MOVIMENTOS JUVENIS E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL
A origem Historica
Para compreender a realidade dos movimentos juvenis ,
devemos focar-nos na realidade histórica do seu surgimento. É possível
que, enxergando esses processos, possamos acrescentar elementos
para compreender a atualidade e o futuro desses movimentos, e da
metodologia da educação não formal praticada por eles.
Os movimentos juvenis judaicos modernos e a educação não formal
são partes do processo histórico de revisão e crítica dos
postulados do Iluminismo moderno e ao mesmo tempo são parte
indissolúvel do projeto iluminista. São partes desse projeto por que
acreditam na capacidade da educação de mudar o mundo e de mudar o
destino natural, pré-fixado das pessoas e porque entre os seus
paradigmas, persistem uma profunda confiança na igualdade básica dos
homens, uma visão positiva do futuro associado à idéia de progresso, e
uma desconfiança apriori das autoridades tradicionais.
Mas trata-se de um projeto iluminista permeado pela crítica de
J.J.Rousseau (século XVIII), que vê no processo educativo e de
socialização formal da criança, uma ferramenta para o controle e a
limitação da liberdade, e para a criação de falsas necessidades que são
integradas a personalidade, criando uma auto-imagem distorcida, e
alienando ao homem (como teorizaram Hegel e Marx) da sua verdadeira
realidade e do seu papel no processo histórico.
Essa crítica aos postulados iluministas da educação, cujos ecos
chegam até Erich Fromm e Paulo Freyre, está na base da cristalização
dos movimentos juvenis (principalmente na Rússia e na Alemanha) nos
finais do Século XIX e início do século XX. Aqueles movimentos
postulavam uma visão alternativa a socialização do jovem, caracterizada
por um ideal romântico de vida em grupo e a rejeição do individualismo
burguês. Em alguns casos, como no movimento juvenil alemão
Wandervogel, esse ideal catalisava-se num retorno a natureza e ao
esforço físico, com vistas a criação de um Homem Novo que unificasse
na sua personalidade, corpo e espírito, numa entrega total ao ideal
desenvolvido pelo grupo.
Na sociedade judaica, os movimentos juvenis desenvolveram uma
crítica que se alimentava não só da rejeição ao sistema formal de
formação da criança e do adolescente, e sim, principalmente, da
identificação entre este sistema e o projeto diaspórico.
A falsa consciência contra a qual se revoltavam os movimentos
juvenis judaicos, era a confiança dos seus maiores em que seria possível
persistir e se integrar nas sociedades gentis, para serem alemães,
franceses ou polacos de fé mosaica.
Os movimentos juvenis judaicos enfatizavam o caráter nacional do
judaísmo, contra as ênfases religiosas ou culturais da geração dos seus
pais. Eram, portanto, movimentos fortemente políticos, que quando
enxergavam a visão de um homem novo, não estavam referindo-se
somente ao um processo de transformação grupal da personalidade, e
sim principalmente a uma transformação radical que passava pela
mudança das estruturas básicas da sociedade judaica, do individualismo
burguês diaspórico ao coletivismo sionista em Eretz Israel. É importante
destacar que esta ideologia coletivista não é característica só de grupos
de esquerda, porém está presente também nos ideólogos liberais ou de
direita como Zeev Jabotinsky, e era compartilhada pelo movimento
ligado ao Sionismo Religioso.
Essa ênfase nacional e coletiva não podia omitir uma profunda
análise crítica da tradição judaica, entendida aqui como uma tradição
nacional. Os movimentos juvenis interpretaram essa tradição num
sentido humanista e heterodoxo, acentuando os conteúdos morais das
fontes judaicas, mas exigindo um imperativo de coerência prática,
traduzindo na vida cotidiana do movimento conceitos tradicionais como
Tzedaká, ou recriando os conteúdos religioso-nacionais de festividades
como Pessach, Chanuka ou Lag Ba Omer, resgatando do passado e
modernizando as mensagens de figuras como os Macabeus ou Rabi
Akiva.
