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Friday, 13 February 2009

Judaismo -Etica, Justica e Trabalho

JUDAISMO

ÉTICA
Por: Prof. Jacob Lichts (Doutor, Professor Associado da Universidade de Tel Aviv) e Prof. André Neher (Doutor em Filosofia, Doutor em Medicina e Rabino, Professor de História e Fiolsofia na Universidade de Strasbourg e na Universidade de Tel Aviv)



JUSTIÇA

Por: Rabino Dr. Raphael Posner (Professor Honoris Causa e Rabino, Professor Assistente de Literatura Rabínica no Jewish Teological Seminary of America, Jerusalém) e pelo Conselho Editorial.



TRABALHO


Por: Prof. Moshe Greenberg (Doutor e Rabino, Professor de Bíblia na Universidade Hebraica de Jerusalém) e pelo Conselho Editorial.







PREFÁCIO DO TRADUTOR


Jerusalém, 9 de Sivan, 5762.


Esta apostila é a primeira de uma série onde traremos traduções dos capítulos do livro: Jewish Values (G. Wigoder ed. , Keter Publishing House, Jerusalem, 1974). Este livro é uma coletânea dos verbetes referentes a valores judaicos publicados na Enyclopaedia Judaica (Keter Publishing House, Jerusalem, 1971), a qual há mais de trinta anos é a mais clássica obra de referência sobre judeus e judaísmo em geral.

O objetivo desta série é fornecer ao madrich elementos para que possa trabalhar uma identidade judaica mais baseada nos elementos positivos do judaísmo, que nos episódios trágicos da história judaica ou mesmo da atualidade. Mais além, acreditamos que uma identidade judaica sólida não pode se sustentar apenas em elementos emotivos, rituais, atividades sociais ou “chavões”, mas depende de um conhecimento sobre o conteúdo do judaísmo.

Por diversas razões a comunidade judaica brasileira sofre de uma carência de material de qualidade em português sobre judaísmo. Esta série vem a suprir, ainda que minimamente, esta escassez.

Neste sentido, os verbetes da Enyclopaedia Judaica aqui traduzidos apresentam algumas claras vantagens: além de oferecer uma explicação geral, porém ampla e cuidadosa, sobre cada tópico, eles fornecem inúmeras citações de fontes. O texto dos verbetes permitirão o enriquecimento do madrich, tanto pessoal quanto na sua condição de educador. Ao passo que as fontes aqui citadas poderão ser utilizadas e exploradas em suas atividades, transmitindo assim uma identidade judaica positiva e fundada em conteúdo.

Gostaria de esclarecer alguns aspectos técnicos sobre o texto traduzido. A linguagem da Enyclopaedia Judaica é um pouco rebuscada. Nesta tradução, procurei tornar o texto em portugês menos prolixo. Para facilitar a compreensão, alguns breves trechos que tratam de temas muito específicos e de grande complexidade conceitual foram excluídos. A transliteração do hebraico foi feita de acordo com o uso corrente na literatura judaica brasileira e não de acordo com as regras de transliteração científicas, como no original em inglês, ou o alfabeto fonético. Os nomes bíblicos foram aportuguesados conforme as traduções correntes da Bíblia ao português (e portanto cristãs). Nos casos em que encontramos uma segunda versão para o mesmo nome, esta aparece entre colchetes. Seguimos, assim, o exemplo da Enyclopaedia Judaica, onde os nomes bíblicos aparecem em inglês (anglicisados). Já os nomes pós-bíblicos encontram-se em seus respectivos idiomas. Acreditamos que estes critérios são os que mais se adequam ao perfil do leitor judeu brasileiro. Por fim, para traduzir as citações bíblicas, comparamos o texto em inglês da Enyclopaedia Judaica ao original hebraico e a traduções da Bíblia ao português de modo a conferir maior clareza à nossa versão, mas sem perder fidelidade ao original.

Incluimos algumas notas de rodapé para explicar alguns termos específicos e mais complicados. Parte delas foram reproduzidas do glossário do livro; outras foram compostas por mim, o tradutor, e estão notadas N. do T., nota do tradutor; ou extraidas do Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI (de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Editora Nova Fronteira, 1999) e estão notadas Aurélio.

Esperamos que estes escritos despertem a curiosidade do leitor e o estimule a explorar e descobrir o rico legado do judaísmo.



Boa leitura,


Daniel Strum

ÍNDICES

Tratados Talmúdicos
(somente os que aparecem no texto)


Avot
Avot
BB
Baba Batra
Ber
Berachot
Bek
Bechorot
BM
Baba Metzia
Git.
Gitin
Ket.
Ketubot
Kid.
Kidushin
Mak.
Makot
Ned.
Nedarim
Shab.
Shabat
Sot.
Sotá
Ta’an.
Ta’anit


Livos Bíblicos
(somente os que aparecem no texto, de acordo com a ordem judaica)


Gen.
Gênesis
Ex.
Êxodo
Lev.
Levítico
Num.
Números
Deut.
Deuteronômio
Jos.
Josué
Juizes
Juizes
Sam I
Samuel I
Sam II
Samuel II
Reis I
Reis I
Reis II
Reis II
Isa.
Isaías
Jer.
Jeremias
Ez.
Ezequiel
Os.
Oséias
Amós
Amós
Miquéias
Miquéias
Mal.
Malaquias
Sl.
Salmos
Prov.
Provérbios


Rute
Rute
Ecles.
Eclesiastes




ÉTICA
Por: Prof. Jacob Lichts (Doutor, Professor Associado da Universidade de Tel Aviv) e Prof. André Neher (Doutor em Filosofia, Doutor em Medicina e Rabino, Professor de História e Fiolsofia na Universidade de Strasbourg e na Universidade de Tel Aviv)

NA BÍBLIA

Não existe um conceito abstrato e abrangente na Bíblia que encontre paralelo com o conceito moderno de “ética”. O termo musar que designa “ética” no Hebraico mais recente, na Bíblia indica meramente a função educacional desempenhada pelo pai (Prov. 1:8), com um significado próximo ao da “repreensão”. Na Bíblia, as exigências éticas são consideradas como sendo parte essencial das exigências de D’us aos homens. Esta conexão tão próxima dos campos ético e religioso (embora os dois não sejam completamente identificados) é uma das principais características da Bíblia, consequentemente a ética ocupa uma posição central em toda a Bíblia. Da mesma forma, a Bíblia teve uma influência decisiva sobre a formação da ética na cultura européia em geral direta ou indiretamente, através dos ensinamentos éticos na literatura apócrifa[1] e no Novo Testamento que se baseiam na ética bíblica.

Ética social.
O mandamento para evitar causar injustiça a um ser humano ou fazer mal ao fraco é fundamental à ética bíblica. A maior parte dos mandamentos éticos especificados na Bíblia pertencem a esta categoria: a devida justiça (Ex. 23:1-2; Deut. 16:18-20); evitar subornos (por exemplo, Ex. 23:8), roubos e opressão (Ex. 22:20; Deut.24:14); a defesa da viúva e do órfão; o comportamento demonstrando compaixão para com o escravo; e a proibição de bisbilhotar. Acrescidos a estes estavam as ordens para sustentar os pobres (Deut. 15:7-11), alimentar os famintos e vestir os nús. (Isaías 58:7; Ezequiel, 18:7).

A conclusão radical, porém lógica, que surgiu disto tudo é que o homem é obrigado a suprimir seus desejos e alimentar até mesmo seu inimigo (Prov. 25:21), devolver ao inimigo a propriedade que este perdeu e o ajudar a levantar seu asno que está prostrado sob a carga que carrega (Ex. 23:4-5). A ética bíblica, que adverte o homem a amar e a respeitar o próximo, atinge seu nível mais elevado no mandamento que começa com: “Você não deverá odiar teu irmão em seu coração, ou repreender o teu próximo”, e conclui com “amarás a teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor” (Lev. 19:17-18). O principal objetivo deste mandamento, assim como de outros, é evitar o ódio infundado que destroi a vida da sociedade.

