Search This Blog

Sunday, 8 March 2009

Crise e perspectivas do judaísmo secular

Crise e perspectivas do judaísmo secular
Bernardo Sorj*
Como é possível que o judaísmo secular, que foi a principal força do judaísmo do séculoXX, desenvolvendo a cultura Yddish e permitindo o surgimento do sionismo e a criaçãodo estado de Israel, esteja entrando no Século XXI na defensiva. Para responder estaquestao devemos, como ponto de partida, lembrar que, como movimento social, nãoexistiu nem existe um judaísmo secular, mas movimentos sociais e intelectuais nointerior do judaísmo secular, e estes movimentos hoje estão em crise.O que unifica os indivíduos seculares democráticos (a modernidade conhece formas desecularismo não democrático, como o fascismo ou o comunismo) é uma visão de mundoque dissocia o poder religioso do poder político a partir de valores de respeito aliberdade de consciência individual, a tolerância e a diversidade de crenças. Ser seculardefine os fundamentos sobre as quais deve dar-se a sociabilidade dentro de umasociedade moderna democrática, mas não identifica nenhum objetivo específico para aação social dos indivíduos ou grupos. Somente em certas circunstancias históricas, emparticular quando se trata de defender a propria existência de uma sociedade secular, aluta pela secularização se constitui num movimento social, como nos paises onde aigreja era poderosa (em varios paises da Europa ou no México), ou hoje em Israel, ondea religião e os grupos religiosos colonizaram parte do estado.No judaísmo moderno a secularizacao afetou tanto crentes e não crentes em deus, eambos procuraram alternativas ao judaísmo ortodoxo. Os judeus crentes, em geral deorientação liberal, optaram por reformular as praticas e discurso religioso radicionalaceitando os valores da modernidade: a liberdade de consciência, o pluralismo, atolerância, e a democracia. Os grupos seculares ateus (em particular aqueles associadosá tradição marxista tinham no seus programas um componente ateu militante) ouagnósticos, tiveram no sionismo (nas maiorias de suas tendencias e principaispersonalidades, desde o liberal Hertzl, pasandol pelo nacionalismo chauvinista de Zeev* Professor titular de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretor do CentroEdelstein de Pesquisas Sociais (besorj@attglobal.net).2Javotinsky ao marxismo-leninismo de Meir Yaari) e no bundismo seus principais canaisde expressão. Embora numa perspectiva sociológica pode-se argumentar que estesmovimentos constituíam religiões seculares, podemos seguir os senso comum ediferenciar entre ideologias e movimentos seculares (não teistas) e religiõessecularizadas (teistas), como os conservative e reformist). Esta opinião é compartilhadapor Ruth Calderon1 ”Unlike what is commonly accepted, it is not the relationship withGod that separates secular and religious Jews. I tend to define the secular Israeli as anon-halakhic Jew, a definition embodying a wide range of secularity. It includescomplete atheists, those with a more traditional approach, and those who experience aDivine presence in their lives but do not accept rabbinical authority or belong to aformal congregation or observe the commandments. Religious people are also far fromconstituting a monolithic community. Various liberal trends make it possible to interpretcustoms and ceremonies in new ways.”O judaísmo secular nunca foi, pelo menos ate hoje, um movimento social unitario, nemconstitiu ele uma clara identidade coletiva na atualidade, isto é, um movimento socialcapaz de gerar um sentimento de comunidade relativamente fechada, delimitada porsistemas de crenças e/ou ideologias comuns, com instituições responsáveis pelmanutenção da unidade, homogeneidade e reprodução do conjunto. Isto é. para seconstituir em um movimento social os judeus seculares precisam de um cimentocomum, de uma causa, ideologia, valores -como no seu momento foi a criação do estadode Israel ou a defesa da cultura Yddish- que os unifiquem a pesar de suas diferençasindividuais. Mas, no momento, o que existe hoje são judeus seculares, isto é indivíduosisolados, cada um definindo e escolhendo aqueles aspectos da cultura judia que sãorelevantes para ele, na base de duvidas constantes, das mais variadas experiências econstante inestabilidade- ja que o asesgura a estabilidade sao consensos coletivos quelimitam a dissonancia cognitiva e homogenizam os discursos.Os judeus seculares contemporaneos estao associados a um judaísmo profundamenteinstável, por falta de instituições capazes de dar-lhes uma unidade a traves daelaboração de um denominador comum. Isto faz que os judeus seculares, embora1 “We enter the Talmud barefoot”, http://www.culturaljudaism.org/ccj/articles/263majoritários em Israel e na diáspora, sejam particularmente frágeis quanto ainstitucionalização de seu judaísmo. Os judeus seculares são maioria no povo judeu,mas minoria nas instituições comunitárias. Em particular a intelectualidade judia estatotalmente afastada, na sua grande maioria, da vida ativa das instituições judaicas, queaparecem como conservadoras, quando não reacionárias.O sentimento de judeidade do judeu secular se expressa geralmente em termos de umavontade de dar continuidade a memória de pais ou avos, uma solidariedade com outrosjudeus que possam ser perseguidos ou em perigo, mas não encontra expressão simbólicaou ideológica clara. Assim seria mais rigoroso indicar que a maiora do povo judeu estáconstituida por judeus confusos, no sentido de que são pessoas que se sentem judias nãoortodoxas, mas não conseguem definir claramente o sentido deste sentimento. Porque?Porque como comentamos anteriormente, as ideologias que no