Os movimentos juvenis representaram historicamente uma
minoria nas comunidades judaicas, mas uma minoria prestigiada pela
sua participação na construção do Estado de Israel (tanto na colonização
e construção de novas populações, como na defesa, em especial a partir
da Terceira Aliah, 1919-1923); pelo seu papel na resistência ativa da
Shoá; e por ser um fator de efervescência permanente nas comunidades
judaicas com sua visão crítica da realidade comunitária e sua exigência
de coerência.
O imperativo da Aliah a Israel, característico de boa parte dos
movimentos, era o resultado de uma visão crítica da sociedade e da
realidade comunitária, e a expressão de um sonho de construção de
uma sociedade diferente, baseada em princípios sociais e humanistas
mais justos, em Eretz Israel.
Não é, então, casual, que muitas das grandes personalidades
políticas e do pensamento social na América Latina, na Europa e em
Israel, reivindicam até hoje a origem da sua militância na educação
recebida no movimento juvenil.
Na América Latina, os movimentos juvenis judaico-sionistas
estiveram entre os escassos espaços de educação política e de liberdade
de expressão, durante a sangrenta época das ditaduras militares e da
repressão organizada.
2. O Enfoque Metodológico
Quais são, então, as características que permitiram ao movimento
juvenil judaico-sionista atuar como um profundo fator de efervescência
e mudança na sociedade judaica?
O pesquisador Reuven Kahane reconhece algumas dimensões da
educação não-formal que representariam a base da experiência
educativa dos movimentos:
1. Incorporação livre e voluntária: ninguém é obrigado a participar
das atividades de um movimento. Os valores e a disciplina interna
podem até ser mais rígidos do que na educação formal (já foram, na
época em que o movimento clássico participava ativamente da
colonização e defesa do Estado de Israel), mas estão baseados no
consenso interno e na voluntariedade de pertinência.
2. Moratória: sociólogos definem a moratória como um processo de
adiamento das responsabilidades adultas, o que permite ao
adolescente assumir compromissos que, segundo a sociedade geral,
estão além das suas capacidades. A moratória é o espaço para errar e
recomeçar, sendo que no movimento as atividades são controladas
por pessoas da mesma idade e na mesma situação.
3. Estrutura dupla: os movimentos juvenis são expressão da situação
particular de transição do adolescente entre o espaço familiar e a
sociedade adulta. Por tanto, o movimento se caracteriza pela
convivência de dois (ou mais) tipos de normas. O movimento é
vivenciado pelos chaverim também como um espaço relacional
(grupo de amigos) e também como um espaço de expressão e
discussão de valores e aceitação de compromissos ideológicos,
normas de conduta e códigos de responsabilidade. A convivência
dessas duas percepções permite um alto grau de flexibilidade na
relação do jovem com o movimento, e contribui no seu dinamismo
interno.
4. Atividades multidimensionais: a criança e o adolescente podem, no
movimento juvenil, testar as suas capacidades em diversas
dimensões: intelectual, esportiva, artística, social, criativa,
compromisso com valores, amizade, valentia, etc., sem que exista
uma real hierarquia de dimensões, diferente da educação formal
onde todas as dimensões estão presentes, mas a dimensão
intelectual-individual prevalece.
5. Simetria: como toda organização, existe nos movimentos juvenis
uma hierarquia entre os membros, mas essa hierarquia é relativa e
freqüentemente contestada. Tanto do ponto de vista legal como de
aceitação das regras internas, todos os membros são chaverim com
os mesmos compromissos e direitos. O próprio caráter voluntário do
movimento cria uma simetria entre os membros e uma real
possibilidade de cada um deles de influir e mudar os processos
internos do grupo.