A tendência geral da ética social foi resumida pelos profetas que disseram: “Odeie o mal e ame o bem e estabeleça a justiça no portão” (Amós 5:15); e da mesma forma “Ele lhe disse, ó homem o que é bom; e o que o Senhor requer de você é que você faça justiça e ame a bondade e, que caminhe humildemente com seu D’us” (Miquéias 6:8). Estas passagens e outras semelhantes não apenas resumem os ensinamentos da ética, mas também colocam-na no centro da fé judaica. Um resumo dos ensinamentos da ética bíblica está contida no bem conhecido dito de Hilel: “Não faça aos outros o que não queres que te façam” (Shab. 31a)

A perfeição ética do indivíduo.
Ao contrário do sistema ético da filosofia grega, que procura definir as várias virtudes (quem é corajoso, generoso ou justo, etc.), a Bíblia exige que todo ser humano faça boas ações e se comporte de forma virtuosa com relação ao próximo, sem se preocupar com definições abstratas. Esta atitude é expressa de forma quase explícita em Jeremias 9:22-23: “Não deixa que o sábio se vanglorie de sua sabedoria, nem que o homem forte se glorifique de sua força, nem que o rico se vanglorie de sua riqueza. Porém, o que se vangloria que se glorie apenas de uma coisa: em me conhecer e me saber, pois eu sou o Senhor que exerce a bondade, a justiça e a equidade no mundo; pois nisto eu me regozijo – declara o Senhor”. Disso se entende que a essência da ética bíblica é o fazer o que é certo e justo.

O ideal da ética pessoal é o tzadik (o homem bom). O profeta Ezequiel define-o detalhadamente com o fim de explicar a doutrina da recompensa e da punição. Sua definição nada mais é do que a enumeração dos atos que o homem bom realiza e daqueles dos quais se abstêm (Ezequiel 18:5-9). A essência de todos estes atos é uma relação adequada entre o homem e seu próximo, com uma única exceção: o mandamento que exige banir a idolatria, que é exclusivamente um dever do homem para com D’us. Uma definição semelhante do homem bom aparece em Isaias 33:15 e no Salmo 15. Acrescido ao ideal do homem justo nos Salmos, há o homem temente a D’us que encontra alegria nos ensinamentos de D’us e no seu culto e que afasta a vida destituída de a honestidade ética (exemplo no Salmo No. 1). O ideal da ética pessoal recebeu expressão subseqüente no personagem de Abraão, a quem se creditou várias qualidades especialmente boas e nobres: ele foi complacente em sua relação com Lot [ou Ló], hospitaleiro e cheio de compaixão com respeito aos habitantes de Sodoma, humilde e generoso ao lidar com o povo de Heth [ou Hete] e, recusou-se a lucrar com a pilhagem da guerra com Amrafel [ou Anrafel].

Diferenciando a Característica de Ética Social na Bíblia.
O alto nível da ética bíblica que se evidencia no mandamento para amar o próximo, no caráter de Abraão e no primeiro Salmo, é peculiar à Bíblia e é difícil encontrar um paralelo em qualquer outra fonte. Entretanto, os mandamentos éticos gerais na Bíblia, os quais se baseiam no princípio de se evitar causar mal aos outros, são uma preocupação humana geral e constituem as bases da ética.

Algumas características chave da ética bíblica, tais como a devida justiça e os direitos da viúva e do órfão, eram prevalecentes no antigo Oriente Médio. Portanto, não se pode generalizar e dizer que que a Bíblia é única entre as obras religiosas no que diz respeito ao conteúdo de seus ensinamentos éticos. Entretanto, a Bíblia difere de qualquer outra obra religiosa ou ética quanto à importância que atribui à simples e fundamental exigência ética. As outras nações do antigo Oriente Médio revelavam seu senso ético nas composições que são marginais às suas culturas: em alguns provérbios dispersos na literatura, em prólogos a coletâneas de leis, nas várias leis específicas e nas confissões (ver abaixo). A conexão entre os ensinamentos éticos e as criações culturais principais – as imagens de deuses, o culto , o corpo principal da lei – é fraco. Por vezes, porém nem sempre, as aspirações éticas destas culturas são expressas em sua religião e organização social, ao passo em que a Bíblia põe a exigência ética no foco da religião e da cultura nacional. A exigência ética é de importância fundamental para os profetas, que declaram especificamente que esta é a essência de seus ensinamentos religiosos. Capítulos básicos da lei bíblica – os Dez Mandamentos, Levítico 19, as bênçãos e maldições do Monte Gerizim e Monte Ebal (Deuteronômio 27:15-26) – contém muitos mandamentos éticos importantes. A lei bíblica em si testemunha seu objetivo ético: “que grande nação tem leis e normas tão justas (tzadikim) como todo este Ensinamento...” (Deut. 4:8). Enquanto a sabedoria da literatura de Israel é semelhante àquela de culturas vizinhas, difere na grande ênfase que coloca sobre a educação ética (ver abaixo).

A suposição de que D’us é – ou deveria ser – justo e a questão da recompensa e punição que acompanha esta premissa são as bases das experiências religiosas encontradas nos Salmos, em Jó e algumas passagens proféticas.

A opinião de Hilel, o Velho, de que a exigência ética é a essência da Torá pode ser questionada, pois não pode ser dito que é o único pilar da fé bíblica. Entretanto, certamente há uma clara tendência na Bíblia de se colocar a exigência ética no foco da fé, mesmo se ela for compartilhada com outras preocupações tais como o monoteísmo.

Os ensinamentos éticos da Bíblia, embora claros e vigorosos, não são extraordinários em seu conteúdo, pois a Bíblia não requer nada mais do que comportamento adequado que é necessário para a existência da sociedade. A ética bíblica não exige, conforme exigem outros sistemas de ética (Cristianismo, Budismo e mesmo alguns sistemas no Judaísmo posterior), que o homem se afaste completamente, ou mesmo parcialmente, da vida diária para atingir a perfeição. O asceticismo, que encara a situação humana normal como a raiz do mal, é estranho à Bíblia e às culturas do Oriente Médio em geral. A Bíblia aprova a vida como ela é. Conseqüentemente ela faz suas exigências éticas compatíveis com a realidade social. Entretanto, o grau de justiça que pode ser alcançado dentro dos limites da realidade é exigido com um claro vigor que não permite concessões. Isto torna a Bíblia mais radical do que a maioria dos sistemas éticos. Os ensinamentos éticos da Bíblia, como a Bíblia em geral, são endereçados primeiro e antes de tudo para Israel, mas algumas passagens bíblicas estendem a exigência ética englobando toda a humanidade, tal como as leis de Noé (Gênesis 9:1-7), a história de Sodoma (Gênesis 19:20) ou a resposta de Amós contra os reinos vizinhos quanto a sua crueldade (Amós 1:3-2:3). O cenário do Livro de Jó, também está fora do contexto Israelita[2].

Ensinamentos éticos na Bíblia.

MEIOS DE INSTRUÇÃO.
A orientação acerca da ética bíblica é uniforme em seu conteúdo, mas é expressa de formas diferentes de acordo com o ponto de vista de cada livro específico da Bíblia. A expressão mais forte e mais radical do objetivo da ética bíblica é encontrado nas repreensões dos profetas, que castigam as pessoas implacavelmente pelas transgressões éticas e exigem a perfeição ética sem concessões (principalmente no âmbito da ética social). Mas suas repreensões não constituem realmente instrução, porque nem sempre ensinam como a pessoa deve se comportar em determinadas situações.

A lei Bíblica se preocupa em fornecer o ensinamento ético através de ações específicas. Os capítulos jurídicos da Torá proíbem explicita e detalhadamente várias transgressões, tais como o assassinato, o roubo e a chantagem e exigem explicitamente o sustento aos pobres, o amor ao próximo, etc.

O livro de Jó também enfatiza o mandamento que sujeita o indivíduo ao comportamento justo, porém por outro aspecto. Jó não se contenta em protestar não ter cometido as transgressões de roubo, opressão ou chantagem, mas afirma que na realidade, observou os mandamentos éticos positivos, sendo rigoroso consigo mesmo mais além do que a Lei exigia. Ele reivindica, por exemplo, que fez muito para apoiar aqueles que precisaram de sua ajuda: “Porque eu resgatei os pobres que choravam e os órfãos que não tinham quem os ajudasse. A benção dos desamparados veio sobre mim e eu alegrei o coração da viúva” (Jó 29:12-13). Jó 31 contém uma série de juramentos relativos à sua probidade começando com “’im”, “se”, que frequentemente é equivalente a “eu juro”: “(Eu juro) que não rejeitei a causa de meu servo....” (verso 13): “(Eu juro) que não fiz do ouro minha crença....” (verso 24).

Os ensinamentos éticos em todos os livros bíblicos estudados até agora são considerados como elementos essenciais das exigências de D’us para com os homens. A este respeito, a atitude de Provérbios é diferente. A maioria dos provérbios objetiva provar ao homem que vale a pena seguir o bom caminho, ao invés de seguir a simples sabedoria mundana. Por exemplo, os Provérbios não declaram que o adultério é proibido, mas apontam para os perigos do mesmo (6:24-35). Numa linha semelhante estão os seguintes versos: “Não difame o servo perante seu amo, a fim de que o mesmo não te amaldiçoe e fiques culpado”(Prov. 30:10) e “Se teu inimigo tiver fome, da-lhe pão para comer... pois assim amontoarás brasas em fogo sobre a sua cabeça e o Senhor recompensar-te-á” (25:21-22). Embora também haja referência a D’us aqui, o homem é colocado no centro da instrução ética. Esta abordagem é mais prática e mais funcional do que a abordagem da Bíblia em geral, devido à orientação educacional prática do Livro dos Provérbios. Porquanto os Provérbios pertencem à categoria geral da literatura das Sabedorias que prevalecia no antigo Oriente Médio, ainda assim ele difere de outras obras deste tipo no que tange à importância que dá à instrução ética: nos Provérbios a instrução ética assume uma importância fundamental, ao passo que na literatura das Sabedorias dos povos do antigo Oriente Médio ela assume uma importância secundária. Existem duas razões para tal fato: em primeiro lugar, os Provérbios objetivam a educação de jovens cidadãos, ao passo que as obras de Ahikar e a literatura didática egípcia dão mais ênfase no treinamento do oficial; em segundo lugar, a literatura das Sabedorias Israelita identificou o homem justo com o sábio por um lado e, por outro, o homem mau com o tolo (ex. Prov. 10:21,23).

Eclesiastes, naqueles capítulos que se desviam da literatura das Sabedorias estereotipada, põe sombras de dúvidas sobre o benefício da erudição em geral e sobre a instrução ética funcional contida nos Provérbios. Ele sabe que “não há um homem justo sobre a terra que não faça o que é melhor (isto é, que leve aos resultados mais desejáveis, 6:12)e que não erre” (7:20). Em seu desespero ele diz: “não exagere a bondade...”(7:16-18).

INSTRUÇÃO ÉTICA NA NARRATIVA BÍBLICA.
A narrativa é única forma literária bíblica que não está completamente permeada por orientação ética. Nas narrativas bíblicas, a instrução ética é apresentada indiretamente na forma de palavras de louvor para feitos nobres e mesmo este louvor, na maior parte das vezes, não é explícito. Feitos que são incluídos como sendo nobres incluem a fuga de José do adultério(Gen. 39:7-18), a misericórdia demonstrada por Davi [ou David] ao não matar Saul (Sam I 24; 26:3-25) e a história de Rispa [ou Rizpa], filha de Aiá (Sam II 21:10). Abraão é o único personagem bíblico que pode ser verdadeiramente descrito como um modelo ético. Os outros heróis na narrativa bíblica (Judá, José, Moisés, Calebe [ou Caleb] e Josué), embora abençoados com excelentes qualidades, não são descritos como modelos de perfeição ética. A Bíblia retrata claramente suas falhas (embora de forma implícita: a fraqueza de caráter de Isaque, a astúcia de Jacó, os pecados de Saul e de Davi) e não faz a menor tentativa de encobrir os defeitos de seus heróis. Entretanto, a regra na narrativa bíblica é que a punição apropriada segue às transgressões específicas. Jacó, que comprou o direito de progenitura por meio de fraude, é, por sua vez, enganado por Labão; Davi é punido por seu pecado com Bate-Seba e assim por diante.

Mesmo assim, estas características não são especialmente enfatizadas e assim não dão à narrativa bíblica uma orientação ética importante. Foi dito que a narrativa bíblica não assume uma clara postura moral, mas se regozija no sucesso de seus heróis, mesmo que os eles ajam de forma imoral (Jacó quando comprou o direito de progenitura; Raquel quando roubou os ídolos da casa; Jael quando matou Sísera). É verdade que a principal intenção da narrativa bíblica é tornar conhecida a grandeza de D’us, cujos atos são os únicos perfeitos. Assim, o narrador pode se dar ao luxo de ver os seres humanos como eles são. Ele não se força a moralizar demais seus heróis ou fazer deles homens-modelo, mas introduz o aspecto ético apenas quando o mesmo se adapta à história. Assim, na atitude do narrador para com seus heróis, observamos um tipo de conhecimento tolerante e informado acerca da natureza humana. É isto o que torna a maioria das histórias bíblicas fascinantes.

A LEI E A ÉTICA.
A Bíblia não faz uma distinção formal entre aqueles mandamentos que poderiam ser classificados como éticos daqueles que são relacionados com rituais (circuncisão, sacrifícios, a proibição de ingestão de sangue), ou daqueles que lidam com medidas jurídicas comuns. Portanto, os sábios são obrigados a diferenciar entre as categorias acima e verificar onde aparece o objetivo ético. Este pode ser diferenciado através do reconhecimento da diferença entre o mandamento básico geral “Não matarás” e as leis relativas ao castigo do assassino (ex. Num 35). Assim, os mandamentos éticos, no senso estrito, são leis sem sanções a serem obedecidas mas não impostas a força, por exemplo, os mandamentos sobre a respigadura, o feixe esquecido e a borda do campo (Lev. 19:9-10, em hebraico: Leket, Shichechá e Pe’á[3]): a proibição de fazer mal ao órfão e à viúva (ex. Ex. 22:21-23) ou a proibição ao atraso do pagamento dos salários (Lev. 19:13).

Além dos mandamentos claramente éticos, existe uma tendência geral na lei bíblica de se enfatizar a aspiração de justiça que é a base para toda lei. Na verdade, toda lei se baseia no ponto de vista ético do legislador e tenta, através do poder de regulamentos práticos, impor a ética aceita pela sociedade existente. A lei bíblica, entretanto, aspira de forma clara e consistente atingir este objetivo, como no exemplo “Justiça, justiça perseguirás” (como resumo dos regulamentos práticos relativos ao estabelecimento dos tribunais, Deut. 16:18-20). As leis da Bíblia são definidas explicitamente como “leis e estatutos justos” (Deut. 4:8). Da mesma forma, as razões éticas e sociais foram vinculadas a várias leis, tais como o mandamento para o Shabat: “Que teu escravo e tua escrava denscansem como tu. Lembra-te de que foste escravo...” (Deut. 5:14-15). Esta tendência é revelada nas leis cuja finalidade era defender o fraco e limitar o poder do opressor, tais como as leis regendo o escravo hebreu (Ex. 21:2; Deut. 15:12) ou a punição relativamente branda ao ladrão.

Ainda assim, é preciso lembrar que a lei se baseia não apenas no ponto de vista abstrato do legislador, mas também nas necessidades da sociedade de acordo com sua estrutura e costumes peculiares. Assim, uma avaliação da lei bíblica é incompleta se for considerado apenas o aspecto ético. Entretanto, a discussão do objetivo da lei não é essencial para a definição da ética bíblica.

NO PENSAMENTO JUDAICO POSTERIOR[4]

A religião judaica tem um caráter essencialmente ético. Desde suas origens bíblicas até o seu presente estágio de desenvolvimento, o elemento ético sempre foi central na religião judaica, tanto como princípio assim como objetivo. Entretanto, a íntima relação entre a religião e a ética foi interpretada de forma diferente em diferentes períodos do Judaísmo. Pelo menos duas tendências principais podem ser diferenciadas: a primeira identifica a ética judaica com a moderação (o meio-termo) e a segunda insiste nas exigências extremas de uma ética absoluta.

Na literatura talmúdica, as preocupações legislativas nunca são a última palavra. Não apenas a agadá[5] completa e modera a autonomia da halachá[6] por meio de lições morais e não apenas o tratado Avot é uma antologia de pensamento moral; mas, com maior obviedade, em cada conflito entre a rigidez jurídica da lei e os critérios da ética, o último supera o primeiro. O temor a D’us é superior à sabedoria. A ação sobrepuja as idéias. O homem é chamado a tomar uma posição não a favor da razão, mas a favor do bem. A ética aparece não na forma de princípios especulativos, mas em termos de experiência humana. Os sábios do Talmud são apresentados como exemplos morais e o ideal de santidade é identificado com uma vida escrupulosamente honesta e pura.

A literatura medieval e moderna testemunha uma tendência dupla de formular uma ética que seja tanto teórica como prática. Alguns filósofos judeus da Idade Média desenvolveram formulações sistemáticas de idéias éticas judaicas, como por exemplo Saadiah Gaon e Shlomo ibn Gabirol, cujo Tikun Midot há-Nefesh é inusitado por expor uma ética autônoma que não tem conexão com a doutrina religiosa. Shemona Perakim, obra clássica da ética judaica escrita por Maimonides, mostra semelhanças com a Ética de Aristóteles. Raramente encontramos um filósofo ou exegeta[7] judeu da Idade Média que não devote pelo menos parte de sua obra a demonstrar que o corpo do pensamento judaico e suas fontes bíblicas ou talmúdicas giravam ao redor da ética.

Esta tendência continua até a era moderna, quando filósofos judeus desde Moshe Mendelssohn colocam a ética no centro de sua descrição do universo. Por exemplo, Moritz Lazarus e Elias Benamozegh no século 19, deram a esta tendência uma expressão clássica: um compondo uma obra clássica denominada Die Ethik des Judentums (“A Ética do Judaísmo”) e o outro comparando a ética Judaica com a Cristã (Morale juive e morale chrétienne). Seria inadequado mencionar aqui Espinosa, pois enquanto seu Tractatus Theologico-Politicus mostra influências judaicas, o mesmo não se pode dizer com respeito à sua Ética.

Além da literatura mencionada, existe uma série de obras que são importantes para o desenvolvimento da ética judaica medieval e moderna, porque refletem uma experiência individual e coletiva. A Kabalá e outras correntes místicas contribuíram muito para a emergência destas obras. Exemplos deste tipo de literatura são : Hovot há-Levavot de Bahya ibn Paquda, o Sefer Hassidim de Hasidei Ashkenaz[8] e Mesillat Yesharim de M. H. Luzzatto. Estas obras se tornaram muito populares e foram adotadas por círculos judaicos opostos, tais como os Hassidim[9] e os Mitnagedim[10].

No século 19, sob a influência de R. Israel Lipkin (Salanter), o movimento Musar[11] reintroduziu a primazia da ética nas academias talmúdicas altamente intelectuais.

O meio-termo e o absoluto.
A íntima conexão entre a religião e a ética foi interpretada diferentemente em diferentes períodos da vida e do pensamento judaicos. Podem ser diferenciadas pelo menos duas tendências principais. Alinhada com o ideal estabelecido nos Provérbios e em vários Salmos, bem como nos escritos judaicos da era helenística e ensinamentos do período rabínico em Ertez Israel, a ética judaica empenha-se em ser moderada. Condena excessos, obviamente no sentido do mal, mas também no sentido do bem: condena igualmente a ganância e o desperdício, a devassidão e a abstinência, o prazer e o asceticismo, a irreverência e o fanatismo.

Maimônides desenvolveu esta identificação da ética judaica com o meio-termo (Shemonah Perakim; Yad, De’ot) ao longo do tempo, ele tende em direção a uma posição mais ascética. A maioria dos filósofos judeus modernos seguiu o ponto de vista geral de Maimônides e o tema da moderação na ética judaica. Consequentemente, eram opostos ao extremismo ético tal como o do cristianismo, e este ponto de vista se tornou um lugar comum na apologética[12] judaica.

Entretanto, a noção de moderação não é a única faceta da ética judaica. Os livros bíblicos de Jó e Eclesiastes criticam fortemente o meio-termo. Principalmente no livro de Jó, onde o meio-termo é recomendado por seus amigos, mas é finalmente rejeitado por D’us. O Talmud vai mais adiante ao declarar que a atitude de moderação é a atitude de Sodoma: “Aquele que diz, ‘O que é meu é meu e o que é teu é teu’ – este é o meio-termo e alguns dizem que este é o modo de Sodoma” (Avot 5:13). Portanto, não é surpreendente que o Talmud exalte os sábios bem conhecidos que, indo além da estrita letra da lei (lifenim mishurat hadin), deram toda sua fortuna aos pobres (R. Yeshevav), praticaram o celibato (Ben Azzai), gastaram muitas horas do dia e da noite em orações (R. Hanina b. Dosa) e, no geral, pareceram se conformar aos ideais monásticos dos Essênios[13]. O asceticismo é central nas obras de Bahya e Luzzatto, do Sefer há’Hassidim e, de certa forma, mesmo para o hassidismo do século 18. É verdade que neste movimento místico, cuja influência ainda se sente hoje em dia, o asceticismo foi transformado em alegria, mas a ética desta alegria era tão extrema e absoluta quando a ética ascética.

Portanto, seria incorreto associar a ética judaica com uma atitude uniforme e moderada. Esta atitude, que é frequentemente apresentada como um contraste à ética cristã, é na verdade apenas um aspecto da ética judaica. O outro aspecto, com suas exigências extremas e absolutas, é igualmente típico do pensamento judaico.

Bibliografia

NA BÍBLIA: F. Wagner, Geschichte des Sittlichkeitsbegriffs (1928-36); A. Weisner, Religion und Sittlichkeit der Genesis (1928); W.I. Baumgarten, Israelitische und altorientalische Weisheit (1933), 4-7, 24-30; F.R. Kraus, in: ZA, 43 (1936), 77-113; Kaufmann Y., Toledot, 1 (1937), 27 ff., 31 ff., 431-2; 2 (1945), 68-70, 557-628; J. Hempel, Das Ethos des Alten Testaments (1938); H.Duesberg, Les scribes inspirés, 1 (1938), 92-126, 481-500; H. Frankfort, Ancient Egyptian Religion (1948), 56-80; N.W. Porteous, in H.H. Rowley (ed.), Studies in Old Testament Prophecy (1950), 143-56; E. Neufeld, The Hittite Laws (1951), 53; A. Gelin, Morale et l’Ancient Testament (1952), 71-92; H. Kruse, in: Verbum Domini, 30 (1952), 3-13, 65-80, 143-53; H. Bonnet, Reallexikon der aegyptischen Religionsgeschichte (1952); W.G. Lambet, in: Ex Oriente Lux, 15 (1957-58), 184-96; idem, Babylonian Wisdom Literature (1960); S.E. Loewenstamm, in: Sefer S. Dim (1958), 124-5; idem, in BM, 13 (1962), 55-59; E. Jacob, in: VT Supplement, 7 (1960), 39-51.



JUSTIÇA

Por: Rabino Dr. Raphael Posner (Professor Honoris Causa e Rabino, Professor Assistente de Literatura Rabínica no Jewish Teological Seminary of America, Jerusalém) e pelo Conselho Editorial.

Declarou-se amplamente que a justiça é o valor moral que caracteriza singularmente o Judaísmo tanto conceitual como historicamente. Historicamente, a busca judaica pela justiça começa com declarações bíblicas do tipo “ Justiça, justiça (em hebraico tzedek) perseguirás” (Deut. 16:20). Do ponto de vista conceitual, a justiça ocupa um lugar central na visão judaica do mundo e muitos outros conceitos judaicos básicos evoluem à volta da noção de justiça.

O primeiro atributo de ação de D’us é a justiça (em hebraico mishpat: Gen. 18:25; Sl. 9:5). Seus mandamentos aos homens, e especialmente para Israel, têm essencialmente o objetivo de estabelecer a justiça no mundo (ver Sl. 199:137-44). Os homens cumprem esta finalidade agindo de acordo com as leis de D’us e de outras formas imitando a qualidade divina da justiça (Deut. 13:5; Sot. 14a; Maimônides, Guia dos Perplexos 1:54, 3:54). Este processo de estabelecimento de justiça no mundo deverá ser completado no reino messiânico de justiça universal (ver Isa. 11:5ff.; Deut.R. 5:7). Portanto, assim como a própria Torá, que é um paradigma, toda a História começa e termina com justiça (Ex. R. 30:19).

Os dois principais termos bíblicos para justiça são tzedek e tzedaká. Eles se referem tanto à justiça divina como à humana, bem como às “obras da justiça” (Ex. 9:27; Prov. 10:25; Sl. 18:21-25). Esta justiça é essencialmente um sinônimo de divindade (Isa. 5:16). Ademais, na Bíblia, a “justiça” é tão consistentemente comparada com a “misericórdia” ou com a “graça” (chesed; Isa. 45:19, Sl. 103:17ff.), que nos tempos talmúdicos e posteriores, o termo tzedaká veio a significar quase que exclusivamente “caridade” ou “trabalhos de amor” (BB 10b)e a noção de “justiça” é apresentada pelos termos “verdade” (emet), “confiança” (emuná) e “integridade” (yosher). Finalmente, ao longo da literatura, outros valores, principalmente paz e redenção, são consistentemente associados com justiça, como sendo seus componentes ou produtos (Os.12:7; Sl. 15:1; Ta’an. 6:12). Portanto, todo o espectro de valores éticos está virtualmente compreendido dentro da noção de justiça.

A justiça judaica é diferente da visão filosófica clássica (Grega - Ocidental) deste conceito. Nesta última, a justiça é geralmente considerada sob os títulos de “distributiva” e “retribuidora”. Estes conceitos, é claro, também são englobados na tzedaká, mas enquanto a justiça “distributiva” e “retribuidora” são essencialmente princípios de procedimento (isto é, como fazer as coisas), a justiça judaica é essencialmente substantiva (isto é, como deveria ser a vida humana). A justiça substantiva depende de um compromisso final de valores (isto é, messiânico). Isto também é deixado claro pelos pensadores modernos tais como Hermann Cohen, que encara a sociedade justa como a sociedade ideal de dignidade humana e liberdade universais (Ethik des reinem Willens (1904). capítulo 15; Religion der Vernunft aus des Quellen des Judentums (1929), capítulo 19) e Ch. Perelman, que em sua análise de justiça escreve “.... e no final, cada um sempre enfrentará uma certa visão irredutível do mundo expressando valores e aspirações não racionais [embora justificáveis]” (Perelman, Justice (1967), 54). Embora Perelman não reivindica estar discutindo um conceito particularmente judaico, ele tem consciência do conteúdo judaico de seu etos[14] (cf. W. Kaufmann em: Review of Metaphysics, 23 (1969), 211, 224ff., 236).

A visão substantiva da justiça se preocupa com a melhoria completa da vida humana e, acima de tudo, da vida social. Assim, se espalha por todas as relações humanas e as instituições sociais – o estado ( a dicotomia comum entre a responsabilidade individual e coletiva, frequentemente ilustrada pelo contraste entre Ex. 20:5 e Ezek. 18, é transcendida no reconhecimento da interrelação dialética entre as duas em Deut. 24:16, juntamente com Lev. 19:16 (ver também Sanh. 73a) e no envolvimento contemporâneo do cidadão individual nas ações coletivas de sua nação), tribunais (por ex. 11 Chron. 19:6. Yad, Sanhedrin, 23:8-10), economia (Lev. 19:36) e assuntos particulares. Na realidade, a única prática positiva também imposta a todos os não judeus é o estabelecimento de tribunais de justiça (Sanh. 56a).

A justiça não é contrastada com amor, mas sim correlacionada com ele. Na literatura rabínica, na filosofia judaica e na Kabalá, D’us é descrito como atuando a partir de dois “atributos de legitimidade e compaixão” (PR 5:11,40:2; Maimônides, Guia dos Perplexos 3:53).

O problema crítico pertencente à justiça é aquele da teodicéia (doutrina da justiça divina): se D’us é justo e rege o mundo, como podem ser explicados os sucessos do mal? O problema da teodicéia, um tema recorrente na literatura, é levantado pelo Salmista e é o tema de Jó. E, é também o assunto da história de Elie Wiesel, escrita na esteira do Holocausto, na qual três rabinos intimam D’us para um julgamento e o consideram culpado. Na história do pensamento judaico, embora muitas soluções para o problema tenham sido sugeridas, entre elas a noção essencialmente neoplatônica[15] de que o mal é privação, isto é, que não é algo positivo em si, mas meramente a ausência do bem (Guia dos Perplexos 3:18-25); a visão de que o mal e o sofrimento constituem provações do justo, ou as “aflições do amor” na literatura rabínica, isto é, D’us testa os justos fazendo-os sofrer em seu mundo; e a doutrina da recompensa e punição no Olam há-Ba[16] (Sanh. 90b-92a: Albo, Sefer há-Ikkarim 1:15).

Os rabinos encaram Moisés como o ideal da justiça rigorosa e inflexível, em contraste com Arão [ou Aarão], que é o protótipo do ideal de paz. Eles interpretam o incidente do Bezerro de Ouro como exemplo do problema que surge com o choque destes dois ideais (cf. Sanh. 6a-7b e paralelos). No mesmo contexto, eles sugerem que o compromisso em casos legais possa constituir uma negação da justiça (ibid.)

Embora não seja uma solução, pode se tentar dar uma resposta ao problema da teodicéia em duas direções: (a) para protestar contra a injustiça na tradição de Jó, de Honi ha-Me’aggel e do líder hassídico Levi Isaac de Berdichev, que é possível apenas perante uma autoridade responsável, isto é, um D’us justo; (b) para encarar a justiça como um conceito normativo ao invés de descritivo, como o faz Cohen, que escreve que a “justiça mantém a tensão entre a realidade e o ideal eterno” (Religion der Vernunft, p.569). De acordo com este ponto de vista, a justiça pode ser procurada apenas no futuro – seja no futuro da humanidade como um todo (a Era Messiânica) ou do indivíduo – isto é, em D’us, cuja justiça de julgamento é confirmada na benção recitada na hora da morte, “abençoado seja o Juiz justo”.

O homem é obrigado a imitar a D’us agindo de acordo com o princípio de justiça com compaixão (Miquéias 6:8; Mak. 24b; BM 30b, 83a) e – na consumação final da história – a justiça e a misericórdia se tornam idênticas.


Bibliografia

Fassel, Tugend- und Rechtslehre … des Talmuds… (1848, 1862); M. Bloch, Die Ethik in der Halacha (1886); S. Schaffer, Das Recht un seine Stellung zur Moral nach talmudischer Sitten- und Rechtslehere (1889); M. Lazarus, Die Ethik des Judentums, 2 vols. (1904-11); I.S. Zuri, Mishpat ha-Talmud, 1 (1921), 86 ff.; S. Federbusch, Ha-Musar ve-ha-Mishpat be-Yisrael (1947); S. Pines, Musar ha-Mikra ve-ha-Talmud (1948); J.Z. Lauterbach, Rabbinic Essays (1951), 259-96; ET, 1 (1951), 228-30, 334 f.; 7 (1956), 382-96; E. Rackman, in Judaism, 1 (1952), 158-63; Y. Kauffmann, The Religion of Israel (1960), 122-211, 291-340; M. Silberg, Kakh Darko shel Talmud (1961); M. Elon, in: De’ot 20 (1962), 62-67; Z.J. Melzer, in: Mazkeret … le-Zekher … ha-Rav Herzog (1962), 310-5; B. Cohen, in: Jewish and Roman Law, 1 (1966), 65-121; 2 (1966), 768-70; E. Urbach, Hazal – Pirkei Emunot ve-De’ot (1969), 254-347.

TRABALHO

Por: Prof. Moshe Greenberg (Doutor e Rabino, Professor de Bíblia na Universidade Hebraica de Jerusalém) e pelo Conselho Editorial.

NA BÍBLIA E NA LITERATURA APÓCRIFA.

Dirigida ao homem comum, a Bíblia encara o trabalho como o destino do homem e um aspecto da ordem cósmica. De acordo com o Gênesis 2:5, uma condição da criação da vida vegetal foi a presença do homem para cultivá-la: o papel de Adão era de arar e manter o Jardim do Éden (Gênesis 2:15). Da mesma forma, as visões utópicas dos profetas dão como certo a continuação do trabalho do homem (conforme Isaías 2:4 “... em arados .... podadeiras”), a benção dos tempos sendo manifestada na abundância dos produtos da terra (“O homem que ara a terra alcançará aquele quem colhe e o comerciante das uvas aquele que as semeia” Amós 9:13). A maldição trazida pelo pecado de Adão não foi o trabalho, mas o esforço sudorento requerido daí em diante para obter o pão de uma terra espinhosa e sedenta (Gênesis 3:17ff.).

O trabalho era considerado uma parte da ordem cósmica a tal ponto que mesmo D’us é ilustrado como um trabalhador. Ele “fundou” a terra, e os céus são o trabalho de suas mãos (ou “dedos”) (Salmos 8:4; 102:26). Foi ele quem “moldou” (yotzer) tudo (Jer. 10:16): o homem é barro e D’us o ceramista (yotzer; Isaias 64:7, baseado em Gênesis 2:7). Ele trabalhou seis dias para criar o mundo e descansou (Ex. 20:11; em Gênesis 2:2-3 “Parou”) no sétimo dia. Portanto os Israelitas precisam fazer o mesmo (Ex. 20:8ff.; cf. a lição de colher o mana, Ex. 16). Portanto, não é extraordinário que muitos heróis de Israel fossem trabalhadores ou que tenham começado como tais: Moisés (Ex. 3:1), Gideão (Juízes 6:11), Saul (11:5), Davi (17:34), Elias (Reis I 19:19) e Amós (1:1; 7:14).

A literatura das Sabedorias enaltece o trabalho e condena a preguiça e a indolência: “Quem é relapso em seu trabalho é irmão do destruidor” (Prov. 18:9). O indolente é mandado ao providente para uma lição de diligência (6:6ff.: cf 20:4). O trabalho é melhor do que as palavras (14:23), pois “aquele que ara seu solo terá pão em abundância, mas aquele que persegue coisas vãs terá pobreza em abundância” (28:19; cf. 10:4; 12:24). A mulher eficiente e trabalhadora (‘eshet hayil) não é menos louvada que o homem (‘ish mahir bi-melakhto) (22:29; 31:10ff.). O contentamento é o prêmio do trabalhador honesto.

Quando do trabalho de tuas mãos comerás,
feliz serás e te contentarás (Salmos 128:2)
Doce é o sono do trabalhador;
quer coma pouco, quer muito (Ecle. 5:11)

Entretanto, o sucesso não é o resultado automático do trabalho. “A não ser que o Senhor construa a casa, seus construtores terão trabalhado em vão” (Salmos 127:1); consequentemente, a felicitação costumeira com que são saudados os trabalhadores: “A Benção do Senhor seja convosco” (Salmos 129:8; conf. Juizes 6:12; Rute 2:4). Eclesiastes, um escritor posterior, concluiu depois de muito pensar e observar que até o desfrute das aquisições de uma pessoa era uma questão de sorte – um presente de D’us àqueles que o agradaram (por razões incompreensíveis ao homem; Ecles. 2:18-26; 3:12; 13:5; 12-6:2, etc.)

A Torá é solícita para com o assalariado. Um empregador precisa pagar a seu trabalhador diarista “no mesmo dia, antes do pôr do sol, porque ele é necessitado e depende urgentemente do dinheiro; caso contrário, ele clamará ao Senhor contra ti e a culpa recairá sobre ti” (Deut. 24:15; cf. Lev.19:13; sobre a duração do dia de trabalho, do nascer ao por do sol, cf. Salmos 104:23). Esta regra se aplica tanto aos trabalhadores Israelitas quanto aos estrangeiros (Deut. 24:14). As violações à injunção são denunciadas pelos profetas (Jer. 22:13; Mal. 3:5). As leis concernentes aos débitos, aos devedores e ao Jubileu[17] tinham como objetivo a proteção dos trabalhadores e camponeses.

Os Israelitas não aceitavam bem o recrutamento de mão de obra para servir a seus reis (isto é, a corvéia). Samuel advertiu os reis acerca das privações (Sam I 8:11-12), talvez com base na prática real cananita. Sob Salomão, os rigores eram tais (Reis I 5:27-28) que levaram à rebelião e secessão do Norte (Reis I 12). (Por meio de privilégio real, um cidadão ou família poderia ficar isenta (hofshi) de tal serviço: Sam. I 17:25). Uma olhada na vida entre tantas privações é dada por uma carta datada do sétimo século A.C., recuperada de uma fortaleza próxima a Yavneh, registrando a queixa de um trabalhador contra seu superior por ter–se apoderado de seu manto (Textos Pritchard (3), 568).

Na maioria das vezes, a literatura da época do Segundo Templo que se preservou expressa este ponto de vista plebeu. “Não odeie o trabalho duro ou a criação de animais” diz Ben Sira, “pois eles não foram ordenados por D’us (7:15). Issacar é a figura ideal de um camponês: trabalhador, casto e temente a D’us no Testamento dos Doze Patriarcas. Obrigações de tratar de forma amável a mão de obra contratada e não reter seu pagamento aparecem em Tobit 4:14; Ben Sira[18] 7:20, 34:22. O horror à vida de um mendigo é expresso em Ben Sira 40:28ff..

Uma nova nota (antecipada numa “Sátira sobre as Profissões” de origem egípcia, um milênio antes (Textos Pritchard, 43ff.)) é proferida em Ben Sira 38:24-34. Aqui a superioridade do escriba letrado sobre o trabalhador e o artesão é declarada de forma vigorosa. Admite-se que os últimos são necessários, mas seus horizontes são estritamente limitados pelos requisitos de seu trabalho.

Sem eles a cidade não pode ser habitada.
E onde eles morarem, não passarão fome.
Mas não serão chamados para o conselho público
E na assembléia não gozarão de precedência.
Não se sentarão na cadeira dos juízes,
E, não entendem a lei ou a justiça.
Eles não expõem a instrução da sabedoria,
Nem entendem os provérbios dos sábios.
Eles entendem o trabalho do mundo,
E seu pensamento está sobre a prática de sua arte (38:32-34)

Aqui que fala é um patrício[19] educado, anunciando uma luta de valores que logo iria amadurecer e se transformar num conflito sectário.

No Talmud.

Das muitas referências ao trabalho na literatura talmúdica, um quadro claro emerge da atitude rabínica com relação ao trabalho. A necessidade de ter uma ocupação foi levantada ao nível de um mandamento bíblico positivo. A primeira metade do Êxodo 20:9, “trabalharás seis dias”, foi vista como uma prescrição separada e não meramente como uma introdução à proibição do trabalho no Shabat. Rabi (Yehudá ha-Nasi) disse: “estas palavras constituem um mandamento separado. Da mesma forma como Israel foi instruído com relação ao Shabat, também foram instruídos com relação ao trabalho” (Mekh. SbY a 20:9; cf. ARN(3) 11,44 e Gen R. 16:8). As virtudes do trabalho são proclamadas constantemente: “O homem deve amar o trabalho e não odiá-lo”. Adão não participou de nada até que tenha trabalhado, e conforme é dito, “para vesti-lo e mante-lo”: a Shechiná[20] desceu sobre os filhos de Israel apenas depois deles terem trabalhado, conforme é dito, “e eles me farão um santuário e eu habitarei em seu meio” (ARN(3) Loc. Cot.).

Foram fornecidas duas razões para o dever de ser empregado e receber pagamento pelo trabalho. Uma foi a necessidade da independência econômica. Nenhum trabalho que permitisse tal independência era considerado degradante: ”Faça seu Shabat como um dia de semana (em relação a perder uma refeição especial acrescentada) ao invés de ser dependente de outros”. (Shab. 118a). “Esfole uma carcaça na rua e ganhe um soldo e não diga: ‘Eu sou um grande homem e o trabalho degradante não é para mim’” (BB 110a); e “aquele que aprecia o trabalho de suas mãos é maior do que o homem que teme o céu” (Ber,8a). Quando R. Yehudá foi ao beit midrash[21], ele carregou uma bilha em seu ombro declarando “grande é o trabalho, pois ele honra a pessoa que o executa” (Ned. 49b) “Grande é o trabalho, pois mesmo o sumo sacerdote, se fosse entrar no Santo dos Santos no Dia do Perdão em outro momento que não o do Avodá, é passível de morte; mas para alí trabalhar, mesmo aqueles ritualmente impuros ou maculados, tiveram a permissão de entrar” (Mekh. SbY a 20:9).

Não menos importante, contudo, foi a consideração do mal social da indolência, independentemente das necessidades econômicas: “A indolência leva à falta de castidade”, ou “à degeneração” (Ket. 5:5) e “nenhum homem morre, exceto pela indolência” (ARN ibid.) “Se um homem não tem trabalho a fazer, o que deverá fazer? Se ele tem um quintal ou campo negligenciado, deixe-o ir e trabalhar nele” (ibid). “Aquele que não ensina um ofício a seu filho, é como se o tivesse ensinado a ser um ladrão” (Kid. 29a). Aquele que tem um ofício é como se fosse uma videira cercada por uma cerca protetora” (Tosef. Kid. 1:11). O valor terapêutico do trabalho também é enfatizado (Git. 67b).

Entretanto, até onde é possível, deveríamos ser seletivos ao escolher uma ocupação. Havia ofícios “limpos e fáceis” tais como a fabricação de perfumes e bordados, mas também havia ocupações inferiores tais como “condutor de asnos, carroças, pastoreio e donos de lojas”. O ofício de açougueiro era visto como sendo especialmente inferior e para evitá-lo, as pessoas preferiam escolher os ofícios anteriores. Da mesma forma, ofícios que colocavam os homens em contato indesejável com mulheres, tais como joalheiros, cardadores de lã, barbeiros, lavadores e ajudantes de banhos, deveriam ser evitados (Kid. 82a-b).

A dignidade do trabalho era enfatizada: “Aqueles engajados no trabalho não precisam ficar em frente a um sábio enquanto estiverem engajados em suas tarefas” (Kid. 33a). Enfatizou-se que trabalhadores também são “os filhos de Abraão, Isaque e Jacó” (BM 7:1).

Não obstante, este ponto de vista sobre a suprema importância do trabalho em si é diminuído pela consideração de que o ideal mais elevado é estar livre de toda e qualquer ocupação mundana de forma a ser capaz de se devotar totalmente às atividades espirituais: ao estudo da Torá, ou em geral “para servir ao Criador”. De acordo com este ponto de vista, o trabalho é uma punição infligida ao homem: “Shimon ben Eleazar disse: “ Alguma vez você já viu um animal ou pássaro selvagem praticando um ofício? Mesmo assim encontram seu sustento sem problemas, embora tenham sido criados apenas para me servir. Porém eu, que fui criado para servir meu Criador, tanto mais deveria receber para meu sustento sem problemas? Mas eu forjei o mal e assim perdi meu direito’” (Kid. 4:14). Este ponto de vista é enfatizado por Simeon bar Yochai: “Se um homem tem que arar durante a época de se arar, colher ... debulhar... e separar o joio do trigo, o que acontecerá com a Torá? Mas quando Israel preencher o desejo do Onipresente, seu trabalho será feito para ele por outros e quando não cumprirem com a vontade do Onipresente, não apenas eles terão de realizar o trabalho eles mesmos, mas terão de realizar o trabalho dos outros” (Ber. 35b:cf ARN 11:44). Sua expressão mais elevada está na declaração de Nehorai: “Eu ignoraria todas as profissões do mundo e ensinaria apenas a Torá a meu filho”, já que ao contrário do trabalho manual, ela o protegerá tanto na velhice e na doença, como no mundo vindour (Kid. 4:14).

O compromisso entre estes dois pontos de vista extremos é encontrado no ideal seguido pela maioria dos rabinos: a combinação do estudo com uma ocupação mundana. Em contradição explícita ao ponto de vista de Simeon bar Yohai acima mencionado e a máxima de Raban Gamaliel em Avot (2:2), Ishmael afirmou: “excelente é o estudo da Torá combinado com uma ocupação mundana, pois o trabalho envolvido nas duas atividades faz com que o pecado seja esquecido. Todo o estudo da Torá sem o trabalho é fútil e é a causa de pecado”. Este ideal é advogado especialmente por Meir, que em adição a suas muitas máximas exortando o valor do trabalho manual, urge as pessoas a diminuir suas ocupações mundanas o tanto quanto possível de forma a estarem livres para o estudo da Torá (Avot 4:10). “As antigas gerações fizeram do estudo sua principal preocupação e de seu trabalho uma atividade secundária e prosperaram em ambos. As gerações posteriores fizeram o oposto e não prosperaram em nenhum deles (Ber. 35b).
Empregados e Empregadores.
Conforme mencionado, a dignidade do trabalho e a preocupação pelos direitos dos trabalhadores é enfatizado. A injunção bíblica de que se deve pagar o trabalhador na hora certa (Lev. 19:13) é expandida no sentido de que “aquele que retém o soldo de um empregado é como se tivesse lhe tirado a vida” (BM 112a) e em litígios entre empregadores e trabalhadores, os direitos dos últimos recebiam preferência sobre os dos primeiros (BM 77a). Especialmente significativa é a regra que estabelece que o trabalhador tem o direito de se retirar de seu trabalho a qualquer momento como expressão de sua liberdade, da ausência de uma relação de servidão para com seu semelhante (BK 116b; BM10a). São cuidadosamente estabelecidos o quanto o empregador era responsável pelo alimento do trabalhador (BM 7:1) e os pré-requisitos aos quais o trabalhador tinha direito (BK 119a-b).

Não obstante, uma ansiedade constante é expressa com relação à tendência à ociosidade e a exploração dos empregadores pelos empregados. “Os trabalhadores são displicentes”, declarou Tarfon metaforicamente acerca do serviço de D’us (Avot 2:15) e parece refletir condições reais de seu tempo. “Um trabalhador geralmente trabalha fielmente durante as primeiras duas ou três horas do dia apenas, e depois disso se torna indolente” (Gen. R 70:20). “Ele que herdou uma grande fortuna de seu pai e deseja desperdiçá-la, deixe que contrate trabalhadores e que não trabalhe junte com eles” (BM 29b). A lei que permitia ao trabalhador recitar o Shemá[22] enquanto estivesse em cima de uma árovore ou no andaime de um prédio (Ber. 2:4), ou encurtar a Benção de Graças após as Refeições (Ber. 46a), foi criada não no interesse do trabalhador, mas de acordo com o interesse de seu empregador sobre o uso de seu tempo. Entretanto, para recitar a Amidá[23], que é a reza propriamente dita, eles tinham que descer ao solo.

Escritos Rabínicos Posteriores[24] e Tendências Modernas

O trabalho manual e a justiça social foram frequentemente enfatizadas nos escritos rabínicos. O trabalho era tido como uma benção em si mesmo e considerava-se que a Bíblia requeria que o Estado se preocupasse com seus cidadãos durante o desemprego, a velhice e a doença. Estes benefícios deveriam ser outorgados como um princípio legal e de modo que não fosse ofendesse o sentimento de dignidade daqueles que os recebessem (Simon Federbush, The Jewish Concept of Labor (1956), 50,51, Z. Warhaftig (ed.) Osef Piskei Din Rabbaniyyim, 45). O direito dos trabalhadores de se organizarem em sindicatos foi apoiado pelos rabinos e era visto como uma extensão do dito de que “os moradores da cidade poderão infligir penalidades pela violação de seus regulamentos” (BB 8B, Rabbi Abraham Isaac Kook, citado em Katriel Tchorsch, Keter Efrayim (1967), 160-171; cf. Moshe Feinstein, Iggerot Moshe: Hoshen Mishpat, 108-9). O direito dos trabalhadores à greve era justificado (Shillem Warhaftig, bibl., 982, 984; Iggerot Moshe 110-111), embora houvesse uma opinião de que não se podia permitir interrupções no trabalho nas disputas daqueles trabalhadores que prestavam serviços de saúde, eletricidade e educação (Keter Efrayim, 171). Outro ponto de vista era de que todas as greves eram permitidas somente se os empregadores recusassem o pedido dos trabalhadores em arbitrar suas diferenças (Raphael Katznellenbogen, Ha-Ma’yan (Tishrei, 1965), 9-14).