século XX permitiam darexpressão ao sentimento do judeu secular entraram em crise.Os dois pilares sobre os quais se construiu o judaísmo secular não religioso foram osocialismo e o sionismo, promovendo ambos uma visão renovada da historia judia. Nãoé preciso comentar a crise do socialismo, e, no que se refere ao sionismo ele realizou osonho, e, no momento, Israel perdeu o atrativo que tinha antes da criacao do estado enas suas primeiras decadas. na época pioneira (minha geração ainda se alimentou daforça mística da noção de chalutz, hoje incompreensível para os jovens).O judaísmo secular esta intimamente ligado a a uma visao histórica do povo judeu e areconstituicao do mesianismo. A propria historia judia, como disciplina deconhecimento, é produto do judaísmo secular. Ambos pilares hoje estao em crise.Vivemos um periodo de descredito da ideia do progresso e de temor e incerteza sobre osventos da historia. Hoje as novas gerações não encontram um sentido particular seja nahistoria em geral e na historia judia em particular. No lugar de Historia com maiusculacada um se refugia na subjetividade e procura construir sua propria estoria individual. Omessianismo secular entrou em crise com a desintegracao das grandes ideologiaspoliticas.4O que está faltando? O que pode funcionar como um aglutinador e estabilizador daidentidade judaica secular? A resposta é simples: uma causa ou objetivos comuns e/ouestruturas institucionais profissionais ou voluntárias, responsáveis pelaorganização/reprodução coletiva.Como e quando o judaísmo secular voltará a produzir movimentos sociais capazes derenovar o judaísmo? Se alguma certeza podemos ter é que o futuro é imprevisível e quenunca é uma repetição do passado. O processo de reconstrucao do judaismo secular naosera a obra de intelectuais individuais. Estes podem contribuir realizando diagnosticosdos percursos do passado que possam ajudar a elaborar novas visoes do futuro.Podemos, no melhor dos casos, identificar algumas tendências no interior do judaísmoque podem ajudar a atuação dos indivíduos e grupos de judeus seculares neste períodode transição histórica. A nossa contribuicao principal é quebrar os dogmas e camisas deforça intelectual que foram andaimes do judaismo secular no seculo XIX, mas que hojesao barreiras para seu desenvolvimento.1) O novo judaísmo secular será produto de um dialogo critico com o judaísmo religiososecular, e em geral com a culutral judia redligiosa milenar. Não é casual que o principalmovimento do judaísmo secular, representado pelo rabino Sherwin Wine, partiu dealguém formado na tradição religiosa liberal.2) O ateísmo ou agnosticismo não preenchem as necessidades emocionais de dar sentidoa vida. Eles motivaram geracoes que acredtivam no poder da ciencia, da razao e oprogresso num periodo historico em que a religiao tinha poder politico e se confrontavacom os valores da modernidade. O ateismo e o agnoticismo continuam mas em geralnao motivam para a acao coletiva, nem respondem as necessidades de producao desentido e de movilizacao coletiva.3) O antisemitismo e a solidariedade frente a perseguicoes de judeus continuará a serum dos cimentos da identidade judia. Mas o antisemitismo nao pode continuar sendopresentado como um destino ineluctavel, nem ser associado, implicita ou5explicitamente, a um discurso/sentimento que separa em forma viceral o judeu do naojudeu.4) O Estado de Israel deverá ser um dos pilares do judaismo secular, tanto pelacriatividade potencial de criacao de uma cultura judia secular pelos israelies, como pelaidentificacao com o Estado de Israel pelos judeus da diaspora. Infelizmente o conflitoarabe-israeli deformou o proceso de identificacao da diasoira com Israel em torno aguerra e atrasou o processo de constituicao de um judaismo secular no estado de Israel.5) A importancia do estado de israel no deve obliterar que os judeus seculares enfrentamproblemas diferentes na Diáspora e em Israel. Em Israel existe um motivação e umobjetivo comum que unifica os judeus seculares: a luta contra a teocratizacao do Estadode Israel. Na diáspora esta motivação não existe. Por sua vez no Estado de Israel temasrelativos da tradição judaica de uma forma u outra estão presentes no sistemaeducacional e no dia a dia da vida do pais. Mais complexo ainda é a questão dadefinição de quem é judeu. Em Israel, a causa da lei do retorno, ela define o direito acidadania, mobilizando interesses econômicos e políticos que não existem na diáspora.Na diáspora por sua vez as culturais são muito diferentes afetando os conteúdos dojudaísmo secular. Sendo efetivamente pluralista o judaísmo secular só tem a ganhardesta diversidade, mesmo reconhecendo que ela possa gerar tensões.6) Finalmente, sabemos que o judaísmo é um criação geracional. Mais ainda nos temposmodernos. As primeiras geração de judeus seculares se construíram como uma reaçãoaos pais, que ‘tinham como referencia um judaísmo ortodoxo, com valores rígidos quenão respondiam aos desafios e expectativas do mundo moderno. Uma boa parte dosjovens judeus seculares na atualidade não tem nenhuma referencia clara do judaísmo apartir ou contra a qual definir objetivos. Embora o novo judaísmo secular seráfundamentalmente uma resposta das novas gerações, com propostas adequadas ao novocontexto histórico, a geração que está saindo de cena tem uma responsabilidade deapoiar e facilitar e apoiar esta transição, pois se não temos uma proposta clara paraoferecer nem um modelo contra o qual deva-se reagir, podemos transmitir um legado6cultural, reconhecendo que o testamento será escrito por aqueles que se disponham aassumir a herança da tradição judaica secular.

No comments: