apropriarmos da riqueza e nos ocuparmos da sua distribuição social, ao consumirmos os produtos necessários para nossa satisfação, ao gerarmos e acumularmos os excedentes que nos servirão no futuro, estejamos preocupados com os efeitos das nossas decisões e atividades sobre os outros, tornando-nos responsáveis pelas necessidades de toda a comunidade, incluídas as gerações vindouras.

É assim que o estão começando a experimentar aqueles que compreenderam as origens e a profundidade dos problemas ecológicos, procurando conseqüentemente os meios eficazes para sua superação. Tais procuras vêm a calhar com a direção em que procede a economia da solidariedade. Esta, com efeito, tende a reverter, de fato, cada um dos aspectos que, na economia atual, geram desequilíbrios ambientais. Vejamos de que modo eles começam a fazê-lo.

Privilegiar a escala humana, da produção e da organização das atividades em dimensões pequenas, controláveis pelas pessoas e as comunidades que as organizam, gera um processo de desconcentração ou descentralização da produção. As atividades produtivas não se encontram em espaços reduzidos de alta densidade energética, já que se disseminam pelas casas, os bairros e as comunidades. Já que estes lugares constituem o meio ambiente imediato dos que organizam e executam a produção, os efeitos meio-ambientais desta, recaem direta e imediatamente, sobre aqueles que os provocam, levando-os a se preocuparem e se responsabilizarem por eles porque os sentem, os percebem e os sofrem na própria pele.

A produção desconcentrada e efetuada em pequena escala implica, igualmente, um uso diferenciado dos recursos naturais e das fontes energéticas. De um lado, os elementos materiais não são utilizados de maneira indiscriminada e maciça, porém aproveitados atendendo às suas características e qualidades particulares. De outro, o processo de elaboração se verifica mediante processos transformadores de menor intensidade mecânica e química, tornando-se possível o aproveitamento das fontes energéticas alternativas e renováveis. Alem disso, as emanações e os detritos da produção, são menores em cada lugar, podendo ser controlados e canalizados de melhor maneira, ou são diretamente reciclados. A atividade produtiva se adapta melhor ao meio ambiente local e aproveita os micro-climas sem alterá-los.

As necessidades de transporte, sempre dispendiosas de energias contaminantes, vêem-se notavelmente reduzidas, ora porque os recursos e os insumos tendam a ser encontrados no meio local, ora porque a maior parte dos produtos esteja destinada a consumidores próximos do lugar de produção. Os próprios trabalhadores das pequenas unidades econômicas, moram perto e chegam caminhando ou de bicicleta aos seus lugares de trabalho.

De igual maneira, quando o processo de distribuição é realizado com importantes conteúdos de solidariedade, a riqueza resulta distribuída mais eqüitativamente, reduzindo as possibilidades do enriquecimento excessivo de alguns e evitando a extrema pobreza de muitos, casos que, como vimos, possuem, ambos, efeitos contaminantes.

De outro lado, quando as decisões econômicas dos sujeitos, são tomadas sem atender exclusivamente à própria utilidade, e sim considerando as necessidades alheias, fazendo-se responsáveis pelos efeitos das próprias decisões e ações sobre a comunidade -quando se internalizam as externalidades, no dizer dos economistas-, as exigências do meio ambiente e da ecologia ficam salvaguardadas.

Ademais, quando uma parte importante dos fluxos e das transferências econômicas se efetua com base a relações integradoras de reciprocidade, comensalidade e cooperação, tende a primar o bem comum por cima do interesse individual, e o bem-estar pessoal fica intimamente atrelado à qualidade de vida que possa atingir a comunidade da qual se faz parte.

Ao se tomarem decisões de um modo participativo, descobre-se que a liberdade de cada um deve respeitar a liberdade dos outros, que a utilidade pessoal não pode atentar em contra do bem-estar coletivo, que navegamos num mesmo barco que unifica nosso destino e do qual somos, em conjunto, responsáveis. O intercâmbio que efetuamos equilibradamente entre as pessoas e na comunidade, leva-nos a compreender a necessidade de que também, nosso intercâmbio vital com a natureza seja equilibrado; de que, se extrairmos dela o que precisamos para viver, teremos, também, de atuar com reciprocidade para que ela também viva, respeitando-a, cuidando-a, compensando-a, nutrindo-a segundo as suas próprias necessidades.

Quanto ao processo de consumo, importante ecologicamente pois dele depende a quantidade e o tipo de detritos e objetos de todo tipo que devolvemos à natureza, depois de utilizados na satisfação das nossas necessidades e desejos, a economia de solidariedade manifesta uma racionalidade perfeitamente coerente com os requerimentos de um meio ambiente saudável e equilibrado. Com efeito, a ecologia coloca a respeito, variadas exigências. Basicamente, a conveniência de uma diminuição dos níveis de consumo de certos tipos de bens, e também, uma mudança no modo de consumir. Ambos aspectos estão relacionados e, somente se os enxergarmos a sua conexão, poderemos compreender que não necessariamente consumir uma menor quantidade de determinados produtos implica numa diminuição do bem-estar, podendo, inclusive, nos conduzir a uma superior qualidade de vida. Esta compreensão é crucial, pois se as mudanças têm de ser significativas e duradouras, é preciso que não sejam formuladas em termos negativos, como simples restrições, sacrifícios ou limitações ao consumo, senão que enquadradas numa procura orientada para melhorar a qualidade de vida mediante o desenvolvimento de novas maneiras de consumir. Neste sentido, o bom consumo que postula e busca a economia da solidariedade, é um consumo aperfeiçoado: mais humano, saudável e ecológico.

Se o consumo é a satisfação das necessidades e dos desejos das pessoas mediante a utilização dos bens e serviços produzidos economicamente, aperfeiçoá-lo implica, antes de tudo, o tema das necessidades e das motivações das pessoas e dos grupos sociais que se constituem como consumidores. O homem, ser de necessidades e aspirações infinitas, não tem elas predeterminadas e fixas, senão que pela sua dimensão espiritual inerente, está sempre aberto a novas e mais amplas perspectivas. Por sua vocação pela liberdade, é ele próprio que é chamado a definir aquela combinação entre os vários tipos de necessidades e desejos -fisiológicos e culturais, de autoconservação e convivência- que signifiquem a ele uma superior qualidade de vida e uma mais plena auto-realização. Um processo de amadurecimento em tal sentido, deve nos conduzir a compreender que as necessidades e os desejos que satisfazemos ao nos empenharmos no consumismo, estão longe de significar um bem-estar razoável. A experiência ensina que uma melhor integração da personalidade conduz a uma simplificação das necessidades e desejos que costumam se satisfazer com a posse e o uso de bens materiais; uma certa moderação e equilíbrio no consumo de diversos tipos de produtos, conduz, portanto, a uma melhor satisfação. Com efeito, nossas necessidades e desejos podem resultar mal satisfeitos tanto por carência quanto por excesso, como o exemplifica a experiência universal de nos sentirmos mal, tanto quando nos alimentamos pobremente como quando comemos em demasia. Aplica-se isto, na verdade, ao consumo de qualquer tipo de bens.

O bom consumo implica também, adequar melhor os bens e serviços que utilizamos, às necessidades reais, às aspirações e aos desejos que nos movem. Pôr os bens a nosso serviço e não nos colocarmos por trás da posse e do consumo de todas as coisas que propõe o mercado. Acima de tudo, não nos enchermos de objetos e artefatos, cujo efeito dana a saúde e cuja produção prejudica a natureza, e destinar tempo e recursos a buscar e utilizar aqueles bens e serviços que satisfazem as necessidades relacionais, culturais e espirituais, às que costumamos prestar insuficiente atenção.

Também se consegue aperfeiçoar o consumo utilizando os bens de maneira mais completa e eficiente, evitando substituí-los prematura e desnecessariamente, no intuito de obter da cada um deles, o máximo de satisfação possível das nossas necessidades. Um mais completo aproveitamento dos bens, pode-se atingir comumente mediante seu consumo comunitário: muitas pessoas, ao compartirem um mesmo bem, podem satisfazer suas necessidades e o produto pode prestar sua utilidade de modo mais pleno. Um pouco de parcimônia e muito menos desbarato, podem nos levar a níveis significativamente superiores de qualidade no consumo, com impactos positivos reais para nossa saúde, economia e meio ambiente.

O modo solidário de acumulação é também, ecologicamente apropriado, resultando dele um tipo de desenvolvimento econômico que respeita as exigências da natureza e do meio ambiente. A acumulação consiste, basicamente, no incremento dos recursos e das forças produtivas no intuito de reproduzir crescentemente os processos produtivos e de assegurar a satisfação das necessidades no futuro. Porém, podemos garantir o futuro de diversas maneiras, acumulando e desenvolvendo diferentes tipos de bens e de forças.

Com efeito, podemos garantir o futuro acumulando riquezas e bens materiais ou concentrando poder, porém também desenvolvendo nossas capacidades e participando de comunidades e organizações que nos projetem. Quando estamos sós e isolados, a nossa vida depende quase que exclusivamente do que possuímos individualmente; individualismo exagerado exacerba nossa insegurança ao nos colocar uns perante os outros como competidores que significam uma ameaça recíproca. Isto orienta para a posse e o acumulo individual de coisas, riqueza, e poder. A existência de uma solidariedade maior entre as pessoas e na sociedade, pelo contrário, reduz consideravelmente a incerteza e a insegurança a respeito do futuro. Ao estarmos integrados em comunidades solidárias, junto com vermos diminuída nossa insegurança, tendemos naturalmente a enfatizar o desenvolvimento das capacidades e dos recursos humanos e das relações sociais integradoras, por cima da posse de coisas e do acúmulo de poder. Paradoxalmente, ao introduzirmos mais solidariedade na economia, tornamos menos incerto o futuro e a nossa atenção concentra-se no presente, resultando que o futuro de cada um e o de todos, fique mais bem garantido. Pelo contrario, quando o individualismo exacerba nossa preocupação pelo futuro, somos induzidos a acumular hoje, muito mais do que iremos precisar depois, e no concreto, nosso futuro e as gerações vindouras, ficam ameaçados pela nossa atual avidez.

Concluímos, então, que a incorporação de maior solidariedade nas diversas fases da economia global e do desenvolvimento de formas econômicas que produzem, distribuem, consomem e acumulam de maneira mais conseqüentemente solidária, mostram e abrem um caminho real na direção da ecologia.

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