Ideologia Trabalhista na Europa.

Nos tempos modernos, desde o período da Haskalah[25] no século 19, a alienação dos judeus do trabalho manual na galut[26], principalmente da produção agrícola, era encarada cada vez mais como a raiz do mal do “problema judaico”, ao passo que o “parasitismo judaico” tornou-se a palavra chave do anti-semitismo moderno.

O famoso termo idish “luftmenshen”, isto é, pessoas que de vontade própria viviam de todos os tipos de ocupações supérfluas e triviais, como intermediários de ocupações ao invés de realizar trabalho útil, emergiu na atmosfera específica da região do Império Russo onde o assentamento judaico era permitido[27]. Esta região, no final do século 19 e início do século 20, era um tipo de enorme “reserva”, consistindo de uma rede de vilas e vilarejos nos quais massas de judeus eram compelidos a viver “de ar”.

A reação na sociedade judaica a esta condição tomou muitas formas políticas e sociais, incluindo as ondas de imigração em massa da Rússia para o oeste e no desejo de “voltar a trabalhar a terra”, principalmente em Eretz Israel. Também houve tentativas de “produtivização” na própria Rússia, como por exemplo os povoados agrícolas no sul da Rússia, o fomento das profissões e artesanato entre os jovens judeus, etc. A maioria destas tendências estavam ligadas a ideologias elaboradas, as quais, de acordo com os princípios de seus fundadores, eram ou religiosas (como por exemplo, Hayyim Landau, o fundador do Ha-Poel ha-Mizrachi[28] e seus seguidores), ou socialistas, ou sionistas e sionistas-socialistas (Nahman Syrkin; Beer Borochov). Nos estágios iniciais do movimento de pioneiros[29] em Eretz Israel, a ideologia do trabalho foi elevada ao grau de filosofia básica do judeu renascido no solo de sua pátria (A.D. Gordon). Esta filosofia foi instrumental na reversão da estrutura social da população judaica “não produtiva” da Diáspora Européia na Terra de Israel. A ideologia de produtivização também foi o força motriz dos esforços de fundação de colônias judaicas na Argentina, Brasil e, nos anos 30, no Birobidzhan russo[30].

Bibliografia

NA BÍBLIA: S. Kalischer, in: Festschrift Hermann Cohens (1912), 579ff.; J. Husslein, Bible and Labor (1924); H.L. Ginsberg, in VT Supplement, 3 (1955), 138 ff.; I. Mendelsohn, in: BASOR, 143 (1956), 17 ff.; L. Finkelstein, The Pharisees, 1 (1962), 219 ff.; S.Talmon, in: BASOR, 176 (1964), 29 ff. ESCRITOS RABÍNICOS POSTERIORES: Shillem Warhaftig, Dinei Avodah ba-Mishpat ha-Ivri (1969), 2 vols.; N.Shemen, Baziung su Arbet un Arbeter (1963), 2 vols.



[1] N.do T.: Outros livros do período bíblico que não foram reconhecidos como livros santos e incluídos no conjunto da Bíblia (cânone).
[2] N.doT.: pois Jó não era Israelita.
[3] N.doT.: Leis agrícolas bíblicas que tratam da parte da colheita a ser deixada aos pobres. Leket é a respigadura, isto é, o ato de apanhar as espigas deixadas no campo depois da ceifa. A respigadura é vedada ao proprietário da terra, que deve deixá-la aos pobres. Shichechá são os feixes esquecidos no campo que também devem ser deixados aos pobres. Pe’á são os cantos do campo que não devem ser ceifados, mas deixado para que os pobres o façam.
[4] N.doT.: À Bíblia
[5] Nome dado às seções do Talmud e do Midrash contendo exposições homeliéticas [N.doT.: pregações com fundo moral] da Bíblia, histórias, lendas, folclore, anedotas ou máximas; em contraste com a halachá.
[6] Nome dado às partes do Talmud que trata de questões legais; em contraste com a agadá.
[7] Aurélio: Pessoa que faz exegese(s), que é um comentário ou dissertação para esclarecimento ou minuciosa interpretação de um texto ou de uma palavra. Aplica-se de modo especial em relação à Bíblia, à gramática, às leis.
[8] Movimento revivalista religioso de misticismo popular dentre os judeus da Alemanha na Idade Média.
[9] Membro do movimento religioso Hassídico fundado por Eliezer ben Eliezer Ba’al Shem Tov na primeira metade do século XVIII.
[10] Nome que originalmente se referia aos opnentes do Hassidismo na Europa Oriental.
[11] Movimento ético que se desenvolveu na segunda metade do século XIX dentre os grupos de judeus ortodoxos na Lituânia; fundado por R. Israel Lipkin (Salanter).
[12] N. do T. e Aurélio: Discurso que busca justificar, defender ou louvar algo.
[13] N. do T. e Aurélio: Diz-se de ou que pertence a uma das seitas judaicas, do II séc. a.C. ao primeiro séc. d.C., e que constituía um grupo fechado, coeso, de vida ascética. Os Manuscritos do Mar Morto são geralmente associados à esta seita.
[14] Aurélio: Aquilo que é característico e predominante nas atitudes e sentimentos dos indivíduos de um povo, grupo ou comunidade, e que marca suas realizações ou manifestações culturais.
[15] Aurélio: Relativo ao, ou que é adepto do neoplatonismo. Corrente doutrinária fundada por Amônio Sacas (séc. II), em Alexandria, e cujos representantes principais são Plotino, filósofo romano (204-270), em Roma; Jâmblico, filósofo grego (c. 250-330), na Síria; e Proclo, filósofo grego (410-485), em Atenas. Caracterizava-se pelas teses da absoluta transcendência do ser divino, da emanação e do retorno do mundo a Deus pela interiorização progressiva do homem.
[16] N. do T.: Mundo Vindouro, que de acordo com diferents tradições dentro judaísmo virá após a morte e/ou após a vinda do Messias.
[17] N. do T.: Lei bíblica que perdoa todas as dívidas entre hebreus após ter se passado sete anos.
[18] N.do T.: Livros Apócrifos.
[19] N.do.T.: Nobre na Antigüidade
[20] Presença Divina.
[21] Instituição de estudos rabínicos superiores; geralmente anexa a uma sinagoga ou servindo como tal.
[22] Shemá Israel (“Ouve ó Israel…”, Deut. 6:4). É a profissão de fé do judaísmo, proclamando a unidade absoluta de D’us.
[23] Principal prece recitada em todas os serviços; também conhecida como Shmoná Esre e Tefilá.
[24] N. do T.: ao Tamud
[25] “Iluminismo”: movimento para a difusão da cultura européia moderan dentre os judeus, cerca 1750-1880. Quem aderia ao movimento era chamado maskil.
[26] “Exílio; a condição do povo judeu na diáspora.
[27] N. do T.: Região ocidental do império que havia sido tomada ao do Reino da Polónia-Lituânia ou ao Império Turco Otomano no final do século XVIII e início do XIX. Atualmente ela compreenderia a Lituânia, o leste da Polônia, a Bielorússia, a Ucrânia e a Moldóva. Com algumas exceções, na Rússia propriamente dita, a presença judaica esteve proibida até as vésperas da Revolução Bolchevique.
[28] N do T: Movimento Sionista Religioso que hoje em dia se representa pelo movimento juvenil Bnei Akiva e pelo partido israelense Mafdal (Partido Nacional-Religioso).
[29] N. do T.: Em hebraico halutzim.
[30] N. do T.: Região asiática da União Soviética onde houve uma tentativa frustrada de se criar uma república soviética judaica, laica e idichista.

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