6. Expressividade ativa e atratividade: diferentemente de um espaço
de recreação, onde os participantes consomem atividades preparadas
para eles, no movimento juvenil cada chaver participa de uma ou
outra forma na criação do conteúdo do que se faz. Essa
expressividade de cada um contribui na atratividade do movimento,
já que este é percebido como um espaço de expressão em contato
aberto com outros pares.
7. Desenvolvimento do compromisso com valores: a simetria e a
expressividade do movimento juvenil são a base da sua capacidade
para desenvolver uma consciência ética e um compromisso com
valores. A idéia de uma moralidade universal é mais facilmente
incorporável numa realidade simétrica, onde as normas são validas
para todos os participantes, onde os conceitos de reciprocidade e
justiça tem uma aplicação concreta e quotidiana. A exigência de
cooperação no movimento desenvolve na criança uma visão mais
universal e menos egocêntrica, um melhor conhecimento dos limites
e as diferenças de personalidade e uma consciência mais clara da
própria autonomia e da autonomia dos outros, todos estes
elementos indispensáveis para a formação de uma ética pessoal.
Essas dimensões caracterizam também um alto grau da autonomia
do movimento juvenil. Essa autonomia é, na opinião de Kahane, o
principal motivo de tensão nos movimentos, já que tanto ao nível da
sociedade adulta, como dos próprios bogrim (egressos) do movimento
existe uma tendência constante de limitar essa autonomia, tanto para
manter um modelo de movimento nos seus moldes conhecidos como
para usar a energia e vitalidade do movimento com objetivos
organizacionais que tem mais a ver com a realidade e os objetivos do
mundo adulto. Se é possível falar em crise do modelo do movimento
juvenil, essa crise é provocada principalmente pelas tentativas de limitar
a autonomia dos movimentos e a fixação de parâmetros de ação por
fatores externos ao próprio movimento.
3. Os dilemas do Movimento Juvenil Judaico no século XXI
Com freqüência ouvimos falar da crise do modelo dos movimentos
juvenis. De uma re-leitura rápida dos fatores Sócio-Histórico e das
dimensões Metodológicas antes expostas, uma conclusão possível sobre
essa crise é que ela se produz quando os próprios ativistas do
movimento deixam de ser cientes da sua própria força histórica e do
papel educativo que o movimento tem como transformador da realidade
dos seus membros.
Fatores como simetria, autonomia, compromisso com valores,
compromisso ideológico e coerência, caracterizaram essa educação
tnuatí.
Será que esses fatores mantêm a sua vigência quase um século
depois da cristalização dos primeiros movimentos juvenis?
Será que eles têm a vitalidade e a energia criativa para apresentar
uma alternativa ao mundo globalizado?
A um mundo que minimiza o papel dos compromissos ideológicos
e onde os conceitos de identidade, cultura e nação são
permanentemente fragmentados?
A um mundo onde o individualismo deixou de ser objeto de
escárnio e conflito entre as gerações, e passou a ser o ideal social
compartilhado por pais e filhos, que convivem num universo mediático
cruzado por auto-estradas da informação que apagam todas as
fronteiras. A um mundo aonde não existe um real conflito entre
gerações, e aonde o problema não é a participação do jovem na criação
do conteúdo, porem a indiferença generalizada ao conteúdo.
O movimento juvenil judaico sionista é filho da Modernidade e dos
seus paradigmas. Talvez o principal desses paradigmas seja a
importância de um espírito crítico. Talvez, hoje em dia, seja essa a
função principal do movimento juvenil, continuar a desenvolver espíritos
críticos num mundo que forma e educa para o consumo e o
conformismo.
O lugar dos movimentos juvenis na epopéia judaica do século XX
está assegurado. Ainda está por definir o seu lugar na epopéia judaica
do século XXI.
Yoel Schvartz
O autor é formado em História Judaica, Sociologia e Antropologia pela Universidade Hebraica de
Jerusalém. Atualmente, é
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